Foto: Banco de Dados AND
Os casos confirmados e as mortes ocasionadas pela Covid -19 vem crescendo em frigoríficos por todo o país. Mesmo assim, os trabalhos nestes locais, direcionados principalmente a fornecer produtos para exportação, não sofreram qualquer alteração. Trabalhadores do setor denunciam a subnotificação dos casos, além do descaso das empresas que não têm impedido a ocorrência de aglomerações na entrada, na linha de produção e no transporte dos funcionários até os frigoríficos.
Em Passo Fundo (RS), a JBS, que emprega milhares de pessoas não notificava casos aos órgãos de saúde, nem fez alterações na produção da empresa. A cidade tornou-se um dos epicentros da pandemia no Rio Grande do Sul
No dia 24 de abril, o frigorífico da JBS em Passo Fundo, norte do estado, distante cerca de 290 Km de Porto Alegre, foi interditado por conta de vários casos confirmados da Covid-19 entre os trabalhadores. Os fiscais do Ministério Público do Trabalho constataram aglomerações dos trabalhadores na linha de produção, na troca de turnos e no transporte até a unidade. Situação está já denunciada pelos operários desde pelo menos um mês antes da fiscalização.
Em análise dos prontuários de saúde da unidade também foram constatados casos de diversos trabalhadores com quase todos os sintomas de Covid-19 que foram diagnosticados com gripe comum, sendo medicados e retornando ao trabalho normalmente sem serem submetidos a qualquer teste do Novo Coronavírus. Atualmente um total de 2650 trabalhadores atuam no frigorifico.
Até o dia 24 de abril, a Secretaria Estadual de Saúde (RS) notificou como casos confirmados, apenas em uma unidade, 20 trabalhadores, três familiares dos trabalhadores e óbitos de familiares. Já referente aos casos suspeitos, foram registrados 15 trabalhadores e mais quatro familiares.
No dia 7 de maio a Secretaria Estadual de Saúde (RS) atualizou os números para 62 casos confirmados, seis óbitos de familiares de trabalhadores, além de outros 284 casos suspeitos entre os funcionários e mais 11 familiares com suspeita de contaminação.
Em Boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde (RS), até o dia 10 de maio haviam, em Passo Fundo, 261 casos confirmados e 17 óbitos, mesmo número de óbitos da capital. A cidade só perde em casos confirmados para Porto Alegre que apresenta 508 casos até o fechamento desta matéria.
Os prontuários médicos do frigorifico apontam que apenas no período de 11 a 22 de abril houve o afastamento de 117 trabalhadores, nenhum dos quais haviam sido diagnosticados com a Covid-19. Em um dos prontuários consta o afastamento de uma trabalhadora que apresentou sintomas de contaminação durante 14 dias, porém seu cônjuge mesmo apresentando sintomas semelhantes continuou trabalhando normalmente e utilizando diariamente o ônibus da empresa para se deslocar até a unidade.
Em nota ao monopólio de imprensa emitida 11 de maio, a JBS alegou que a unidade possui apenas 47 casos e nenhum óbito, assim como nenhum óbito dos familiares dos trabalhadores. E, para agravar ainda mais o descaso da empresa para com a vida dos trabalhadores, pouco tempo após a interdição, ocorrida em abril, a JBS ainda entrou com ação na justiça no intuito de retomar as atividades normais da unidade.
Uma das liderança sindicais do Sindicato de Trabalhadores da Indústria de Alimentação (STIA) do Rio Grande do Sul, Darci Rocha, relata que não é possível medidas de segurança sem redução número de animais abatidos: “Por conhecimento próprio, das condições de trabalho no Rio Grande do Sul e no frigorífico de aves, somente com a redução de 50% da jornada de trabalho seria possível estabelecer um distanciamento que possa evitar contaminação”
Os fatos apresentados evidenciam a existência da subnotificação de trabalhadores já doentes para evitar o fechamento da unidade e a consequente redução dos lucros desta que é a maior empresa de processamento de carnes do mundo.
Situação se repete em outros frigoríficos do agronegócio que se tornam epicentro de casos pelo interior do Rio Grande do Sul
Em Marau, região norte do Rio Grande do Sul e distante cerca de 300 Km de Porto Alegre, o sindicato dos trabalhadores da industria de alimentação da cidade confirmou, até o dia 27 de abril, 18 casos de Covid-19 em operários, ainda sem registros de mortes, no frigorifico da Brasil Foods (Sadia e Perdigão) onde atualmente trabalham atualmente 3.100 pessoas.
O boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde aponta que até o dia 11 de maio Marau possuía 123 casos confirmados e três óbitos, ocupando a 5ª posição entre as cidades com maior número de contaminados pela Covid-19.
Na cidade de Marcelino Ramos (RS), também no interior do estado, o primeiro caso de contaminação pelo novo Coronavírus foi registrado no dia 26 de abril em uma trabalhadora do frigorifico da Brasil Foods de Concórdia (SC). Em Paranavaí (PR), a GT Foods, só interrompeu as atividades após o registro de morte de três pessoas pela Covid-19, sendo dois trabalhadores e um de familiar do trabalhador. No dia 27 de abril foi confirmado o caso de outra trabalhadora da Brasil Foods na cidade de Serafina Corrêa – RS.
Em Lajeado (RS), no Vale do Taquari, até o dia primeiro de maio foram confirmados 35 casos de operários infectados apenas no frigorifico Minuano, onde atuam 2.051 trabalhadores. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, cerca de 26% do total dos atendimentos do SUS em abril, foram para os trabalhadores dos frigoríficos da cidade.
No dia 26 de abril foi confirmado o óbito de um homem em Venâncio Aires, cidade próxima de Lajeado. Três dias depois, a esposa do morador também faleceu e a filha do casal foi confirmada com a Covid-19.
Em abril, a Secretaria Municipal de Saúde informou que cerca de 75% dos casos de infecção pelo Novo Coronavírus registrados na cidade são de trabalhadores dos frigoríficos de Lajeado.
Já nas unidades de frigoríficos da AgroDanieli, foram confirmados quatro casos de contaminação de trabalhadores na cidade de Tapejara (RS); um em Getúlio Vargas (RS); um em Floriano Peixoto (RS); e oito casos em São Bento do Sul (SC).
No frigorífico Nicolini, em Garibaldi (RS), na Serra Gaúcha, onde atuam 1.500 trabalhadores, foram registrados, até 08 de maio, 60 casos confirmados da Covid-19, uma morte e mais 90 casos suspeitos.
Nas cidades próximas também houve a confirmação de mais casos: cinco em São Sebastião do Caí e três em Bento Gonçalves até 06 de maio; Outros 26 casos até o dia primeiro de maio em São Leopoldo; Em comum, todos trabalhavam em frigoríficos localizados em Garibaldi (RS).
O Professor de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavascki, relata que no frigorifico o vírus consegue resistir por mais tempo.
“O vírus é expelido dentro de partículas de saliva ou secreções. Em ambiente normal de temperatura, a partícula evaporaria em algum tempo, e o vírus perderia sua viabilidade. Num ambiente de frigorífico, com trabalhadores em locais refrigerados, a partícula e o vírus podem se manter viáveis por muito mais tempo, uma vez que este é um ambiente de conservação. É o que eu diferenciaria de um frigorífico para outros ambientes de trabalho”, explica o professor.
Uma das lideranças sindicais em Chapecó (SC), Alzumir Rossari, também confirma que as condições de trabalho favorecem a transmissão da Covid-19. “O setor está funcionando a pleno vapor. O espaço que existe dentro dos frigoríficos é bastante limitado. Um trabalhador está muito perto do outro e não estão sendo seguidas as determinações da Vigilância Sanitária. Esse comportamento pode provocar uma calamidade pública. Existe um risco muito grande de contágio em massa.”, denuncia Alzumir.
Trabalhadores denunciam descaso do agronegócio.
José Adão da Silveira, 59 anos, atua nos serviços gerais de um frigorifico em Lajeado. Ele é mais um dos moradores dos bairros Conservas e Jardim do Cedro, localizados na periferia. A maioria dos residentes trabalham nos frigoríficos Minuano e Brasil Foods, localizados na cidade que consta na listagem dos 20 maiores PIBs (Produto Interno Bruto) do estado sul riograndense.
De acordo com os boletins epidemiológicos da Secretaria Municipal de Saúde, até 10 de maio, dos 185 casos, 47 são de moradores dos dois bairros e outros 29 estão relacionados com os frigoríficos. Do total de oito óbitos na cidade, três são oriundos das referidas comunidades.
Trabalhadores denunciam ainda que os números de casos da Covid-19 são maiores que os registrados.
A trabalhadora em educação da Escola Estadual de Ensino Fundamental São João Bosco, no Conservas, Loiva Crestani, relata a situação na região que evidencia bem quem são as principais vítimas da pandemia “Agora quem está morrendo é o povo da periferia, são os pobres”.
Algumas trabalhadoras que atuam em Chapecó (SC), denunciam o medo de ir trabalhar todos os dias. Temendo represálias e perseguições por parte dos patrões elas preferiram não se identificar “Estou desesperada por ter que ir trabalhar. Meu filho está no grupo de risco, está afastado da empresa, mas eu tenho que ir trabalhar. E se eu pego o vírus e passo para o meu filho? Precisa diminuir a carga horária e o número de trabalhadores, para manter ao menos um metro de distância um do outro”.
Outra trabalhadora da unidade relata a angústia em ser obrigada a se submeter ao risco de contágio “Tem muita aglomeração e nenhuma fiscalização dentro das empresas. Eu me sinto desesperada, angustiada, triste. Tenho que sair todos os dias para trabalhar não sabendo se eu volto com a Covid-19. Embarcar todos os dias em uma lotação cheia, parecendo uma lata de sardinha, porque você não sabe que horas terá outra lotação”.
Velho Estado ignora mortes dos trabalhadores
No dia 27 de abril, o governador do estado Eduardo Leite PSDB anunciou uma portaria especifica para conter o surto nos frigoríficos, porém, após pressão do agronegócio, publicou, dois dias depois, uma nova portaria mais genérica e sem especificações para os frigoríficos.
Dessa forma, atendendo aos interesses do agronegócio e ignorando os dados científicos e as mortes dos trabalhadores ocasionadas pelas precárias condições de trabalho que resultaram nas contaminações pela Covid-19, o velho Estado deixa claro a quais classes serve.
Até o dia 10 de maio foram notificados cerca de 240 casos confirmados de pessoas com o Novo Coronavírus em 12 frigoríficos somente no Rio Grande do Sul. Destas unidades, apenas 4 foram interditadas e interromperam a produção. Somente o frigorífico da JBS em Passo Fundo, com maior número de casos confirmados, continua interditado totalmente.
Os números de contaminação podem ser ainda maiores, haja vista a subnotificação que constatada e que persiste em muitas das empresas.
Cabe ressaltar que todos os frigoríficos interditados atuam na exportação de carnes para o Oriente Médio.