PB: Camponeses se organizam e conseguem mais de 20 títulos de terras valorizadas pela transposição

Apesar de habitarem há muito tempo as terras às margens do rio Paraíba, os camponeses que ali vivem são posseiros, ou seja, não possuem documentos legais que comprovem a propriedade das terras. Essa situação facilita a prática da grilagem, agravada pela crescente valorização econômica da região. No caso específico, essa valorização é impulsionada pela iminente transposição do Rio São Francisco.
Foto: Reprodução

PB: Camponeses se organizam e conseguem mais de 20 títulos de terras valorizadas pela transposição

Apesar de habitarem há muito tempo as terras às margens do rio Paraíba, os camponeses que ali vivem são posseiros, ou seja, não possuem documentos legais que comprovem a propriedade das terras. Essa situação facilita a prática da grilagem, agravada pela crescente valorização econômica da região. No caso específico, essa valorização é impulsionada pela iminente transposição do Rio São Francisco.

Em matéria recente do jornal AND, correspondentes locais alertam sobre os riscos para a população camponesa que será impactada pelo projeto da transposição, e como devem ficar atentos à luta pela titulação de suas terras. 

No interior da Paraíba, camponeses já iniciaram o processo de luta pela titulação para tentar, com antecedência, se blindar contra as grilagens em decorrência da valorização de terras por causa da transposição. 

Breve histórico de São Domingos do Cariri

São Domingos do Cariri, um pequeno município, localizado no interior da Paraíba, margeado pelo Rio Paraíba, com população estimada em pouco mais de 2500 habitantes, é uma das cidades que  aguardava o projeto de transposição, iniciado em 2016. 

O município é majoritariamente rural, e dessa área rural 43% está dividida entre camponeses, particionada no que são chamados os minifúndios, propriedades de até 55 hectares. Os camponeses que vivem nessas terras tiram seu sustento das mesmas e alguns estão lá há mais de 3 gerações, como relatam a um pesquisador e correspondente local: 

“sou camponês aqui do sítio Malhada do Meio, vivo às margens do Rio Paraíba desde que nasci, e os meus Pais foram criados aqui também, aqui quando eu era criança ainda era município de Cabaceiras hoje é de São Domingos do Cariri. Minha vida sempre fluiu ao ritmo do Rio Paraíba, enquanto cuido dos animais e cultivo a terra que me sustenta.” – Gilson, 37 anos. 

“Minha esposa é Maria Inácia da Conceição, sou filho de João Deodato, meu avô era Deodato Pinto, ele veio migrando do Rio Grande do Norte para cá, mas de 150 anos atrás se estabeleceram aqui onde hoje é o sítio Porteiras que se inicia ali na passagem molhada do rio Paraíba […]”  – 

“ Sou filho de Pedro Feliciano de Guimarães, minha esposa é Maria Mabel, nascido e criado aqui, meu bisavô Francisco Feliciano de Lima era português, ele se casou com uma mulher negra aqui do sítio Porteiras e ficou aqui mesmo, não sei muito bem o ano, mas meu avô morreu com mais de 90 anos então isso faz para lá de 150 anos […]“ – Campones, 71 anos

Problemas enfrentados

Apesar de habitarem há muito tempo as terras às margens do rio Paraíba, os camponeses que ali vivem são posseiros, ou seja, não possuem documentos legais que comprovem a propriedade das terras. Essa situação facilita a prática da grilagem, agravada pela crescente valorização econômica da região. No caso específico, essa valorização é impulsionada pela iminente transposição do Rio São Francisco.

Além dessa insegurança fundiária, o correspondente local e pesquisador desse processo de valorização das terras também identificou outros impactos na vida dos camponeses, entre eles:

  • Impacto econômico: A demanda crescente por terras adjacentes ao rio Paraíba, gerada pelo projeto de transposição, tem elevado drasticamente os valores das propriedades. O acesso a água e a localização estratégica para atividades agrícolas têm atraído investidores e especuladores. Esse aumento do valor da terra cria um cenário de competição desigual entre os camponeses locais e aqueles com recursos financeiros significativos.
  •  Mudanças sociais: A valorização das terras afeta não apenas a economia, mas também a dinâmica social das comunidades camponesas. A entrada de investidores externos pode resultar em deslocamento de populações locais e transformações culturais. A coesão social, outrora um pilar dessas comunidades, é desafiada pelas mudanças na paisagem humana e econômica.
  • Acesso limitado: Com a valorização das terras, os camponeses que dependem delas para sobreviverem enfrentam dificuldades crescentes para adquirirem ou manter suas propriedades. O acesso a terras adequadas para cultivo e criação de animais se torna mais restrito, ameaçando a segurança alimentar e a subsistência dessas famílias. Sobre isto, importante lembrar:
  • Mudança de prioridades: A competição pela terra e os impactos socioeconômicos podem forçar algumas famílias a abandonarem práticas agrícolas tradicionais em busca de outras fontes de renda. Isso pode resultar em perda de tradições e conhecimentos acumulados ao longo de gerações.
  • Pressão ambiental: O aumento do valor das terras pode incentivar práticas de uso da terra menos sustentáveis, como a conversão de áreas agrícolas em empreendimentos imobiliários. Isso pode levar à degradação ambiental, perda de biodiversidade e diminuição dos recursos naturais disponíveis para as comunidades locais. 

[REFERENCIA – TCC]

Camponeses organizados

Através da organização coletiva, e com apoio de organizações democráticas e da universidade, esses camponeses conquistaram, no final do ano passado, 16 titulações de terra. Também, com um trabalho de topografia popular a baixo custo e mais de uma centena de atividades socioeducativas e de mobilização política dos trabalhadores rurais, já foram mapeadas mais de 500 posses rurais. 

A luta continua

No mês passado, foi realizado um ato e logo após a segunda cerimônia de entrega de mais de 20 escrituras públicas definitivas de propriedades rurais a camponeses. Durante o evento, destacou-se a importância do projeto, ressaltando seu diferencial: a participação popular em todas as etapas do processo.

Esse projeto, que faz parte de uma luta coletiva, tem como meta a entrega de 1.000 títulos de terra até 2026, beneficiando não apenas o município de São Domingos do Cariri, mas também Caraúbas. O trabalho já aponta para novas perspectivas, com a parceria da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande). A iniciativa busca promover o desenvolvimento sustentável do semiárido, com base na agricultura familiar e no uso das águas da transposição do rio São Francisco.

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