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No dia 2 deste mês de outubro, data que foi marcada pela Greve Nacional da Educação, o município de Caraúbas, localizado no Cariri paraibano, realizou um vigoroso e massivo protesto exigindo, como bandeira central, a volta do bombeamento das águas do Rio São Francisco para o Rio Paraíba, que corta o município. O manifesto foi organizado pelas comunidades ribeirinhas e contou com o apoio da Universidade Federal de Campina Grande e da Prefeitura Municipal de Caraúbas.
O dia de greve e luta pela água para o Cariri foi divulgado nas rádios de Caraúbas e de municípios próximos, na feira local, na festa da padroeira da comunidade ribeirinha, de casa em casa nos sítios e até na final do jogo de futebol de Caraúbas, obtendo amplo apoio e entusiasmo da população. No total, foram quase mil convites distribuídos mostrando a situação de descaso do governo para com o povo do Cariri, um município que tem cerca de apenas 4 mil habitantes! As escolas da sede (tanto a municipal como a estadual) discutiram o tema e prepararam cartazes e trabalhos com os alunos sobre a reivindicação das águas da transposição para o povo caririzeiro nos dias que antecederam o ato, para que todos pudessem participar com engajamento e conhecimento da causa em questão.
Assim, no dia 02/10, somando-se à milhares em todo o Brasil, com carro de som e dezenas de cartazes, faixas e fogos, mais de 250 camponeses de diversas comunidades rurais de Caraúbas, além de estudantes da educação básica e da universidade, professores e demais trabalhadores da sede do município, entoaram em uníssono: Sou brasileiro, do Cariri, e exijo que a água passe aqui!, Não à privatização, da Transposição!, Essa reforma não vai passar, o povo tem direito de se aposentar!, entre outras, inclusive contra o desmonte do ensino público perpetrado pelo governo de Bolsonaro e dos generais.
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A concentração do ato ocorreu na ponte da cidade, que interliga Caraúbas a outros municípios – que também sofrem com a falta d’água no leito do rio há mais de cinco meses -, e teve total apoio de todos que passavam. A foto histórica de centenas de populares na ponte sobre o rio seco, só com lama e lodo, é forte, simbólica e expressa a revolta popular com a falta do bombeamento da água da transposição para o estado da Paraíba e, em particular, para a população do Cariri paraibano – a região mais seca de todo o sertão brasileiro!
Em seguida, os manifestantes foram em protesto até a sede do município em duas fileiras e com muito entusiasmo, e realizaram um ato em frente ao mercado público. Um grupo de estudantes e jovens camponeses fazia a entrega, ao longo do percurso, do convite do protesto. No ato, tomaram a palavra diversas lideranças das comunidades camponesas participantes, além de representantes da Prefeitura de Caraúbas, vereadores e secretários do município (de agricultura, educação, ação social, comunicação e esportes), docentes e discentes da universidade pública e das escolas da rede municipal de ensino.
Um trabalhador do município, indignado, disse que, com esta luta, “vamos mostrar pra eles que isso aqui é Brasil minha gente, não é Estados Unidos, não!”. Um estudante e jovem camponês afirmou: “Estamos lutando aqui pela água, mas se o Estado, se o governo não aderir e quiser briga, nós vamos estar como cidadãos caririzeiros e nordestinos. Não tememos anos de estiagem, e não vamos temer a lei que querem privatizar e tirar a água que já estava passando no leito de nosso rio!”.
O secretário de comunicação, representando o prefeito de Caraúbas, também se manifestou em defesa do imediato retorno do bombeamento das águas, enfatizando que a água é um bem coletivo e que esta luta é de todos. Assim como ele, outros também denunciaram a absurda limitação, prevista no projeto original da transposição, de apenas 0,5 (meio) hectare de terra para cada pequeno camponês produzir. Outro camponês fez a provocação: “alguns podem dizer que meio hectare de terra é muito, mas não é! Mande o agronegócio produzir com só meio hectare de terra, pra ver o que ele faz!”. Já um aluno da escola municipal, de apenas 9 anos, pegou o microfone e disse: “Bom dia, eu estou aqui para lutar pela água da transposição!” e, em seguida, puxou a palavra-de-ordem: “Não à privatização da transposição!”. Todos, emocionados, aplaudiram fortemente.
O ato se encerrou com a fala de uma representante de comunidade ribeirinha, que afirmou que esta luta não irá parar até que a água volte a correr embaixo daquela ponte e ali permaneça, para atender àqueles que mais precisam dela, que são os camponeses ribeirinhos e o conjunto da população do Cariri paraibano, tão esquecida pelos governantes!
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BOLSONARO ASSINA CRIMINOSO DECRETO QUE PRIVATIZA A TRANSPOSIÇÃO
No dia 4 de agosto de 2019, o entreguista Bolsonaro assinou o decreto nº 9954/19, que prevê a privatização da transposição do Rio São Francisco, tanto no que diz respeito à conclusão das obras, como à sua operação e manutenção. Além disto, o decreto prevê a entrega das terras das margens dos canais da transposição para grandes empresas privadas de geração de energia, que lucrarão rios de dinheiro com as águas (e a terra!) que deveriam ser para o povo sertanejo e caririzeiro. Esse decreto é mais um infame crime contra o povo! Enquanto Bolsonaro finge defender a nação e os brasileiros, está tirando a água do pote do camponês! Com o decreto, o governo pretende leiloar a transposição e entregar tudo para os monopólios internacionais!
São muitos os “poderosos” interessados em que a água não venha pra o Cariri. As águas do São Francisco, antes de virem para a Paraíba, passam pela barragem de Sobradinho (BA), e servem para aguar em abundância as uvas e demais frutas do agronegócio de Petrolina (PE), destinadas à exportação. Fernando Bezerra Coelho, oligarca e latifundiário daquela região, foi Ministro da Integração do governo Dilma Rousseff/PT, e seu filho foi Ministro das Minas e Energia do governo Temer. Agora, Bezerra é líder do governo Bolsonaro no Senado federal. E não por acaso. A família Coelho e demais oligarcas latifundistas têm muito interesse em que a água do São Francisco não seja bombeada para a Paraíba, para que possam continuar usando e abusando das águas em suas terras que chegam a 50 mil hectares ou mais. Estão deixando as famílias do Cariri da Paraíba sem água, pra que suas uvas possam ir bem graúdas para os gringos!
Também na Paraíba há aqueles que não veem problema algum com a retenção das águas da transposição. Exemplo disto são os grandes industriais de Campina Grande e os usineiros da zona da mata. Como o açude (Boqueirão) que abastece esta região ainda está com volume viável, pouco se importam com que as águas deixem de passar pelo Rio Paraíba neste momento – ao menos até que o açude esteja novamente com o volume baixo. Claro, a privatização atingirá também a população de Campina Grande e da Paraíba como um todo, mas a grande burguesia lacaia do imperialismo e o latifúndio monocultor da cana-de-açúcar não parecem se incomodar com isto!
A água do São Francisco, quando chegou ao Rio Paraíba, trouxe imensa alegria e esperança para o povo, especialmente aos camponeses ribeirinhos. No entanto, desde seu projeto e construção, vários especialistas questionavam acerca de sua viabilidade e alertavam para os gastos excessivos e desnecessários (a não ser para as grandes empreiteiras, que compunham os esquemas financeiros e eleitorais da gerência do oportunismo petista) nela previstos. Agora, após serem gastos mais de 12 bilhões de reais de verbas públicas com a obra, e após o semiárido paraibano ter começado a se beneficiar, ainda que timidamente, com a chegada das águas, o governo federal interrompe novamente o seu bombeamento, alegando supostas obras de manutenção das barragens receptoras. O Rio Paraíba está seco há cinco meses, o gado está só pele e osso, as plantações estão se perdendo e os pequenos e médios açudes da região estão diminuindo seu volume a cada dia, impactando a vida de toda a população do Cariri, especialmente aqueles que dependem da água para plantar, criar e daí tirar o sustento de sua família.
Por isso a revolta é grande, e a população da região deu mostras na última Greve Nacional de que seguirão se unindo em defesa do sagrado direito à água para o povo do semiárido nordestino! Este parece ter sido o primeiro de muitos outros protestos pela água para o Cariri e contra a privatização da transposição. Essa é a mensagem expressa em poema feito e declamado, na hora do ato, por um poeta do Cariri:
O povo está nas ruas,
por uma causa de respeito
já querem privatizar
o que é nosso por direito.
Pode arrumar solução
que não vejo opção,
este combate está feito.
Nós exigimos respeito
com o povo do Cariri,
se tem projeto pendente
para trazer água aqui,
se for preciso ter guerra
seja por água ou por terra
nem pense em nos impedir.
Prezar por uma luta de classes
não é um tempo em vão
à todos que estão presentes,
repasso uma saudação
estamos aqui pra lutar
se quiserem nos parar
a luta vamo’aumentar
até uma solução!
Poeta cordelista do Cariri (PB)