No município de Jaqueira, nas terras da falida Usina Frei Caneca, camponeses acusam a empresa Agropecuária Mata Sul Ltda. de mover manobras jurídicas e mentiras para roubar as terras das famílias posseiras. Uma das estórias dos latifundiários diz que não há camponeses na região, mas a versão é desmentida pelos produtores. “Vivi aqui minha vida toda, meu pai trabalhou nessa usina. Eu via o filho do dono passando de charrete enquanto eu cortava cana, estou com quase 70 anos. Como é que eles querem dizer que eu não vivo aqui? Olha essa casa, é de taipa… aquela jaqueira ali tem mais de 20 anos, esse casa de farinha tem bem uns 30 anos” relatou um camponês ao correspondente local de AND que visitou a área.
O caso desse camponês não é único. Ao menos 100 camponeses vivem nas terras que no passado pertenceram à Usina Frei Caneca. São famílias que antigamente trabalhavam na usina, muitas vezes em regime de servidão, e continuaram a ocupar as terras depois que a empresa faliu. Os camponeses de hoje relatam como que, no passado, eles ou seus familiares enfrentaram as condições do trabalho servil, desde as dívidas impostas pelo regime de barracão até os castigos físicos.
“Eu era pequeno, tinha uns 12 anos, mas vi. Tinha um barracão e o barraqueiro andava armado, todo salario ficava preso lá, a gente era obrigado a comprar de lá. Se por acaso precisasse de algum dinheiro para comprar um remédio fora tinha que mendigar a eles e ainda ficava mais endividado. Os administradores andavam com chicote na cintura, açoitava se visse chupado cana no meio do serviço. Meu pai cansou de me contar dos sofrimentos”, explicou um camponês.
Grilagem contra posseiros
Já hoje em dia, os crimes se mantêm em outras formas. Os latifundiários celebram arrendamentos com fortes indícios de simulação para manutenção da propriedade de terras improdutivas, uma prática de grilagem de terras de posseiros conhecida como “lavagem de terras”. Pistoleiros são contratados para garantir a grilagem. “Eles contrataram empresas de segurança que vivem nos humilhando, dizendo que a gente ia sair daqui. Depois, deixou de ser empresa e passou a ser funcionários deles [dos latifundiários] mesmo. Andam armados querendo botar medo. Cortaram as bananas do povo e jogaram veneno em roçado”, denuncia um camponês.
Evidentemente, tudo isso contraria a legislação. O código 1.240 do código civil afirma que “Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural“. Já o código 1.238 do mesmo código diz que “aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis“. Os camponeses vivem nas terras há mais de 30 anos, após receberem as terras dos próprios usineiros. Mesmo assim, o Tribunal de Justiça de Pernambuco se nega a reconhecer a existência dos camponeses, conforme explicita a decisão do desempegador relator substituto, Itabira de Brito Filho, datada do dia 18 de agosto de 2023.
Inversão de responsabilidades
Quando os latifundiários admitem que existem camponeses na região, é para criminalizá-los. Uma das tentativas de criminalização busca acusar os posseiros de terem destruído o meio natural da região. É uma inversão clara de responsabilidades, uma vez que os camponeses são os mais interessados na preservação do meio natural, mandatório para sua subsistência, enquanto o histórico da usina é de destruição da Zona da Mata Pernambucana e Alagoana.
“Eu conheço toda essa mata, sei onde é tudo. Moro dentro dela. Eles falam que estamos devastando, eu não tenho nem trator, nem serra elétrica, trabalho é no facão e na enxada. Mas eu pergunto se soltarem Guilherme Maranhão aqui se ele vai saber andar nessa mata. A gente depende da mata, protege ela”, disse um camponês.
As acusações também são contrárias às próprias evidências. Um relatório técnico da CPRH Agência Estadual de Meio Ambiente do dia 6 de junho de 2023, feito após uma vistoria no dia 15 de maio do mesmo ano na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Frei Caneca, afirma que não foram identificados indícios de desmatamentos recentes. O relatório também não dá nenhum indício de dano ambiental causado pelos posseiros na região. Os únicos pontos de desmatamentos identificados foram tidos como produzidos há mais de 10 anos, e não há evidências dos responsáveis.
Os camponeses seguirão nas terras em luta contra a pistolagem, a grilagem e o próprio sistema judiciário pró-latifúndio.