No dia 17 de fevereiro, a sede da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (ADEPE), no Recife, foi palco de uma ocupação histórica. Famílias camponesas, indígenas do povo Kapinawá, quilombolas e militantes de movimentos sociais transformaram o prédio em um espaço de luta contra a expansão predatória de parques eólicos no Agreste pernambucano. O ato, organizado pela Escola dos Ventos — projeto que articula educação popular e luta pela terra —, encerrou-se com vitórias importantes e expôs um problema: a energia “limpa” sendo usada como justificativa para a reprodução de violências sistemáticas contra o povo do campo.
Entre as reivindicações da ocupação estavam a revogação imediata das licenças dos complexos Ventos de Santa Brígida, Ventos de São Clemente e Serra das Vacas, assim como a paralisação imediata de suas atividades. Além disso, os camponeses, indígenas e quilombolas também exigiram a suspensão de processos de licenciamento de novos empreendimentos na região.
Essa mobilização foi resultado de uma luta que já dura dez anos, desde que os primeiros aerogeradores foram instalados nas terras dos camponeses em Caetés-PE, através de contratos abusivos de arrendamento que acabaram resultando em perda de territórios, remoções forçadas, danos ambientais e à saúde de quem vive próximo às turbinas.
Energia Limpa e Imperialismo
Conforme relatou o Intercept Brasil, a expansão dos parques eólicos no Brasil, que atinge principalmente o nordeste, é consequência de uma política de incentivo à produção eólica que começou em 2001, quando a escassez de chuvas provocou uma crise na geração de energia das hidrelétricas. As linhas de crédito com juros baixos atraíram o interesse do capital internacional, de forma que hoje o setor é dominado por multinacionais, como a espanhola Iberdrola (dona da Neoenergia), a italiana Enel Green Power e a francesa Voltalia Energia.
Dados da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica) revelam que o Brasil já possui 1104 parques eólicos em operação, dos quais 90% estão em operação ou licenciados para operar no nordeste. Toda essa expansão se dá por meio de contratos abusivos com os camponeses, que acabam virando rentistas de sua própria terra e tendo que arcar com os prejuízos provocados pelo funcionamento das eólicas em sua produção e em sua qualidade de vida. Essas empresas usam estratégias totalmente predatórias para enganar os camponeses, usando até mesmo de “atravessadores”, pessoas das próprias comunidades que são contratadas pelas empresas para convencer os moradores a assinar os contratos. Após assinarem os contratos sigilosos, achando que vão obter uma fonte de renda extra, os camponeses se deparam com uma situação projetada para expulsá-los de sua própria terra, envolvendo, além dos impactos ambientais, o cerco e a vigia de capangas armados que os impedem de acessar partes de sua própria terra para plantar. Essa situação já tem resultado em expulsões de camponeses que se veem obrigados a ir para a cidade, configurando uma nova forma de grilagem de terra, dessa vez em nome da “energia limpa”.
Mobilização Combativa
Ainda de acordo com a ABEEólica, o Brasil tem uma capacidade de 1500 GW de energia eólica e produziu, apenas de 2006 para cá, um parque que explora 33,7 GW. Ou seja, é um mercado que se expande paulatinamente, gerando lucros ao capital internacional, que se instala aqui através de incentivos do velho Estado, enxergando ainda um potencial enorme para aumentar seus lucros a partir da grilagem de terras dos camponeses. Diante desse cenário, a mobilização dos camponeses, quilombolas e indígenas do povo Kapinawá, mostrou que o caminho da luta combativa é o único caminho para barrar os avanços do imperialismo sobre o povo.
Após apenas dois dias de ocupação do prédio da ADEPE, as comunidades conseguiram se reunir com representantes do velho Estado e garantir que parte de suas demandas fosse atendida. Conforme relata a Teia dos Povos – PE, dentre as conquistas da mobilização estão “a paralisação do Parque Eólico São Clemente – ativo de forma nefasta há cerca de 10 anos sobre territórios de Caetés e outros municípios” e a revogação da “construção de empreendimentos eólicos sobre a terra indígena Kapinawá”.
O agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT) declarou ao portal Marco Zero que “foi uma grande vitória” e deixou claro que a desocupação foi “uma trégua diante das promessas que o governo estadual fez. Caso ele não cumpra, voltaremos a ocupar, seja a ADEPE ou outro lugar do Governo do Estado.”