Foto: João Ripper
No dia 3 de outubro, dois adolescentes com idades entre 14 e 16 anos foram flagrados trabalhando sob condições insalubres e precárias no corte de uma plantação de cana-de-açúcar em um latifúndio semifeudal chamado Engenho Jangadeiro, em Condado (interior de Pernambuco), durante uma ação de agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Além deles, outros 15 canavieiros estavam trabalhando em condições inaceitáveis, sem Carteira de Trabalho assinada e sem o equipamento de segurança adequado, chamado de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). A CPT também averiguou a ausência de banheiros nos locais de trabalho e de transporte assegurado para os trabalhadores, o que configura crime de “trabalho análogo ao escravo” (popularmente chamado trabalho escravo), bem como infantil e clandestino.
De acordo com depoimentos recolhidos dos canavieiros, o arrendatário do Engenho é conhecido por “Zequinha de Condado”, que fornece a cana produzida e colhida na fazenda à Usina Olho D’Água, localizada num município próximo chamado Camutanga. Além de fornecer cana-de-açúcar, Zequinha de Condado também possui negócios na construção civil, algo muito comum no cenário do latifúndio nordestino, que recruta boias-frias e trabalhadores temporários durante a safra da cana-de-açúcar, e em seguida contrata-os para trabalhar na construção civil depois da colheita.
Semifeudalidade no campo
Apesar de a legislação brasileira proibir o emprego de crianças e adolescentes menores de 18 anos em “condições perigosas, penosas ou insalubres”, entre 2014 e 2018 foram registradas mais de 21 mil denúncias de trabalho infantil no Brasil, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPF), que estima haver, atualmente, cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes em tal situação.
O setor sucroalcooleiro, que acompanha desde as plantações de cana-de-açúcar até todo o seu processo de transformação em etanol nas usinas, é um dos que mais concentra casos de trabalho escravo no país: entre 2003 e 2013, foram 10.709 canavieiros resgatados, sem contar os 1.383 que morreram em pleno canavial de exaustão, entre 2002 e 2007. Mesmo nas lavouras mecanizadas da cana, tidas como à imagem e semelhança do que há de mais moderno (o “agronegócio”), as condições insalubres também são sintomáticas: há relatos de motoristas de colheitadeiras trabalhando em turnos de mais de 24 horas, por exemplo.
O uso de tais relações de trabalho arcaicas revela o atraso das forças produtivas no campo e a condição de semifeudalidade em que o Brasil ainda se encontra, baseada na manutenção do sistema latifundiário e na concentração fundiária, com relações pré-capitalistas de produção no interior do latifúndio e na agricultura em geral. Apesar de a promessa da grande produção capitalista burocrática agrária (agronegócio) pairar há décadas no Brasil, com as apologias televisivas de “O agro é pop, o agro é tech, o agro é tudo”, o prognóstico é do acirramento da luta pela terra no campo, ao passo que o fascista Bolsonaro despreza o combate ao trabalho escravo e apoia abertamente a perseguição ao movimento camponês.