A carestia de vida nas grandes cidades brasileiras e a precarização do trabalho sempre gerou uma situação trágica para as famílias que moram de aluguel, sobretudo as famílias pertencentes às camadas mais empobrecidas. Essa população viu sua situação piorar consideravelmente nos últimos tempos. Muitas dessas famílias de trabalhadores vivem um dilema: ou se alimentam ou pagam o aluguel. Abrigo e alimento são duas necessidades fundamentais à vida, e é difícil ser colocado na condição de ter que escolher entre um e outro, mas é isto o que ocorre. Tanto que em recente pesquisa pelo monopólio da comunicação, no Nordeste, cerca de 65% das pessoas que receberam o auxílio-emergencial utilizaram este valor para comprar comida.
Durante essa pandemia, que agravou ainda mais a crise do sistema capitalista, muitos trabalhadores tiveram que ir morar na rua, dado que ficaram sem remuneração ou tiveram a mesma reduzida drasticamente, o que os impossibilitou de continuarem pagando aluguel, e não é necessário uma pesquisa aprofundada para se afirmar isso, basta que se ande no centro de qualquer grande cidade brasileira.
Na cidade do Recife, por exemplo, a população que mora na rua, que já era grande, aumentou drasticamente, e o centro está apinhado de pessoas nessa situação. É necessário pois uma resposta a esta situação, e ela não é outra senão ocupar terrenos e imóveis abandonados, dado que não há um programa de habitação popular que resolva este problema.
Durante a noite do dia 4 de julho, dezenas de homens e mulheres se reuniam nas proximidades do Aeroporto Internacional do Recife para realizar a tomada de um terreno da União abandonado há décadas. Em sua maioria, trabalhadores informais e vendedores ambulantes, de renda esmagada pelo desenvolvimento da crise econômica através da crise sanitária. Vindos de bairros vizinhos, ou bairros próximos, observavam atentos para aquele lugar que para eles significa a esperança de sobreviver em meio a um velho sistema que sempre lhes ignorou.
Em plena zona sul do Recife, num dos locais mais valorizados, o bairro de Boa Viagem, surgiu uma grande ocupação por moradia, a ocupação Tijolinhos, realizada no terreno da antiga REFESA, imóvel abandonado há mais de 20 anos. A ocupação é dirigida pelo Movimento Urbano Sem-Teto (MUST), movimento social que atua na Região Metropolitana do Recife há mais de vinte anos. Lá já se cadastraram para reivindicar um pequeno lote cerca de 300 famílias, hoje, após quase se completar dois meses de ocupação, moram no local mais da metade das cadastradas, mulheres, homens, jovens e crianças, todos com o sonho de conseguirem uma casa própria, todos dispostos a resistir para alcançar este sonho.
A ocupação segue o seu caminho para se tornar uma comunidade. Batizada de Tijolinhos, a ocupação já conta com vários barracos, que formam ruas e becos. A infraestrutura é precária e improvisada, mas tudo é feito para melhorar o local. Uma cozinha coletiva foi instalada, fiação e luzes foram colocadas e a água é tirada de um cano próximo. Há ainda projetos para a instalação de uma creche e uma biblioteca comunitária, além de academia e oficina escola, tudo em um grande galpão abandonado localizado dentro do terreno.
Muitos dos ocupantes são pessoas das comunidades vizinhas, como Rua da Linha, Tijolos e Beira do Rio, e que pela condição difícil que estavam, imediatamente saíram das casas de aluguéis ou das casas de parentes e amigos onde moravam de favor e imediatamente construíram e se instalaram em barracos em Tijolinhos. Agora vivem numa situação em que podem comer melhor, pois o dinheiro do aluguel vai para isso, e vai também para comprarem materiais para os barracos ficarem mais habitáveis.
Assim, muitas dificuldades foram sendo superadas. A luta nunca foi e nunca será fácil, e todos sabem disso. A luta continua, árdua, dia após dia, pela realização do sonho de um povo que foi negado em seus direitos mais básicos, mas que mesmo diante de tanta injustiça e descaso, ousaram lutar com coragem e decisão por aquilo que lhes é direito: a sagrada moradia.
Moradores da Ocupação Tijolinhos, na zona sul de Recife. Foto: Comitê de Apoio ao AND de Recife/PE