Peabiru em SC: Achada provável morada de descobridor dos Incas (parte 1)

Peabiru em SC: Achada provável morada de descobridor dos Incas (parte 1)

Um grande mistério da história da América do Sul acaba de ser provavelmente resolvido: o local catarinense onde morou, com os índios guaranis, o verdadeiro descobridor do império dos incas: Aleixo Garcia, membro de uma frota espanhola, que sobreviveu a um naufrágio (Florianópolis) em 1516.

Aleixo foi o primeiro homem branco a encontrar o império inca no Alto Peru. Ele, devidamente “preparado” pela tribo durante vários anos (guaranizado e ritualizado), foi levado à cordilheira dos Andes pelos índios catarinenses (guaranis mais tarde chamados cariós/carijós) e grupos sul-matogrossenses pelo Caminho do Peabiru, sendo o primeiro homem branco permitido a trilhar tal via milenar indígena. E a entrar em contato com os famosos incas 7 anos antes do espanhol Pizarro. Portanto, ao contrário do que diz a história oficial, Aleixo foi anterior aos castelhanos no contato incaico.

A grande aldeia e o filme

A descoberta do registro de 4 sítios arqueológicos  num certo ponto da Baixada do Maciambu (em Palhoça, em frente à Ilha de Florianópolis), cujos vestígios mostraram a presença de um amplo aldeamento guarani no local, foi feita pelos pesquisadores Rosana Bond (de Fpólis) e Fábio Krawulski Nunes (de Jaraguá do Sul) .

Ambos estudiosos notaram que os 4 sítios poderiam ter sido originalmente unidos, devido à pequena distância entre um e outro. Sua observação e descoberta ocorreram durante os estudos preliminares para a filmagem de um documentário sobre o Caminho do Peabiru, do cineasta paranaense Flávio Dutra, que foi parcialmente realizada em SC em novembro deste 2024.

O porto das navegações quinhentistas

Alguns historiadores dizem que aquela área da Baixada do Maciambu foi conhecida como Biaçá ou Viaçá ou Mbyaça/Mbyaza, situada na vizinhança do Porto dos Patos (“Auingen Inbiassape”, “Porto Biaçápe”, na escrita do mercenário alemão Hans Staden, em 1557), o qual ficava na foz do Rio Maciambu.

Outros historiadores situam o Biaçá em Laguna/SC.

O Porto dos Patos/Maciambu era usado pelos navegadores do século 16, principalmente de Espanha, em seu trânsito ao Rio da Prata ou ao Paraguai. Os guaranis da grande aldeia eram os abastecedores das naus e outras embarcações dos exploradores europeus, com água e comida.

Mapa de alguns pontos geográficos citados nesta reportagem. A parte sombreada é o continente (município de Palhoça), em frente à Ilha de SC (Florianópolis). É onde se vê o Passo do Rio Maciambu, que deságua no oceano, constituindo o ex-Porto dos Patos. À esquerda do Passo está a BR-101, onde na sua margem esquerda se situa a Baixada do Maciambu, onde ficam os sítios arqueológicos que formavam a grande aldeia onde os guaranis acolheram Aleixo Garcia e demais náufragos. Nesta vizinhança, Maciambu Pequeno e Ponta do Morro dos Cavalos a tribo guarani possui aldeias atuais, evidenciando uma fidelidade territorial a aquela área. No lado direito do mapa está uma parte da Ilha de Florianópolis, onde se localiza a Ponta dos Naufragados, no extremo sul. Portanto, por este mapa é fácil verificar a proximidade entre o lugar do naufrágio de Aleixo e o lugar da grande aldeia indígena que o abrigou

O “iceberg do Titanic”

Nas proximidades do Porto fica a chamada Ponta dos Naufragados, onde uma perigosa laje submersa causava frequentes afundamentos, como o da própria galé que transportava Aleixo Garcia e seus 11 ou 18 colegas acidentados.

“Mal comparando, é quase um iceberg do Titanic”, costumava dizer, brincando, um praticante de esporte náutico que estudava a história de Florianópolis. Hoje a Marinha fornece orientação técnica para a navegação naquele lugar.         

Urna funerária e utensílios domésticos

Os sítios arqueológicos (com peças guaranis que estavam visíveis na superfície) Aviãozinho, Fazenda Santa Inês, Areal e Maciambu 1 foram encontrados por habitantes locais, provavelmente entre as décadas de 1950-1970 e avisados a órgãos da Arqueologia. Mas estavam deteriorados, exigindo pesquisa cuidadosa e demorada, que não pôde ser feita por falta de recursos financeiros e outros.

Apenas um deles, o Maciambu 1 ou Posto Maciambu, recebeu coleta profissional arqueológica de superfície por Teresa Fossari, do Museu da UFSC em 1987 e escavação por Marco Aurelio de Masi, no Projeto de Salvamento Arqueológico da Duplicação Sul da BR-101, em 2007.

Fossari cadastrou, nos restos da velha aldeia onde talvez tenha vivido Aleixo, fragmentos de vasilhas guaranis e um grande recipiente cerâmico intacto com decoração corrugada (impressões no barro feitas com as pontas dos dedos, geralmente pelas mulheres da tribo) além de alguns artefatos líticos, como pesos de rede de pesca, mostrando uma das principais atividades masculinas ali (tanto dos índios quanto dos brancos acolhidos no lugar).

De Masi encontrou, no mesmo local (ou suas proximidades), uma urna funerária e fragmentos cerâmicos domésticos, ou seja vasilhas com até 37 cm de diâmetro (quando inteiras) e pratos.      

Os manuscritos e a “quase cidade”

Diversos manuscritos dos anos 1500 relataram a existência da vasta aldeia, mas até agora seu local  não era conhecido. Falava-se que ficava na Baixada do Maciambu, porém genericamente, sem maior precisão dentro de uma área bem extensa.  

O aldeamento era maior que outros e por isso foi definido pelo historiador e padre Tarcísio Marchiori (falecido em 2007), em seu livro Terra dos Carijós, como uma “quase cidade” indígena (depois mestiçada com os europeus acolhidos).

Entre os manuscritos pode-se citar a “Carta de Luis Ramirez” (1528, sobre sua passagem por SC em 1526; ver foto da Carta na Parte 2 desta reportagem) e outros 6 papéis no mínimo.

Antes de Ramirez, porém, esteve na grande aldeia em 1521 o navegador português Cristóvão Jacques, que não deixou escritos mas narrou a um colega que encontrou, morando ali e casados com mulheres índias, a 9 sobreviventes da frota de Juan Diaz de Solís (os náufragos Aleixo Garcia, Melchor Ramirez, Henrique Montes e outros).  

A descoberta em Sevilha

Os manuscritos de viagem e documentação variada de navegantes que viram o aldeamento do Maciambu em plena atividade, como Rodrigo de Acuña, Diego Garcia de Moguer, Sebastião Caboto, Pedro de Mendoza e Alonso Cabrera, estão no Arquivo Geral das Índias em Sevilha/Espanha, mas a maioria só foi descoberta nos anos 1800 e publicada pelo brasileiro Francisco Adolfo Varnhagen na década de 1870 numa revista de História e Geografia e no livro História Geral do Brasil. Também o Diário da Navegação de Martim Afonso de Sousa (1530-32), escrito por seu irmão Pero L. de Sousa, mencionou a aldeia do Maciambu.

Uma hipótese rejeitada?

Mas afinal, Aleixo e os náufragos viveram mesmo neste lugar? Ou não?

O que dizem arqueólogos catarinenses e o MArquE (Museu de Arqueologia e Etnologia da UFSC) sobre tal hipótese?

Saiba da resposta em breve, na Parte 2 desta reportagem. 

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