Perseguição a democratas, conciliação com nazistas: Israel e suas embaixadas paralelas

Publicamos abaixo um novo e importante artigo de Henrique Júdice sobre a perseguição sionista a progressistas e democratas, particularmente na América Latina.
Perseguição sionista a progressistas e democratas tem avançado na América Latina. Foto: Reprodução

Perseguição a democratas, conciliação com nazistas: Israel e suas embaixadas paralelas

Publicamos abaixo um novo e importante artigo de Henrique Júdice sobre a perseguição sionista a progressistas e democratas, particularmente na América Latina.

O presidente da Argentina, Javier Milei, é um sionista ferrenho que quer transferir a embaixada de seu país junto a Israel para Jerusalém – cidade que a ONU não reconhece como território do Estado que o sionismo constituiu na Palestina ocupada. Está, ademais, em processo de conversão ao judaísmo através de uma de suas vertentes mais ortodoxas.

Isso não o impediu de nomear Rodolfo Barra, de conhecido prontuário filonazi, para um cargo equivalente ao de advogado geral da União. Semanas antes, Lilia Lemoine, deputada pelo partido de Milei, publicara elogios a outro neonazista local, Carlos Pampillón.

O Brasil também teve um presidente apoiado por sionistas e neonazis: Jair Bolsonaro. Nos EUA, tal fenômeno se deu com Donald Trump – que, em 2017, deslocou para Jerusalém sua embaixada. Bolsonaro também prometeu tal coisa, sem concretizá-la.

Na África do Sul, não bastasse o racismo antinegro, todos os primeiro-ministros do apartheid haviam flertado com o nazismo em algum grau. Enquanto muitos judeus lutavam contra o apartheid e alguns pagavam por isso com a vida (Ruth First), a liberdade (Denis Goldberg) ou partes do corpo (Albie Sachs), Israel mantinha uma estreita colaboração militar e diplomática com tal regime, e as associações judaicas sul-africanas isolavam-nos acusando-os de pôr a comunidade em risco.

Contemporização com os nazis…

Há muitas organizações judaicas na Argentina, mas quase nada se ouviu contra os encômios de Lemoine a Pampillón ou a nomeação de Barra. A Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA), maior e mais poderosa delas, destacou a pouca idade deste último quando integrou o grupo paramilitar antissemita Taquara e o fato de ele ter, muito depois, pedido desculpas por isso.

Problema 1: embora a Taquara tenha se dissolvido quando Barra tinha 18-19 anos, ele manteve, por toda a vida, as ideias e vínculos que forjou ali: em 1974-77, quando já tinha quase 30 e o país vivia sob terrorismo de Estado, dirigiu a Escola de Serviço Social da Universidade de Buenos Aires (UBA) nomeado por um reitor-interventor (Alberto Ottalagano) que proclamava admirar Hitler.

Problema 2: a DAIA não age assim com mais ninguém.

…e perseguição a todo o resto…

Agindo – nas palavras críticas de um ex-dirigente, Jorge Elbaum – como “embaixada paralela” de Israel, ela usa a acusação de antissemitismo para sufocar expressões contrárias a seus mandantes de Tel Aviv, perseguir e achacar pessoas e manter o Estado e a sociedade argentinos contra a parede.

Esmeralda Mitre é herdeira do monopólio de imprensa que tem por centro o jornal La Nación, sesquicententário porta-voz da oligarquia argentina e muito próximo aos militares, à Igreja Católica e às embaixadas dos EUA e da Inglaterra. Para respaldar seu ex-marido, que questionara a cifra de 30 mil desaparecidos na última ditadura argentina, ela, em 2018, disse, inabilmente, que esse assunto é “como o holocausto: disseram que eram 6 milhões, mas talvez não fossem tantos”. No dia seguinte, se retratou humilhantemente, escrevendo que os judeus são “uma comunidade superior”.

Ainda assim, a DAIA a intimou extrajudicialmente a comparecer à sua sede. Mitre atendeu tal determinação e tornou a pedir desculpas, que não foram aceitas. Dias depois, o então presidente da entidade, Ariel Cohen Sabban, a visitou em casa e expôs as condições do perdão: ir ao Museu do Holocausto sob os olhos da DAIA e da imprensa; assistir, por um mês, aulas sobre o tema; US$ 80 mil para, alegadamente, custear viagens de estudantes a ex-campos de concentração na Europa; e outra concessão, mais íntima, solicitada em linguagem corporal clara.

As duas últimas exigências levaram Mitre a sair do papel de penitente e reagir como grã-senhora afrontada. Cohen Sabban teve que renunciar ao cargo, mas o canal de TV do grupo transmite programas com a bandeira de Israel sobre a mesa do apresentador e demoniza os palestinos.

A subserviência das autoridades argentinas a Tel Aviv e a desenvoltura com que a DAIA busca tutelar a vida naquela margem do Prata só aumentaram desde então. No mesmo mês em que se mostrou tão indulgente com Barra, ela:

– Tumultuou a visita do cantor Roger Waters a Buenos Aires, acusando-o de antissemita por apoiar a causa palestina e de nazista porque um personagem de seu show se veste como tal. Pressionados por ela, dois hotéis cancelaram as reservas de Waters e sua equipe, e vários outros se negaram a hospedá-los. Ato contínuo, a DAIA pediu a proibição judicial do evento. Não encontrou um juiz disposto a um vexame internacional de tal monta, mas conseguiu algo que não ocorreu em nenhum dos outros 24 países onde o show teve lugar: censurar parte dele.

– Conseguiu que um promotor processasse pelo suposto crime de discriminação a deputada Vanina Biasi. A “propaganda antissemita” mediante a qual ela, alegadamente, “justificou e promoveu a discriminação, a perseguição e o ódio” contra a comunidade judaica consistiu em denunciar o genocídio perpetrado pelo sionismo em Gaza, e, em especial, a mentira de que o Hamas havia matado uma menina que foi restituída viva à família na troca de prisioneiros com o governo de Tel Aviv.

– Mostrando que a acusação de antissemitismo serve mesmo para tudo, obteve a suspensão judicial da eleição para a presidência do Boca Juniors. Alegação: no dia agendado (um sábado), os judeus (na verdade, apenas os muito ortodoxos) só podem descansar, rezar e – segundo rabinos consultados sobre a questão – matar árabes. Na Argentina, como em todo lugar, se realiza todo tipo de atividade aos sábados, sem objeções; mas, no Boca, havia uma acirrada disputa entre o ex-jogador Román Riquelme e o ex-presidente (do clube e do país) Maurício Macri, interessado em impedir uma votação que perderia. A DAIA se juntou ao complô de Macri e de uma elite mafiosa branca contra Riquelme, uma das raríssimas pessoas de tez morena em posição de poder, hoje, na Argentina.

Para Israel e seus prepostos, todos são antissemitas, principalmente quem defende o povo palestino e exceto quem de fato é. A conciliação entre o sionismo e a ex(?)-Taquara não se restringe ao caso Barra. Em junho, o site Infobae publicou a apologia feita por um seu colaborador frequente, Ignacio Cloppet, a Alberto Ezcurra Uriburu, mentor e líder da organização e de sua ala antissemita recalcitrante quando alguns jovens membros abandonaram a fixação com judeus e comunistas para enfrentar o imperialismo branco, anglo-saxão e protestante da Inglaterra e dos EUA e a então catolicíssima oligarquia argentina. O Infobae é o maior difusor de propaganda sionista na Argentina. Um de seus donos, Mario Montoto, representa empresas israelenses de material bélico e de espionagem e preside a Câmara de Comércio Argentino-Israelense. Não houve protestos de entidades judaicas.

… inclusive a judeus

Os houvera, e irados, contra um judeu praticante, Héctor Timerman, chanceler argentino (2010-15) que tentara desmontar o alicerce da infiltração israelense na América do Sul: a (não) investigação do atentado de 1994 contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), que matou 85 pessoas.

Para dar pretexto a uma futura guerra contra o Irã e intensificar a presença do Mossad e da CIA em nosso continente, Israel, os EUA e a Argentina haviam acusado falsamente autoridades persas. Timerman negociou com o Irã que uma comissão bilateral investigasse o caso e o juiz da causa tomasse em Teerã os depoimentos dos investigados que aquele país, com toda razão, jamais extraditará para ser interrogados em Buenos Aires.

Ao mesmo tempo, o fundo estadunidense NML, pertencente ao bilionário judeu sionista Paul Singer, queria resgatar pelo valor de face títulos da dívida argentina que comprara por centavos após o colapso de 2001. O NML obteve, em Gana e nos EUA, o bloqueio judicial de bens do Estado argentino e do dinheiro por ele remetido aos 93% de credores que aceitaram receber com deságio.

Pelas mãos de Timerman, o governo de Cristina Fernández de Kirchner emplacou na ONU a Resolução 69/319, que assegura aos países o direito de reestruturar suas dívidas, reforça sua imunidade frente a tribunais estrangeiros e obriga credores minoritários a acatar acordos entre os majoritários e as nações devedoras.

Sua gestão à frente da chancelaria incluiu, ainda, o reconhecimento do Estado palestino com fronteiras de 1967; a condenação aos bombardeios israelenses de 2014 sobre Gaza; e a apreensão, em pessoa, de armas e material de espionagem que militares dos EUA tentavam introduzir clandestinamente no país.

No governo Macri, o ex-chanceler – em cadeira de rodas devido ao câncer que, ao fim, o matou – foi preso a pedido da DAIA, acusado de acobertar os supostos autores iranianos do atentado. No ato, e embora ele tivesse duas filhas estadunidenses, os EUA cancelaram seu visto, comprometendo o tratamento experimental que fazia ali com autorização judicial de viagem para tal fim.

Igual campanha de calúnias, Tel Aviv levara a efeito contra o juiz sul-africano Richard Goldstone, proibido de entrar na sinagoga para o bar mitzvah do neto após denunciar, como perito da ONU, atrocidades perpetradas pelo exército israelense em Gaza em 2009. Os sionistas denunciam como antissemita a ideia de que os judeus seriam mais leais a Israel que a seus países de nascimento e residência, mas agem exatamente assim e atacam sem piedade os que a desmentem com ações.

Aqui como lá

O que faz via DAIA na Argentina, Israel busca agora fazer aqui por meio da Confederação Israelita do Brasil (Conib), que tem como objetivo oficial “garantir a soberania e legitimar a existência” daquele Estado. Sua incidência política é ascendente desde a eleição de Bolsonaro.

As páginas do jornalista Breno Altman no Facebook e no X estão censuradas, a pedido dela, pelos juízes Paulo Bernardi Baccarat, da 16ª Vara Cível; Maria Carolina Akel Ayoub, da 8a Criminal Federal, e Luiz Augusto de Salles Vieira, da 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça, todos de São Paulo. A Conib acusa Altman de apologia e incitação ao terrorismo, por assinalar o cunho anticolonial da ação militar palestina de 7/10 e avaliar que Israel só cederá a ações armadas; e de racismo por ter usado – ao sopesar a ideologia clerical retrógrada do Hamas e o valor político e estratégico da Tempestade de Al Aqsa para a libertação da Palestina – uma frase sempre repetida em contextos vários: “não importa a cor do gato, desde que cace ratos”.

Ver aí a analogia nazista entre judeus e ratos é má-fé surreal, até por Altman ser judeu. Quem a reproduziu de forma explícita e sem margem a interpretações – mas contra os palestinos – foi uma interlocutora habitual de ambas embaixadas de Israel, a oficial e a paralela: a deputada Carla Zambelli, com a imagem de um rato com um cinturão de bombas e a bandeira palestina, aterrorizado ante a aproximação de uma águia com bandeiras dos EUA e de Israel. Daniel Bialski, vice-presidente da Conib e advogado signatário da entidade contra Altman, defende Zambelli em duas ações penais, uma delas por perseguir, pistola em punho, o jornalista negro Luan Araújo.

Publicações de Altman apontando o racismo dos sionistas e do Estado de Israel também foram censuradas, sob a inacreditável alegação de que ao ser o racismo um crime, atribuí-lo a alguém seria outro crime, o de calúnia. O mesmo ocorreu com as que proclamavam o direito dos palestinos à luta armada, reconhecido em resoluções da ONU.

Escalada de censura

Outro alvo da Conib é o economista Paulo Nogueira Batista Junior, por ter dito que o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn, é uma nulidade, um “financista ligado ao Tesouro americano e à comunidade judaica”, que “de brasileiro, só tem o passaporte”, pois “é judeu-brasileiro, nasceu em Israel”.

Essas palavras, sem constituir crime, são, em parte, objetáveis. Não é problema alguém nascido noutro lugar vir para cá e se tornar brasileiro, mas sim que jovens nascidos e criados no Brasil (ou nos EUA, ou na Argentina) sirvam, em Israel, a um exército estrangeiro que comete crimes contra a humanidade. Por outro prisma, usar o termo “judeu” em lugar e como sinônimo de “israelense” absorve a nociva ideia sionista de uma nacionalidade judaica com correlato perfeito naquele Estado.

O cerne das acusações a Nogueira Batista, todavia, é sua alusão ao “lobby judaico” atuante “no Tesouro americano, no Fundo Monetário, nos organismos internacionais” e “nos bancos privados”. Não cabe reduzir o sistema financeiro à ação dos banqueiros judeus, nem se pode descrevê-lo sem menção a eles; mas, para a Conib, o Instituto Brasil-Israel (IBI) e o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), citá-los como grupo de interesse “evoca os Protocolos dos Sábios de Sião”.

Essa postura vitimista histérica é própria do sionismo: não reagem assim à menção de sua existência, ou sequer a críticas mais fortes, outras facções político-religiosas como a bancada pentecostal, e nem mesmo sociedades fechadas como a Maçonaria ou grupos com ambas dimensões, como o Opus Dei.

A incongruência maior é que judeus sionistas como Mendy Tal e os da revista Morashá vão muito além do que fez Nogueira Batista: descrevem o mercado mundial de diamantes como um quase-monopólio judaico baseado na Torá e em laços comunitários, vital para a economia de Israel [1].

Pior ainda: em 2022, a historiadora Beatriz Kushnir destacou a suposta expertise judaica em prostituição e cafetinagem [2] – sem protestos e, creia-se ou não, em pretenso desagravo aos judeus.

Dias antes, a jornalista Lucia Helena Issa rememorara, no canal TV 247 do Youtube, um caso recente de brasileiras levadas para Israel e forçadas à prostituição por uma máfia asquenaze; e a atuação de outra (Zwi Migdal) da mesma origem, que explorava judias trazidas da Europa oriental para o Brasil, Argentina e EUA no fim do século XIX e início do XX.

Esses são fatos verídicos comprovados. Mas, pressionado por coletivos sionistas – mormente os Judeus pela Democracia – , o 247 eliminou o vídeo e cedeu uma hora e meia para o sociólogo Michel Gherman chamar Issa de “negacionista” sem dizer do quê, enquanto Kushnir negava a existência do tráfico de mulheres e das máfias a ele dedicadas nos séculos XIX, XX e XXI argumentando com a existência da internet [3], de cafetinas e de vítimas que já eram prostitutas [4].

Máfias têm, em regra, bases étnicas: as judaicas não diferem da siciliana e das chinesas nisso, mas na sorte de contar com intelectuais ditos progressistas para acobertá-las depois de 100 anos.

Os nazis não tão nazis

Quando Israel e suas agências dizem que há um surto de atos antissemitas pelo mundo desde 7/10, se referem a ações de solidariedade à Palestina e a esses fatos díspares. Onde o antissemitismo não existe, é preciso inventá-lo, ainda que os antagonistas sejam Riquelme e Roger Waters.

Onde existe, se pode minimizá-lo quando convém. Netanyahu declarou, em 2015, que Hitler nem era tão má pessoa e só aceitou exterminar os judeus por insistência de um sacerdote islâmico palestino. Diante disso, não pareceria tão grave formar frentes com nazistas ucranianos em manobras geopolíticas contra a Rússia, ou com sul-americanos para e manter o continente atrelado aos EUA e afastar a influência chinesa por meio de Bolsonaro e Milei.

O símbolo maior do anátema, para o sionismo, não é, hoje, a suástica, e sim a cúfia, já proibida nas escolas de Berlim, onde um partido filonazi (AfD) apoia o massacre perpetrado por Israel em Gaza e diz sobre o Islã as mesmas coisas que seus avós ideológicos dos anos 30 diziam sobre os judeus. Este foram, depois de séculos, aceitos como parte da elite imperialista do Atlântico Norte, cujo poder está ruindo neste instante.


Esse texto expressa a opinião do autor.

Notas:

[1] https://www.morasha.com.br/historia-judaica-moderna/os-judeus-e-a-industria-dos-diamantes.html e https://jornaldaorla.com.br/noticias/a-historia-do-judeu-e-os-diamantes/ 

[2] https://www.youtube.com/watch?v=9Bl5z5_6lQY, aos 12 minutos e 10 segundos.

[3] Idem, dos 38 aos 39 minutos.

[4] Idem, aos 9m50s, aos 12m30s e aos 14m40s.

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