Peru: Levante camponês contra mineração estremece velho Estado, que declara ‘emergência’ e promove torturas

Peru: Levante camponês contra mineração estremece velho Estado, que declara ‘emergência’ e promove torturas


Camponeses peruanos resistem à repressão durante protesto contra mineração. Foto: Peru21

No dia 18 de agosto foi declarado “estado de emergência” que açambarca as regiões de Cusco e Arequipa, onde aconteceram grandiosos levantamentos camponeses a partir do início de uma greve por tempo indefinido no dia 15 de julho, seguida de protestos combativos pela terra, condições mínimas de subsistência em meio à pandemia do coronavírus e contra as mineradoras que exploram a região há 35 anos, sendo a principal a mineradora de cobre inglesa/suíça Glencore – Antapaccay. 

Em meio à luta encarniçada os camponeses conquistaram, no dia 8 de agosto, uma de suas demandas parciais de receber mil sóis peruanos por mês para cada adulto da província de Espinar, durante a crise econômica agravada pela crise sanitária do coronavírus, e que este orçamento seja proveniente do fundo que a mineradora deveria transferir anualmente para o município, em um acordo assinado há 17 anos. A grande mineradora afirmava que este dinheiro tem outros objetivos e não contemplava este tipo de “apoio”. Os camponeses ainda reivindicam uma longa lista de questões pendentes, tais como cuidados médicos para pessoas afetadas por metais pesados.

Entretanto, tal demanda parcial só pôde ser atingida através da incansável luta dos camponeses: em um protesto no dia 23/07, então 9º dia de greve, um confronto entre os camponeses e as forças de repressão deixou três feridos na cidade de Yauri, capital da província. O presidente do Comitê de Luta em Espinar, Rolando Condori, denunciou que quando toda a cidade foi praticamente tomada pelos manifestantes, a polícia reprimiu-os com gás lacrimogêneo, com os enfrentamentos continuando até meia-noite.

Apenas um dia antes, em uma reunião da Antapaccay com as “autoridades locais”, membros da comunidade da província de Espinar protestaram e bloquearam com pedras o acesso à cidade de Tintaya Marquiri, como parte das manifestações contra a empresa da zona. Participaram da manifestação mais de mil trabalhadores, que fizeram piquetes na Ponte Coporaque, Ponte Huañumayo, aeródromo, Ponte Amistad e outros acessos.

Em outra ação combativa, os camponeses marcharam até o setor Tintaya Marquiri, um antigo campo de mineração da empresa, onde atualmente se localizam seus escritórios. A polícia, durante sua tentativa de dispersar os camponeses violentamente com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e de fogo, foi confrontada. Em meio aos enfrentamentos, várias extensões de pastagens foram queimadas e a fábrica de bombeamento de água potável da mineradora foi incendiada, além de uma tentativa de invasão dos escritórios com pedras e estilingues.

A liderança Fredy Llaique, em diálogo com a imprensa local RPP Noticias, disse que o povo não havia sido convidado à negociação: “Não fomos convidados e qualquer tipo de acordo que seja feito hoje, não o conheceremos. O povo vai ignorar tudo isto. É também lamentável que o presidente da Câmara tenha agido desta forma. Esperemos que isto não vá para a terceira fase. Encontramo-nos agora na segunda fase da luta. A terceira fase é o encerramento da mina. Esperamos que o Estado possa mediar nisto, mas sempre a falar com o povo”, afirmou.

O dia 22/07 também marcou a data em que o total de 30 jovens que participaram das manifestações desde o dia 15/07 se encontravam presos. O Ministério Público também havia aberto investigações contra oito dirigentes principais do movimento popular de Espinar, sob o pretexto de “resistência ou desobediência à autoridade”. Os dirigentes exigiram ao velho Estado a remoção da polícia e do Exército reacionário da região.

Já no dia 20/07, dois veículos da mina Las Bambas (uma das maiores exploradoras de cobre do Peru), pertencentes à mineradora chinesa MMG Ltd.¹ foram apedrejados e incendiados. A via em direção à mina ficou bloqueada, fazendo diversos veículos importantes para o abastecimento dela, como caminhões, ficarem parados por horas. A Polícia Nacional do Peru fez uso de aviões para dispersar as massas com gás lacrimogêneo, o que só aumentou a fúria popular, com os camponeses enfrentando a tropa no corredor mineiro do sul. Um manifestante foi detido e houve uma pessoa ferida, além do dano material.

Logo após a divulgação da greve no dia 15/07, na madrugada do dia 16/07, três ônibus cheios de policiais rumaram à região de Espinar, no que seria uma longa série de repressões brutais em uma situação de “emergência nacional” que proíbe protestos populares. 

Durante a primeira semana de greve, as manifestações não apenas bloquearam todo o extenso Corredor Mineiro do Sul (prejudicando as mineradoras que fazem uso do local e das suas vias), mas também organizaram marchas em capitais do departamento, rechaçando o projeto Ccorocohuayco, que busca aumentar a ação mineradora na região, despejando os camponeses pobres, quechuas e outros povos indígenas que vivem na região e sofrem violência sistêmica e histórica do imperialismo e do capitalismo burocrático através da mineração. Os protestos também foram contra a violência policial e denunciaram as condições de saúde de pessoas afetadas pela mineração.

Camponeses enfrentam ARMAS de fogo, policiais infiltrados e torturas

O jornal independente Wayka.pe, recebendo relatos de camponeses sobre o grande enfrentamento do dia 22/07, revela que entre as atrocidades cometidas naquele dia contra os manifestantes, nas colinas perto da cidade de Tintaya Marquiri, está a emboscada promovida contra um grupo de mães encarregadas de prover alimentos aos manifestantes. Elas foram surpreendidas pela repressão. Diante disso, um grupo de jovens manifestantes que veio em defesa das mulheres já idosas foi recebido com balas de arma de fogo, borracha e gás lacrimogêneo. Um adulto e dois menores chegaram nesse dia ao Hospital Espinar com impactos de bala na perna e no braço, com buracos de entrada e saída, como confirmado pela cirurgiã local, Gloria Cardenas Alarcon.

Também, os manifestantes identificaram um agente da Polícia Nacional que se tinha infiltrado e que, após ter sido interrogado, disse ter vindo da cidade de Coporaque, mas que afinal era de Lima, de acordo com os membros da comunidade que verificaram os seus cartões de identificação. “E decidimos levá-lo a Espinar (cidade) para o entregar às autoridades”, acrescentou ele.

O tal agente era um general comandante da Polícia Nacional, Hector Loayza Arrieta, e confirmou no dia 26 de julho, ao programa Quarto Poder, que era um “sociólogo, agente assimilado à polícia”, dedicado ao trabalho dos serviços secretos. Juntamente com o policial infiltrado, dezenas de membros da comunidade embarcaram em dois caminhões de carga com destino à cidade de Espinar, onde o agente seria entregue às “autoridades”.

Ao final da tarde, na estrada da cidade de Cruzcunca, a um quilômetro da Ponte San Martín, enquanto os camponeses levaram o general infiltrado para entregá-lo à repressão, foram surpreendidos na estrada por tiros contra os pneus do caminhão no qual estavam. Enquanto o caminhão diminuía de velocidade, cerca de 20 policiais fecharam a estrada, apontando as suas armas ao condutor, disparando contra os outros pneus e gritando: “Baixem-se, seus cães de merda!”. Após isso, os camponeses foram detidos, e alguns deles torturados. Entre os detidos estava a camponesa Gerardina Tunquipa Taipe (46 anos), que disse ao policial que a estava a puxar que ela tinha acabado de ser operada, para ter cuidado. “Ah, foi assim operada que foi ao protesto, deita-te, merda!”, respondeu ele.

Segundo testemunhas da cidade de Cruzcunca, um dos camponeses que foi torturado foi Juan Carlos Quirita Llasa, que foi espancado até ficar inconsciente com socos, pontapés e paus na cabeça. “Arranja alguma gasolina para queimar estes malditos cães”, gritou o policial que o segurava, antes de lhe ser entregue uma garrafa de plástico de gasolina. Juan Carlos sentiu a gasolina cair sobre o seu corpo enquanto lhe gritavam que o queimariam vivo. A mesma sensação foi experimentada pelos seus companheiros, que, como ele, foram encharcados com gasolina quando já estavam com os rostos colados ao asfalto.

Mesmo longe, dezenas de membros da comunidade Cruzcunca correram para o local dos acontecimentos, alertados pelos gritos e trovoadas dos disparos de armas de fogo efetuados pelos agentes da repressão. Estes, contudo, foram reprimidos por nuvens de gás lacrimogêneo quando chegaram ao local. Nessa tarde, segundo relatórios do Coordenador Nacional dos Direitos Humanos (CNDDHH) e da organização Direitos Humanos sem Fronteiras (DHSF), dez pessoas foram feridas por ferimentos de bala de arma de fogo, balas de borracha e golpes com objetos contundentes.

Depois de consultar testemunhas, o jornal Wayka pôde confirmar que o grupo de policiais que prendeu e tentou queimar os camponeses com combustível foi liderado pelo coronel Pedro Agustín Vargas Chilón, que gritava repetidamente durante o ato criminoso: “Sou um comandante!”.

Pela sua parte, o defensor legal do DHSF, Ramiro Llatas, questiona o papel do Ministério Público no conflito de Espinar. “O Ministério Público não iniciou qualquer investigação sobre estes casos de tortura, e houve mesmo casos de mulheres que foram tocadas indevidamente, mas o Ministério Público está investigando as lideranças [camponeses] e a cirurgiã do Hospital Espinar que confirmou que alguns dos membros da comunidade tinham sido baleados”, criticou Llatas.

‘Estado de Emergência’ já havia sido declarado em 2012 após grandes protestos

A história de resistência dos camponeses e povos indígenas data desde 2012, quando um Estado de Emergência também fora declarado após protestos e greves, no mês de maio. Nos confrontos contra a Xtrata Copper (dona da Antaccapay).

Durante um dia dos protestos, os camponeses, que tentaram tomar os campos da mineradora, foram reprimidos por cerca de 1.500 policiais acampados que faziam a segurança do local. Quatro camponeses foram mortos pelas forças de repressão, com mais de 15 civis e 30 policiais feridos, e cerca de 21 camponeses detidos.


Nota:

[1] A mina Las Bambas da MMG Ltd, propriedade da China Minmetals Corp, produz cerca de 400 mil toneladas de cobre por ano, ou cerca de 2% da extração global de cobre. O Peru é o segundo maior produtor mundial de cobre. A exploração mineira no Peru representa 60% de todas as exportações do país, cujo principal mercado de matérias-primas é a China.

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