‘Pistoleiros só não entraram por conta do povo’: Camponeses detalham Heroica Resistência de Barro Branco

“Antes mesmo de chegar, tomei um tiro. Eles não queriam nem saber, quem estava na frente era para morrer, e a polícia não fez nada, são a favor deles (dos pistoleiros)”, relata camponesa.
camponeses resistem ao ataque latifundiário. Comitê de apoio de Pernambuco
Camponeses relatam histórico de luta na região. Foto: Banco de Dados AND
camponeses resistem ao ataque latifundiário. Comitê de apoio de Pernambuco

‘Pistoleiros só não entraram por conta do povo’: Camponeses detalham Heroica Resistência de Barro Branco

“Antes mesmo de chegar, tomei um tiro. Eles não queriam nem saber, quem estava na frente era para morrer, e a polícia não fez nada, são a favor deles (dos pistoleiros)”, relata camponesa.

Para os camponeses posseiros de Barro Branco, sábado é um bom dia para vender os produtos nas feiras da cidade. Chico*, um dos produtores, acordou bem cedo na manhã do dia 28 de setembro para ir até o centro, onde vende macaxeiras. Não sabia que, naquele mesmo dia, 50 pistoleiros armados com 14 picapes e 2 escavadeiras invadiriam a terra onde vive e trabalha para tentar destruir os sítios e expulsar todos os camponeses que ali vivem. Muito menos que acabaria baleado por um dos mercenários. 

Chico descobriu a ação dos pistoleiros quando foi informado, via telefone, por seus companheiros que estavam na terra. “Cheguei já no meio da confusão. Eram 50 pistoleiros, todos armados”, conta ele.

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Depois da batalha, os camponeses realizaram uma assembleia com mais 100 pessoas, reafirmando que esta luta está apenas começando. Eles reafirmaram que os posseiros continuariam na região até que todas as terras da antiga Usina Frei Caneca estejam nas mãos do povo. 
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O jornal A Nova Democracia cobriu de perto a situação. Quando Chico chegou, os pistoleiros já haviam destruído dois sítios dos camponeses com escavadeiras. A destruição só não foi além pela mobilização dos posseiros apoiados pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP), que conseguiram encurralar os mercenários com duas barricadas na única via de acesso para a área. Acréscimo fundamental na resistência foi a chegada de uma comissão de camponeses de outras áreas e estudantes de organizações como o Mangue Vermelho e Movimento Ventania para apoiar a luta. 

‘Policiais são a favor dos pistoleiros’

A Polícia Militar, enviada supostamente para proteger os posseiros, também estava na região, mas não acalmou o conflito. “Quando os pistoleiros começaram a atirar, a polícia logo se escondeu, foi para trás daquela Igreja ali”, diz o camponês. O fato não é novidade. “É sempre assim, a polícia nunca faz nada não. Fica olhando e o pau quebra. E a maioria dos pistoleiros são policiais aposentados. Tanto que eles tem bala de borracha e armas elaboradas”. 

Assim que chegou na terra, Chico correu para ajudar os companheiros, e imediatamente viu a cena em que uma companheira foi baleada no ombro. Momentos depois, ele próprio sentiu a perna arder. “Tomei dois tiros”. No curso do conflito, os pistoleiros atingiram um terceiro alvo: uma estudante da UFPE, que estava na região para apoiar os camponeses; mas, como complemento, os mercenários alvejaram também dois de seus próprios comparsas, um deles o líder do movimento paramilitar “Invasão Zero”.

Mesmo com a perna ensanguentada, Chico decidiu ficar na área. “Chegaram as ambulâncias, mas eu não quis ir. Fiquei para ajudar os companheiros. Só fui depois, de moto, quando começou a queimar muito”, detalha, mas com ressalva de que “assim que tirei a bala, voltei. A luta é assim mesmo, tem que ser pegada. Não pode se amedrontar”. 

A companheira a quem ele se refere é Maria Alice*. Ela não vive em Barro Branco, mas estava lá para visitar uma amiga. “Estava na casa de uma vizinha e saí para ir na igreja”. No caminho, ela encontrou um policial, descobriu o que estava acontecendo e voltou para ver como estavam os companheiros.

“Antes mesmo de chegar, tomei um tiro. Eles não queriam nem saber, quem estava na frente era para morrer, e a polícia não fez nada, são a favor deles (dos pistoleiros)”. 

Terra pertence aos posseiros

Apesar de não morar em Barro Branco, Maria Alice também é alvo constante da pistolagem. Ela mora em outras terras na cidade de Jaqueira que são alvo de grilagem pela empresa latifundiária Agropecuária Mata Sul Ltda. “Lá também tentam expulsar o povo. É o mesmo mandante, o Guilherme Maranhão (um dos principais acionistas da Mata Sul)”. 

A luta em Barro Branco ocorre desde o final da década de 1990, quando a Usina Frei Caneca, que era dona das terras, faliu. Os camponeses que trabalhavam nas terras – muitos sob regime de servidão, vivendo em barracões e controlados por pistoleiros – continuaram a viver na área. Nessa época, os camponeses também podiam produzir em algumas lavouras e criar alguns animais, desde que se comprometessem a firmar novos contratos com a Usina para trabalhar nas próximas safras. 

No início dos anos 2000, o antigo dono da Frei Caneca deu títulos de posse aos camponeses para quitar dívidas trabalhistas que tinha com os posseiros. “Eles deviam centenas de milhões de reais”, relata um dirigente local da LCP. 

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O judiciário de Pernambuco, contudo, ignorou a situação e leiloou as terras como forma de quitar outras dívidas que a Usina Frei Caneca tinha com diferentes credores. “Isso aconteceu no governo de Paulo Câmara, que entregou as terras aos latifundiários reacionários de Pernambuco”, explica o mesmo dirigente. 

Ele acrescenta que “ao fazer isso, Câmara decretou também o extermínio da população camponesa do estado”. “E eles deram milhões aos latifundiários, credores, fornecedores de combustível, mas não deram nada para o povo”. 

100 anos de luta

Muitos desses latifundiários, que usam técnicas de grilagem como a simulação de terras improdutivas para expandir as fronteiras agrícolas, hoje acossam os camponeses. “É uma luta que ocorre desde que sou menino. Todo rendeiro que entra tenta varrer o povo”, diz Chico. 

Na terra de Maria Alice, ela considera que a luta ocorre há mais de 100 anos. “Quando minha família chegou aqui, não tinha nada, nem Usina”. Maria Alice tem 55 anos, e lembra da luta desde os primeiros anos de vida. 

Os posseiros consideram que a violência tem piorado nos últimos anos. “Eles estão mais armados”, diz Chico. Nas terras de Maria Alice, os pistoleiros destruíram uma parte da terra e roubaram os gados. Parte dos gados da camponesa foram levados para o pasto que os latifundiários dizem ser deles. 

Camiseta de esquerda
Camisetas em apoio a luta pela terra!
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“Essa violência começou a aumentar muito a partir de 2015”, diz o representante da LCP. Dos últimos anos para cá, os camponeses já denunciaram ações da pistolagem, envenenamento de poços d’água por agrotóxicos e excrementos de bois e leilões ilegais de terras. Hoje em dia, “grupos de pistoleiros atuam livremente para aterrorizar a população camponesa”. 

Organização como saída

Ao todo, os ataques ocorrem em 5 comunidades: Barro Branco, Guerra, Fervedouro, Várzea Velha e Laranjeiras. “Em Barro Branco, temos avançado muito na luta”, defende o ativista. Com apoio da LCP, os camponeses implementaram a Assembleia Popular, grupos de apoio nas áreas urbanas e outras medidas do que eles classificam como Programa Agrário de Defesa do Povo. “Todo esse impulso de organização que gera a Revolução Agrária, dirigida pela LCP, assanha a reação, como os pistoleiros e os policiais, inclusive delegados, que são amigos dos mercenários”. 

É por isso mesmo que a esperança dos camponeses reside na força do povo organizado. Para Maria Alice, “os pistoleiros só não entraram por causa do povo”. Chico complementa que “é sempre assim, o povo se vira sozinho”. Para os apoiadores de fora da região, o recado de Chico é de que “os que não são do campo precisam entender a luta aqui, não podem saber só do ‘agro’. Precisam conhecer e entender a luta dos camponeses”.

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos camponeses

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