PL 529: mais um vil ataque à educação e ao povo brasileiro

PL 529: mais um vil ataque à educação e ao povo brasileiro

Reproduzimos texto do Centro Acadêmico dos Estudos de Química do IQ/Unicamp (CAEQ) a respeito do PL 529 do Dória e o ataque que representa à autonomia das universidades.


No dia 17/08, o governador João Dória encaminhou à Assembleia Legislativa de São Paulo o PL 5291, mais um vil ataque à educação e ao povo brasileiro. O projeto tem por base o sequestro de cerca de 1 bilhão de reais das reservas das universidades paulistas e da Fapesp[2], além da extinção de cerca de dez entidades estaduais, como a Fundação para o Remédio Público (Furp) e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).

[1]Dessa forma, a medida vem na esteira do aprofundamento da economia política neoliberal a nível nacional e utiliza-se da crise agravada pela pandemia e dos seus gastos com saúde como argumento para os desinvestimentos, buscando um suposto equilíbrio fiscal atrativo ao mercado e aos investidores estrangeiros.

Apesar de constituir-se enquanto linha auxiliar na Unicamp da gerência de Dória, até o Reitor Marcelo Knobel manifestou sua oposição à investida do Governo Estadual[3]. Segundo ele e outros dirigentes universitários, além do PL ferir o princípio da autonomia orçamentária das universidades públicas, ela busca ainda transferir para as contas do Tesouro Estadual recursos que na realidade inexistem[4]. Devido ao agravamento da crise econômica brasileira com o avanço da pandemia, aumentando o desemprego e a quebradeira generalizada das pequenas e médias empresas, a arrecadação do ICMS, principal imposto financiador das universidades, despencou[5]. Assim, as universidades já estão com um orçamento bem restrito e o que existe, na realidade, é um déficit fiscal das mesmas[6]

Por outro lado, em um contexto de caos sanitário viral, cuja a presença e ação científica fazem-se tão necessárias, o Governo Estadual, sob a égide de João Dória, ataca covardemente as instituições de pesquisa e a ciência do país, retirando-lhes parte dos escassos recursos que dispõem. Apesar do PL 529 tratar esse dinheiro em caixa como superávit, ele na verdade configura-se como reserva estratégica, através da qual entidades como a Fapesp financia bolsas, pesquisa e projetos de longo prazo[7]. Além disso, é empregado também na atualização de equipamentos e instalações complexas. Em nota, a Academia Brasileira de Ciências (ABC)[8] e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)[9] demonstraram seu protesto ao projeto, argumentando que ele retardará o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil, dificultando a superação de desafios como o da atual pandemia de coronavírus. 

Outro ponto de tensão da medida é a extinção da Furp – a maior fabricante pública de medicamentos no país[10] – e da CDHU, um dos principais instrumentos da política habitacional no estado[11]. Apesar de uma atuação limitada, as duas repartições contribuem para um melhora na qualidade de vida do povo trabalhador. Com o fim de ambas, o que se pode esperar é o crescimento do déficit habitacional estadual, que é de aproximadamente 1,16 milhão de moradias segundo dados da própria secretaria de habitação do estado[12], além do aumento do custo de medicamentos indispensáveis à saúde do povo. A fim de preencher esse vácuo deixado, o governo contra-argumentou que buscará impulsionar as Parcerias Público-Privadas (PPPs)[13], com a construção de novos laboratórios e moradias e concedendo ao mercado a responsabilidade sobre temas tão essenciais à vida humana quanto saúde a habitação.

Frente a todo os ataques promovidos pelo Governo, cabe ao movimento estudantil se opor integralmente ao PL 529, lutando nas ruas e nas universidades contra o avanço da medida. O Projeto de Lei de João Dória é mais um ataque a tão débil autonomia universitária, ataques estes que vem sido observados por todo o país pelo Governo Federal, com especial atenção às universidades federais que apresentam um processo de precarização mais avançado e, consequentemente, maior mobilização e luta estudantil. Desde o início do governo de turno fascista de Bolsonaro, só em 2019, houve a intervenção na escolha de sete reitores, metade das universidades federais que tiveram eleições para a reitoria[14] no período. A tentativa de implementação da MP 979, que permitiria ao MEC nomear reitores interventores (pro tempore) e aos reitores nomear os diretores de campi e de unidade sem qualquer tipo de consulta pública, representa ao máximo o ataque à autonomia universitária[15]. O mais recente caso de intervenção, ocorrido este mês, foi a nomeação para a UFERSA[16]

Além dos ataques a autonomia administrativa, a autonomia financeira também é sucateada. O MEC prevê para 2021 um corte de R$ 4,2 bilhões para a pasta da educação, sendo R$ 1,4 bilhão deste total referente a universidades e institutos federais[17]. As reduções serão feitas em setores como água, luz, segurança, limpeza, obras e reformas, realização de pesquisa e assistência estudantil[18], setores essenciais para a manutenção da universidade pública e gratuita. Os cortes vitais servem, mais uma vez, como incentivo direto para que as universidades busquem financiamento na iniciativa privada, como era o objetivo do já derrotado projeto Future-se, que ainda assombra as instituições[19] e incita o fim da autonomia financeira e científica. 

No que tange a assistência e permanência estudantil, vemos a tentativa da Reitoria da Unicamp de aprovar uma proposta de alteração da Deliberação CEPE A 003/201220, que regulamenta a inscrição e seleção dos bolsistas da universidade, com o objetivo de burocratizar e inviabilizar o acesso à permanência estudantil. Não é de se surpreender que os primeiros a serem afetados pelos cortes sejam sempre os estudantes, estes que tem se mostrado a vanguarda na luta em defesa da universidade, protagonizando uma série de manifestações, atos e greves em defesa da universidade pública e científica[21]. A necessidade do isolamento social, advinda da pandemia de covid-19, e a implementação do EaD como medida de precarização direta do ensino (como já apresentado em nosso manifesto: A Tragédia Anunciada do EaD , soma-se a lista de ataques tanto ao caráter científico e gratuito da universidade quanto a mobilização ativa e combativa dos estudantes.    

Como o CAEQ já vem demonstrando, a tendência dos ataques à universidade pública é de fazer-se esgotar cada vez mais sua autonomia, respingando diretamente em seu caráter gratuito e, consequentemente, democrático. Assim, nos colocamos contra o PL 529 em sua totalidade, reafirmando nossa atuação e apoio junto a luta em defesa da permanência estudantil na Unicamp, pela universidade pública, científica, gratuita, autônoma e democrática. 

Abaixo ao PL 529!

Pela justa luta dos estudantes da Unicamp em defesa da permanência estudantil!

Defender a Autonomia, Gratuidade e Democracia Universitárias!

Referências:

1 – SÃO PAULO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei PL 529/2020. Estabelece medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas e dá providências correlatas. Disponível em: <https://bit.ly/3b5kIss>.  

2 – Dória pode tirar R$ 1 bilhão da USP, Unesp, Unicamp e Fapesp ainda em 2020. Brasil de Fato. Disponível em: <https://bit.ly/34HbQYQ>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.  

3 – Entidades científicas manifestam-se contra Projeto de Lei nº 529. Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: <https://bit.ly/3hF3JQj>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.

4 – Em nota, Cruesp diz que PL 529 afronta princípio da autonomia. Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: <https://bit.ly/32Be0q9>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.

5 – Pandemia fez estados perderem 18% de ICMS no segundo trimestre de 2020. Senado Federal. Disponível em: <https://bit.ly/2YJIhC4>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.

6 – Pandemia faz USP, Unesp e Unicamp perderem ao menos R$ 1,2 bilhão. Exame. Disponível em: <https://bit.ly/3lALmyr>. Acesso em: 28 de ago. de 2020. 

7 – Manifestação do Conselho Superior da FAPESP sobre o Projeto de Lei 529. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://bit.ly/3b8KzQ4>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.  

8 – ABC envia carta a Governador e deputados de SP sobre o artigo 14 do PL 529. Academia Brasileira de Ciências. Disponível em: <https://bit.ly/3ltLwra>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.   

9 – SBPC divulga nota contra projeto que retira recursos de instituições de pesquisa de São Paulo. Jornal da Ciência. Disponível em: <https://bit.ly/3lAMCl9>. Acesso em: 28 de ago. de 2020. 

10 – Furp é maior fabricante público de medicamentos do Brasil. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://bit.ly/3b6Wi1G>. Acesso em: 28 de ago. de 2020. 

11 – Acabar com CDHU é pôr fim à política habitacional de São Paulo. Hora do Povo. Disponível em: <https://bit.ly/3gIrHIR>. Acesso em: 28 de ago. de 2020. 

12 – A Secretaria. Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://bit.ly/3hDHiLp>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.  

13 – Ajuste fiscal de Dória pode cortar R$ 1 bi de universidades e afetar habitação. Estadão. Disponível em: <https://bit.ly/3jnMQtJ>. Acesso em: 28 de ago. de 2020.  

14 – Bolsonaro já interveio em em metade das universidades federais que tiveram eleições para a reitoria. The Intercept Brasil. Disponível em: <https://bit.ly/2QEAukw>. Acesso em 29 de ago. de 2020.

15 – Medidas de Bolsonaro impõe intervenção do MEC na escolha de reitores. Associação de Docentes da Universidade Federal de Pelotas. Disponível em: <https://bit.ly/31IPEvH>.  Acesso em 29 de ago. 2020.

16 – UFERSA também tem reitora interventora nomeada por Bolsonaro. Universidade à Esquerda. Disponível em: <https://bit.ly/3hIVcf0>. Acesso em 29 de ago. 2020.

17 – MEC deve cortar R$ 1,4 bi de verba de universidades e institutos em 2021. UOL. Disponível em: <https://bit.ly/3lwWDQ3>. Acesso em 29 de ago. 2020.

18 – Reitores dizem que corte previsto para educação brasileira em 2021 pode inviabilizar atividades em universidades federais. Globo. Disponível em: <https://glo.bo/2ENZHXj>. Acesso em 29 de ago. 2020.

19 – Debate conclui: Future-se é um projeto derrotado, mas ainda ‘assombra’ as universidades e o ensino público. ADunicamp. Disponível em: <https://bit.ly/2Dbf7nS>. Acesso em 29 de ago. 2020.

20 – Programa de Bolsas Auxílio do SAE – Inscrição e Seleção de Candidatos. Deliberação CEPE A 003/ 2012 – Proposta de Alteração – Versão 07.07.2020. Disponível em: <https://bit.ly/34LRUUL>. Acesso em 29 de ago. 2020. 

21 – Estudantes se mobilizam nacionalmente para Greve Geral da Educação dia 15. Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia. Disponível em: <https://bit.ly/31EqDSi>. Acesso em 29 de ago. 2020. 

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