A Polícia Militar (PM) de São Paulo atirou mais de mil vezes em 459 pessoas desarmadas durante o ano de 2024, e grande parte dos casos foi concentrada na mão de alguns matadores profissionais, impulsionados e fabricados pela corporação. Os dados, divulgados pelo monopólio de imprensa Metrópoles, revelam como um grupo de policiais, apoiados na impunidade do velho Estado, fomenta uma verdadeira indústria de mortes, principalmente nas favelas paulistas.
De acordo com a reportagem do “Metrópoles”, ao menos 403 policiais foram acusados de assassinatos, dos quais 22 mataram mais de uma vez durante o ano de 2024 em 47 das 227 ocorrências da capital paulista. Isso significa que 20,7% dos homicídios policiais ocorreram pelas mãos de um reincidente. O principal assassino da PM de São Paulo foi o 2° tenente Ian Lopes de Lima, de 25 anos, responsável por um saldo de 5 mortes durante o ano passado.
Lopes de Lima, segundo outra reportagem do “Metrópoles”, apesar da pouca idade conseguiu ganhar notoriedade de seus superiores e em seu primeiro ano de corporação. Em abril do ano passado, menos de quatro meses após se tornar oficial, foi promovido para o comando noturno do 37° Batalhão Metropolitano, responsável pela região periférica do Capão Redondo.
Já em abril, Lopes de Lima realizou o seu primeiro assassinato, quando disparou no abdômen, braço e na nádega de Marco Aurélio, que sofria de problemas psiquiátricos e foi assassinado desarmado. Em justificativa, o policial informou que havia “esquecido” o equipamento “não letal” no carro, só sobrando a pistola.
Dois meses após o primeiro assassinato, Lopes de Lima foi promovido para o Comando de Policiamento de Área da capital paulista. Até novembro, outras quatro pessoas foram assassinadas pelo tenente, todas desarmadas. O PM também se envolveu em outros nove homicídios e só chegou a ser afastado após o quinto assassinato confirmado, contudo, um mês depois, em dezembro, já se encontrava em “estágio supervisionado pela instituição”, ou seja, em vias de retornar ao cotidiado policial. De acordo com o portal Ponte Jornalismo, Lopes de Lima é “padrinho braçal” de Rafael Talhada, primeiro tenente e filho do deputado estadual Coronel Telhada (PSDB).
Esse, contudo, não é o primeiro caso de um policial assassino ser beneficiado pela impunidade da PM de São Paulo. Em 2020, o ex-sargento da Rota (Ronda Ostensivas Tobias de Aguiar) Roberto Lopez Martinez, assassino de três jovens no caso conhecido como “Rota 66”, divulgou em seu perfil uma lista de dezenas de assassinatos cometidos, todos escritos à mão, como uma espécie de “lista de metas”. Acredita-se que foi responsável por ao menos 45 assassinatos.
Martinez é o personagem central da investigação jornalística feita pelo repórter Caco Barcellos entre 1985 e 1992, e que deu origem ao livro “Rota 66”. A investigação revelou uma série de matadores profissionais do batalhão especial da PM.
Em 2015, o então comandante da Rota e atual secretário de segurança pública de São Paulo, Guilherme Derrite, chegou a afirmar que em cinco anos, o policial que não assassinou ao menos três cidadãos deveria se envergonhar. Assim, pode-se presumir que a formação de um conjunto de policiais acostumados com as sádicas práticas de assassinatos em massa não é apenas um fenômeno isolado, mas uma política abertamente estimulada no interior da corporação.
O caso e a impunidade de Lopes de Lima evidencia não apenas a permissividade com os abusos policiais às massas populares, mas que estes são estimulados no interior da corporação. De acordo com a jornalista Cecília Olliveira, do The Intercept, o aumento das mortes policiais, sobretudo por um grupo destacado, somados ao estímulo e impunidade por parte do velho Estado, pode representar um dos sintomas para a formação de grupos paramilitares de extermínio.
No Rio de Janeiro, a consolidação destes grupos paramilitares, segundo Olliveira, passou diretamente pelo estímulo dos representantes do velho Estado. Durante o governo estadual de turno de Garotinho, por exemplo, um grupo de cinco PMs conhecido como Patrulhamento Tático Motorizado (Patamo), no qual integrava Ronie Lessa, assassino de Marielle Franco, recebiam notas elogiosas em seus registros profissionais e viram seus salários aumentarem de acordo com a quantidade de corpos colocados nas contas do velho Estado.
Embora a PM declare que “não tolera desvios de conduta”, na prática, as declarações de Derrite estimulando a alta na letalidade policial, somadas a impunidade com que os policiais reincidentes são tratados, indicam a formação de um grupo destacado em homicídios dentro da própria PM de São Paulo.