PMs fazem saudação fascista à cruz em chamas em batalhão; veja o vídeo

A origem do ritual de uma cruz na KKK deriva do livro “The Clansman: Um romance histórico da Ku Klux Klan” (1905), escrito pelo ministro norte-americano Thomas Dixon. Depois, o ato ganhou as telas no filme racista O Nascimento de uma Nação (1915).
Policiais fazem cerimônia igual à da Ku Klux Klan. Foto: Reprodução

PMs fazem saudação fascista à cruz em chamas em batalhão; veja o vídeo

A origem do ritual de uma cruz na KKK deriva do livro “The Clansman: Um romance histórico da Ku Klux Klan” (1905), escrito pelo ministro norte-americano Thomas Dixon. Depois, o ato ganhou as telas no filme racista O Nascimento de uma Nação (1915).

O vídeo disponibilizado nas redes sociais hoje (16/04), em que militares fardados levantam o braço em riste em frente a uma cruz em chamas, poderia ser uma cena registrada por militantes da Ku Klux Klan, mas é de policiais militares do 9° Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) de São José do Rio Preto, em São Paulo. 

A filmagem começa com uma montagem tosca e, em seguida, mostra cerca de dez militares ao redor de um corredor feito com velas, sinalizadores vermelhos, uma cruz pegando fogo e a sigla do batalhão também em chamas. Dois dos militares erguem o braço em riste em direção à cruz e depois dão um passo à frente. 

O vídeo repercutiu e os policiais militares logo foram amplamente condenados nas redes sociais pelas similaridades da cena com imagens da organização supremacista branca Ku Klux Klan (KKK) ou de outras organizações de extrema direita. “Sob o comando de Tarcísio e Derhitler, esperar o que?”, questionou um internauta no site do jornal monopolista Folha de São Paulo, em referência ao governador paulista Tarcísio de Freitas e ao secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite.

A Polícia Militar (PM) foi forçada a se posicionar, mas se negou a condenar o ato. Primeiro, alegando falta de provas apesar do vídeo, a PM disse que “caso seja comprovado [como se não estivesse] os desvios de conduta” os policiais sofreriam as devidas punições. 

Em outra nota, divulgada no dia 16/04, a PM disse que “em nenhum momento houve intenção de associação a ideologias de natureza religiosa, racial ou política” e que o vídeo foi gravado depois de um treinamento noturno “com o intuito de representar simbolicamente a superação dos limites físicos e psicológicos enfrentados ao longo da instrução”. 

Sem explicações para cruz queimada

Na justificativa, contudo, a PM não explicou por que os militares queimaram uma cruz no ritual. Talvez porque seria impossível explicar sem dizer que não há nenhuma cerimônia militar que conte com o incêndio de uma cruz e que o ato é uma reencenação clara dos rituais da KKK. 

Integrantes da KKK queimam cruz e suástica na Geórgia, 2016. Foto: AP/Mike Stewart

A origem do ritual de queimar uma cruz na KKK deriva do livro “The Clansman: Um romance histórico da Ku Klux Klan” (1905), escrito pelo ministro norte-americano Thomas Dixon. Depois, o ato ganhou as telas no filme racista O Nascimento de uma Nação (1915). Foi justamente no ano de lançamento do filme que a primeira cruz foi incendiada nos EUA, quando um grupo liderado por William J. Simmons reinaugurou a KKK em um ritual no topo da Stone Mountain, na Geórgia. 

O ritual é usado até hoje por membros da KKK. Em 2016, integrantes do grupo fizeram uma cerimônia em que incendiaram uma cruz e uma suástica em um terreno na Georgia.

Saudação à bandeira?

Já o ato de erguer o braço em riste é descrito como a “saudação à bandeira”, um gesto das Forças Armadas feito em determinadas cerimônias. A saudação foi instaurada pelo Decreto n° 1.662, de 20 de maio de 1937, assinado pelos reacionários Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra. Na década de 1930 em diante, Eurico Gaspar Dutra foi um fiel defensor da aproximação do Brasil com as potências imperialistas fascistas e nazistas que compunham o “Eixo”. Mesmo depois do final da guerra, quando virou presidente, Dutra continuou a defender essas posições. 

Militares fazem saudação à bandeira, alguns deles apontando o braço para cima. Foto: Exército Brasileiro/Redes Sociais

O decreto diz, na parte do cerimonial para os compromissos, que “os recrutas, ao ouvirem a nota de execução do último toque, estendem energeticamente o braço direito horizontalmente, à frente do corpo, mão aberta, dedos unidos e a palma para baixo”. Apesar de a instrução para a saudação ser horizontal, há militares que apontam o braço mais para cima (ver foto acima). E, na verdade, o gesto é tão parecido com o nazista que qualquer leve alteração pode deixá-lo idêntico. O protocolo também diz que a mão precisa estar apontada para uma bandeira central ou específica, e não para qualquer outro símbolo. 

Saudação fascista

A origem da saudação à bandeira deste modo específico no Exército reacionário brasileiro é incerta, mas há várias pistas.

Uma delas é a saudação de Bellamy, um gesto criado pelo francês Francis Bellamy (1855-1931) supostamente baseado em uma saudação romana. Ela foi usada amplamente no EUA no início do século 20, mas acabou abandonada em 1942 em um decreto de Franklin Roosevelt (1882-1945) como uma manobra dos ianques para tentarem se diferenciar dos nazistas. Membros da KKK, por outro lado, continuaram usando o gesto.

Membros da KKK fazem saudação nazista. Foto: Reprodução

Outra é a própria inspiração no fascismo do ex-presidente italiano Benito Mussolini (1883-1945). Mussolini criou a saudação baseado nos estudos do militar reacionário italiano Gabriele D’Annunzio (1863-1938). D’Annunzio criou o gesto e outros modos militares durante a ocupação da cidade de Rijeka, na Iugoslávia, onde criou a chamada “Regência de Carnaro”. 

O militar diz ter se inspirado no Império Romano, mas o historiador Martin Winkler discorda. Segundo uma matéria do jornal The Conversation, Wrinkler defende que o Império Romano nunca teve uma saudação parecida com a nazista. O que os romanos faziam era um gesto curto, similar a um aceno de “tchau”, na altura do ombro, mas a saudação foi retratada por pintores da Revolução Francesa, no século 19, como a do braço em riste. É, assim, uma criação moderna.

No Brasil, a falsa saudação romana foi incorporada pelos integralistas da Ação Integralista Brasileira (AIB) e até hoje é usada por eles. Os integralistas afirmam que o gesto deriva de uma antiga saudação indígena, chamada Ananuê. Acontece que a saudação é bem específica da etnia nambiquara, do Mato Grosso do Sul, e é curioso que, de tantos gestos brasileiros, os integralistas tenham escolhido um que lembrava, por coincidência, justamente o usado por membros da KKK, nazistas e fascistas. A relação com o fascismo foi tão óbvia que, em 1920, escoteiros que se cumprimentavam com o Anauê abandonaram a tradição para não serem confundidos com os integralistas, nazistas ou fascistas. 

Integralistas fazem saudação fascista. Foto: Reprodução

Ainda na década de 1930, vários membros ou simpatizantes da AIB foram incorporados no governo de Getúlio Vargas, embora eles tenham se desentido depois que o líder integralista Plínio Salgado (1895-1975) se revoltou contra o então presidente. O dirigente da AIB Miguel Reale participou de vários órgãos públicos e consultivos no governo Vargas. Outro membro proeminente da AIB foi Olímpio Mourão Filho. Chefe da 4ª Região Militar na década de 1930, Mourão Filho era chefe do serviço secreto da AIB e, durante o governo Vargas, redigiu a farsa do Plano Cohen, usada para justificar o fechamento do regime.

Ou seja, todos os caminhos apontam que a saudação usada pelos militares reacionários brasileiros teve inspiração na dos nazistas ou fascistas, falsamente inspirada nos romanos que nunca se cumprimentaram assim. De modo que o uso do gesto, sobretudo em uma cena como a montada pelos policiais militares de São José do Rio Preto, não deixa dúvidas de onde eles tiraram a ideia.

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