Eu me chamo Ágatha
Voltava para casa
Uma bala perdida me pegou
Tinha oito anos e estava
Na madrugada da vida
Não mais irei
Ao balé, à aula de inglês
Me alijaram da alegria de viver
Da alegria que agasalha
Alimenta e aquece
Virei estatística
Meu avô gritou no rádio seu desespero
Ninguém secou as lágrimas
De minha mãe, de minha avó
Não sou mais carioca
Nem moro no Alemão
Virei estatística
As amigas estão sem meus abraços
No quarto a mochila, o dever de casa
Me aguardam em vão
Como as outras cinco crianças
Sou apenas um número
Amanhã seremos mil
As portas da escola irão se abrir
E não estaremos lá
Viramos estatística
Os sinos não tocam por nós
Gritamos por socorro
Não nos ouvem, não nos protegem
Por nós decisões não são tomadas
Nem leis implementadas
Na tragédia brasileira a justiça
A proteção, a responsabilidade
São palavras vazias
Nós crianças proletárias não cabemos
Na engrenagem do país, da cidade
Só temos como armas
Nossos manuais, lápis
Um ou outro sonho
Nos acolhem os corredores dos colégios
Os olhares assustados dos mestres
Somos estatística
Estamos à mercê do sistema que oprime
Da cobiça, da exploração
Na janela de nossas vidas
Não se insinua o futuro
Decretaram nosso fim
Nós que nem começo tivemos
Viramos estatística
Te saúdam Ágatha
As crianças dos desertos
Das florestas em chamas
Das favelas e palafitas
Dos mangues e guetos
Também aquelas por quem
Um muro será construído
Te saúdam os que vão morrer
Por sua crença e ideologia
Os que nada têm a perder
A não ser seu sofrimento
Te saúdam os que plantam
Os que colhem os que fabricam
Te saúdam os que sobrevivem
Te saúdam os que na calada
Preparam o porvir
Os que têm o olhar nas estrelas
De prontidão às armas
Te saúdam os que partilharão
O sol legítimo e intangível
V. B. Junho
Rio, 24/10/2019
Foto: Voz das Comunidades