Poema: “Anatólia” (1968), de Ahmed Arif

Poema: “Anatólia” (1968), de Ahmed Arif


Série Poesia Progressista da Turquia


 

Ahmed Arif (1927 – 1991) foi um poeta e jornalista democrata curdo da Turquia, perseguido, preso e torturado em 1950 por sua simpatia com a causa comunista. Poema retirado de “Grilhões desgastados pela saudade sua” (1968), seu único livro publicado e um dos livros de poesia com mais edições do mundo. Tradução adaptada do espanhol.

 

Eu dei berço a Noé,

balanço, rede.

Tua mãe Eva parece ter nascido ontem.

Eu sou Anatolia¹,

Conheces?

 

Me envergonho,

Me envergonho da pobreza,

Desnuda frente os demais…

Têm frio os meus brotos,

Escassa é a minha colheita.

Num mundo de fraternidade, de trabalho,

De solidariedade,

Num mundo onde se abrem as pétalas do átomo,

Num mundo de poetas e sábios,

Fiquei sozinha

Só e distante.

Sabes?

 

Fui ordenhada por milhares de anos.

Com seus espantosos cavalos despedaçaram

Meus delicados sonhos matinais,

Com seus monarcas, agressores, bandidos

Me extorquiram.

Fiz pouco caso de Alexandre,

Do sultão e do xá

Desapareceram sem deixar sombras!

Mas eu saudei meus amigos

E tomei uma postura firme…

Vês?

 

Se soubesse o quanto amo

Koroglu²,

Karayılan³,

O soldado anônimo…

E também Pir Sultan e Bedreddin.

E tantos outros amores que a pena é incapaz de escrever,

muitos outros amores…

Se soubesses,

como me amavam também,

Se soubesses do franco-atirador que lutou em Urfa,

desde os minaretes, desde as barricadas,

desde os galhos do cipreste,

Como ele sorriu frente à morte

Quero que saibas, definitivamente,

Escutas?

 

Não te abatas assim,

Tão lamentoso, tão digno de pena…

Onde quer que estejas,

Dentro ou fora, na sala de aula, no escritório,

Erga-te

Cuspa na cara do verdugo,

Do oportunista, do traidor, do malfeitor…

Resista com o livro

Resista com o trabalho.

Com unhas, com dentes,

Com esperança, com amor, com sonhos.

Resista, não me desonre.

 

Observe como de novo eu renasço,

Em tuas mãos jovens e honestas.

Tenho filhos e filhas a vir, no futuro,

Cada um é uma peça indispensável do universo.

Cada um é flor de minha nostalgia milenar,

De teus olhos,

Te beijo com teus olhos

Em ti tenho minhas esperanças,

Entendes?

 

Notas:

1 – Anatolia: Região peninsular da Turquia, banhada pelo Mar Negro, pelo Mediterrâneo e pelo Egeu.

2 – Koroglu: Poema épico popular da tradição turca.

3 – Karayılan: Herói popular da luta pela independência formal da Turquia contra a ocupação francesa.

4 – Pir Sultan Abdal: poeta revolucionário da tradição do alevismo, enforcado em 1550.

5 – Sheikh Bedreddin: revolucionário que liderou uma insurreição de massas contra a opressão do Sultão Mehmed em 1416.

6 – Batalha de Urfa: Insurreição contra a ocupação francesa da cidade de Urfa em 1920, decisiva para a conquista da independência formal da Turquia.

7 – Minarete: Torre de uma mesquita.

 

Abaixo, o poema recitado pelo próprio Ahmed, numa gravação de 1989.

 

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