Veja os pontos falhos na defesa de Paulo Sérgio Nogueira

Há uma série de evidências contra que não foram tocadas pela defesa. Algumas não foram sequer levantadas pela PGR.
Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Veja os pontos falhos na defesa de Paulo Sérgio Nogueira

Há uma série de evidências contra que não foram tocadas pela defesa. Algumas não foram sequer levantadas pela PGR.

O general da reserva Paulo Sérgio Nogueira foi um dos defendidos hoje, na primeira turma do Supremo Tribunal Federal, durante a análise da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra 34 pessoas acusadas de tentativa de golpe de Estado e outros crimes. 

O advogado do general concentrou os esforços em tentar inocentar Paulo Sérgio Nogueira, sem se importar em desmontar a tese da PGR sobre a tentativa de golpe. Durante a defesa, ele citou o delator Mauro Cid, que durante os depoimentos ao STF disse que o grupo do qual Nogueira fazia parte era contra qualquer ação e que temia uma movimentação que “poderia levar a Bolsonaro a assinar uma doideira”.

Convites para reuniões

Acontece que há uma série de outras evidências que não foram tocadas pela defesa. Dentre elas a o depoimento do ex-comandante do Exército Freire Gomes, que disse que participou, a convite de Paulo Sérgio Nogueira e na presença do general, de reuniões para discutir a “minuta do golpe”.

Os depoimentos de Gomes detalharam duas reuniões. Na primeira, o assessor de Bolsonaro, Filipe Martins, teria lido “os ‘considerandos’ que seriam os ‘fundamentos jurídicos’ da referida minuta do golpe”. Na segunda reunião, foi o próprio Paulo Sérgio Nogueira que reapresentou a minuta. Nela, constavam os planos para decreto de Estado de Defesa e a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral.

As alegações de Gomes são compatíveis com os depoimentos do ex-comandante da Força Aérea Brasileira, Carlos de Almeida Baptista Júnior. Segundo Júnior, ele participou de reuniões de caráter similar em “mais de cinco ou seis vezes”. Algumas das reuniões eram convocadas e ocorriam “sem ata e de forma imediata”, mas o convite era sempre feito pelo então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.

Antes mesmo dos depoimentos de Gomes e Baptista Junior, já era sabido que Jair Bolsonaro teve ao menos três reuniões secretas com comandantes das três Forças Armadas e outros integrantes de seu círculo imediato nos dias 1º, 2 e 14 de novembro de 2022, semanas seguintes após a derrota eleitoral para Luiz Inácio. As reuniões foram descobertas por meio de informações em e-mails enviados pelo ex-ajudente de ordens Jonathas Diniz Vieria Coelho. 

A primeira reunião contou com a presença do general Marco Antônio Freire Gomes (então comandante do Exército), o almirante Garnier Santos (ex-comandante da Marinha) e do tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior (ex-comandante da Aeronáutica), além de Walter Braga Netto e dos ex-ministros Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Anderson Torres (Justiça) e Bruno Bianco (AGU). O segundo encontro foi mais reservado: participaram dele somente o comandante do Exército, da Marinha e o senador Flávio Bolsonaro. Já o terceiro voltou a contar com a presença de Paulo Sérgio Nogueira, Anderson Torres, Braga Netto e adicionou Wagner Rosário (que, então, estava à frente da CGU).

Hacker da CPMI

A atuação golpista de Paulo Sérgio Nogueira também foi pontuada pelo hacker Walter Delgatti Netto durante um depoimento à CPMI do 8 de Janeiro. Segundo o depoimento, Nogueira fez uma “ponte” entre Delgatti, Bolsonaro e políticos do PL para uma negociação de adulteração do código-fonte de uma urna eletrônica. A ideia era faer uma demonstração pública em 7 de setembro (um mês antes das eleições) de que era possível fraudar uma urna. 

Segundo Delgatti, o coronel reservista Marcelo Jesus (na época, estava há dois anos reformado) era quem intermediava a relação do hacker com Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército. Bolsonaro também o levou para falar diretamente com Paulo Sérgio Nogueira (então ministro da Defesa). O objetivo do encontro era discutir aspectos técnicos e informações que seriam adicionados ao relatório que os militares organizavam a partir da comissão de fiscalização eleitoral do TSE. Militares subordinados ao então comandante do Exército, general Paulo Sérgio, teriam, então, memorizado partes do código-fonte das urnas para passar ao hacker.

‘Votações paralelas’

Outro ponto, mais antigo, é que Paulo Sérgio Nogueira, ainda na função de ministo da Defesa, propôs em 15 de julho de 2023, diante do Congresso, “votações paralelas”. dentro de uma determinada proporção, junto às urnas eletrônicas, instalar urnas para voto impresso. O objetivo proclamado pelo general da reserva é dar mais credibilidade à farsa eleitoral. Na época, a proposta foi criticada até mesmo nos editoriais dos monopólios de imprensa, e não houve quem a apoiasse nos círculos mais poderosos da reação, a não ser de parte dos bolsonaristas. 

A intenção era tentar fazer com que a posição dos generais não se chocasse com a ordem institucional e, ao mesmo tempo, não “com Bolsonaro o monopólio da insatisfação com o atual regime político, sob o risco severo de perder o controle da situação diante das tropas das três forças, além das auxiliares (policiais militares)”, conforme apontado por AND no Editorial Cédula do apaziguamento e covardia do oportunismo eleitoreiro.

Velha atuação golpista

Há, ainda, antigas declarações golpistas de Paulo Sérgio Nogueira – que datam desde 2021, quando Nogueira assumiu o comando do Exército – e que nem foram levantadas pela PGR.

O próprio discurso de posse no cargo de comandante foi recheado dessas declarações, diferente do que disseram os monopólios de imprensa à época. 

Na época, Nogueira disse: “Enaltecida pelo Povo brasileiro, a atuação de Caxias foi marcada pela conciliação, pela superação de posições antagônicas, e, sobretudo, pela prevalência da legalidade, da justiça e do respeito a todos.”

“Fiéis herdeiros do legado de Caxias e alicerçados na hierarquia, na disciplina e nos valores pátrios, os soldados de ontem e de hoje, da ativa e veteranos, e suas estimadas famílias formam a genuína alma do Exército, retrato fiel de nossa sociedade, e são o patrimônio mais valioso da nossa Instituição”.

“O Exército Brasileiro não para em circunstância alguma e, irmanado com a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira, mantém-se sempre pronto a cumprir a sua missão, delegada pelos brasileiros na Carta Magna.”

“A você, soldado, que, lutando sem temor, derramou seu sangue além-fronteiras, no continente e nos campos da Europa, pela defesa da democracia e contra o totalitarismo!“

“O momento desta justa homenagem aos soldados, que muito contribuíram e contribuem para a unidade e a grandeza do Brasil, nos motiva a reafirmar o compromisso com os valores mais nobres da Pátria e com a sociedade brasileira em seus anseios de tranquilidade, estabilidade e desenvolvimento.”

“Mantenhamos, sempre, a fé inabalável na missão do Exército Brasileiro e a crença nos princípios da nossa nacionalidade. Sob as bênçãos do Todo Poderoso Deus dos Exércitos e iluminados pelo espírito patriótico, pacificador e conciliador do Duque de Caxias, sejamos, junto aos irmãos brasileiros, inspiradores de paz, união, liberdade, democracia, justiça, ordem e progresso – que o nosso Povo tanto almeja e merece – dedicando-nos, inteiramente, à defesa da soberania nacional e ao bem do nosso amado País”.

O AND analisou o discurso de Nogueira e pontuou, já em agosto de 2021, esse aspecto da fala do comandante, no artigo O discurso do ‘comandante’ e o frenesi liberal. À época, o AND pontuou como o discurso de Nogueira não tinha o exato mesmo caráter golpista das declarações de Bolsonaro, mas que ainda sim era golpista – diferença que é expressão dos diferentes planos golpistas da extrema-direita chefiada pelo ex-presidente e da direita militar no Alto Comando das Forças Armadas.

“O que, no discurso do general Paulo Sérgio, indica isso?”, questiona o texto de AND. “Ainda que singelos (pois o problema principal é demarcar com Bolsonaro), os seguintes trechos o demonstram: ‘O resultado de seus feitos traduziu-se, sempre, no restabelecimento da paz, na restauração da lei e da ordem e na manutenção da integridade do País’. E, ao se referir à missão constitucional do Exército, disse: ‘A defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem são, portanto, o farol que orienta o contínuo preparo e o emprego da Força Terrestre’.” 

O AND continua: “Trata-se, portanto, de um quadro delicado: os generais não são democratas e legalistas em si mesmos, razão pela qual têm um plano (e isso já foi dito abertamente pelo boquirroto Mourão, então da ativa, em 2017, em Loja Maçônica, e cuja falta de punição indica ter sido por delegação do seu superior à época) de intervenção militar total (leia-se, ruptura aberta da ordem institucional, ainda que acobertada com legalidade via artigo 142) aplicável se combinarem-se a deflagração de uma Revolução (‘caos social’, nas palavras dos generais) e o Estado tornar-se inoperante para a difícil tarefa que de frente a ele se encontra: recuperar o capitalismo burocrático através de medidas para explorar o povo, impor novo regime político mais centralizado e com maior credibilidade popular e impor maior militarização na sociedade e abrir precedentes jurídicos para sua atuação contra-insurgente — tudo para abortar o início ou desenvolvimento da Revolução no Brasil, cujo perigo testemunhamos a olhos vistos e o centro deste perigo é a luta camponesa. Enquanto isso, os generais ‘legalistas’ conduzem o golpe militar por via institucional, como indicou Villas-Bôas, o ‘protagonista silencioso’.”

“Ora, o fato de o comandante do Exército enfatizar a “Carta Magna” não significa uma absoluta negação da possibilidade de intervenção militar total por si mesma, pois o mais importante, aqui, é a interpretação da direita militar sobre o artigo 142. De fato, para eles, a intervenção militar total dentro de determinadas condições é em defesa e está na Carta Magna e, portanto, ‘delegada pelos brasileiros’.

“O mesmo se pode dizer sobre a referência à liberdade e democracia, pois que para o generalato anticomunista uma intervenção militar, para “restabelecer a ordem” e abortar o “caos social” (como justificativa), é por si um meio (em determinadas condições) para defendê-las, quando na prática será o golpe de misericórdia nesse decrépito ‘Estado democrático de direito’.”

“Tal intervenção militar total (a que chamamos culminar do golpe de Estado militar, já desatado), admitida como possibilidade dentro dessas condições, por sua vez, nada têm de identidade absoluta com o plano de Bolsonaro (que é onde erram os analistas que veem os pronunciamentos recentes dos generais, golpistas, como alinhamento automático a Bolsonaro). Sabedor que é das condições que obrigam o Alto Comando das Forças Armadas a uma intervenção total, Bolsonaro busca ajudar a criá-las, produzindo caos, crises e instabilidades, para que ele mesmo seja mandatário quando esse processo inevitável sobrevier. Os altos comandantes — em sua maioria — querem evitar a intervenção total (razão pela qual, no seu discurso, o atual comandante enfatiza tanto os valores “estabilidade”, “conciliação”…), mas a admitem se necessária for para combater a Revolução, e (no cenário ideal) desde que suceda a ela o retorno à democracia liberal, porém mais centralizada e extremamente restritiva no tocante aos direitos democráticos (deformada, portanto); Bolsonaro e a extrema-direita, por sua vez, querem a intervenção militar total porque a admitem única forma de impor o regime militar fascista, sem o que, em sua visão, é impossível combater a Revolução.”

“O que os analistas não veem? Que, nem tão ao céu nem tão ao inferno: nem alinhados absolutamente, nem democratas ilibados. Os generais são golpistas, mas a seu modo. E podem tanto unir-se a Bolsonaro na intervenção total – ainda que depois divirjam e pugnem-se para definir qual regime político impor em substituição ao atual – como podem, a curto prazo (pleito de 2022), livrar-se dele através da farsa eleitoral, se manejada adequadamente. Há que aguardar os desdobramentos.”

É evidente que o STF não vai tocar nesses pontos para desmontar a defesa de Nogueira, contudo. Bem como a PGR não levantou essas informações. Fazê-lo, bem como levantar uma outra série de evidências que colocam vários outros generais do Alto Comando das Forças Armadas no rol dos golpistas – ainda que com diferenças marcantes de Bolsonaro –, seria chocar-se demais – na régua dos ministros no STF – com a tutela militar no País.

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