População urbana e rural no Brasil – Análise comparativa dos percentuais segundo critérios do IBGE e da OCDE

População urbana e rural no Brasil – Análise comparativa dos percentuais segundo critérios do IBGE e da OCDE


Município de Altamira, interior do Pará, considerado predominantemente urbano pelas metodologias oficiais

Segundo o Censo do IBGE, de 2010, a população do Brasil era constituída por 190.732.694 pessoas. Destas, segundo o Instituto, cerca de 84% (160.879.708 pessoas) viviam em zonas urbanas e aproximadamente 16% (29.852.986 pessoas) em áreas rurais. O percentual de urbanização do país se mostra ligeiramente superior ao dos Estados Unidos, por exemplo, que no mesmo período contava com cerca de 81% de sua população vivendo em áreas urbanas. Destaque-se que o processo urbano americano é anterior ao brasileiro, isto por porque os EUA entraram na era industrial bem antes do que o Brasil, e, como se sabe, urbanização e industrialização estão intimamente ligadas. Para se ter uma ideia, hoje a participação da industria no PIB americano é de de cerca de 20%, enquanto no Brasil mal chega a 10%. Outro fator que concorre para a urbanização, sem dúvida, é a mecanização no campo, que diminui a necessidade de mão de obra nas áreas rurais, sendo este um dos fatores do êxodo rural. Não é necessário um estudo profundo para se constatar que a mecanização no campo norte-americano é maior do que no Brasil. No ano de 2009, nos EUA, o índice de mecanização no campo era de 26,7 tratores por mil hectares, no Brasil, em 2012, esse índice era de 11 tratores por mil hectares, menos da metade do que o americano. Considerando estes dois aspectos, que guardam gritantes diferenças, de onde deriva tão semelhante índice de urbanização entre os dois países?

Como se sabe, a metodologia para caracterização da população urbana e rural adotada no Brasil difere significativamente da metodologia adotada pelos países da OCDE, Organização da qual os Estados Unidos faz parte. Para a OCDE, as regiões podem ser caracterizadas como predominantemente rural, intermediária e predominantemente urbana. Uma região predominantemente rural seria aquela em que mais de 50% da população vive em áreas de densidade inferior a 150 habitantes por quilômetro quadrado (hab/km²); uma região intermediária seria aquela em que entre 75% e 85% da população vive em áreas com densidade acima de 150 hab/km²; uma região predominantemente urbana, por sua vez, seria aquela em que mais de 85% da população vive em áreas com densidade superior a 150 hab/km². Todavia, para a OCDE, se em uma região caracterizada como predominantemente rural, há um centro urbano com mais de 200.000 habitantes, esta região passa a caracterizada como intermediária; e se em uma região intermediária há um centro urbano com mais de 500.000 habitantes, esta região passa a ser caracterizada como predominantemente urbana, para estes casos a população do referido centro urbano deve ter, pelo menos, 25% da população total da região. Como pode ser observado, o critério da OCDE é fundamentado no grau de concentração/dispersão da população, sendo este critério o mais aceito mundialmente.

No Brasil, por sua vez, a caracterização da população urbana e rural resulta de ato administrativo, isto é, cabe ao poder público municipal definir, no âmbito do seu território, a população rural e a urbana. Esta definição, em geral, se faz com base no Decreto-lei 311, de 1938, do governo de Getúlio Vargas. De acordo com este Decreto, toda sede de município é cidade, e toda sede de distrito é vila, ambas sendo definidas como áreas urbanas. Áreas rurais, por sua vez, são todos os territórios fora destes perímetros. Era óbvia a finalidade do governo de Vargas com este Decreto, dar um aspecto de moderno, urbano-industrial, de desenvolvido ao “Estado Novo”, mesmo que isto não estivesse em correspondência com a realidade. A atual vigência deste Decreto é, ainda hoje, o que permite termos índice de urbanização maior do que o dos Estados Unidos, por exemplo. Algo certamente sem o menor fundamento, dado o alto grau de urbanização nas duas costas dos EUA.

Num estudo realizado recentemente, um grupo de pesquisadores, tentando aplicar os critérios da OCDE ao Brasil, caracterizou 55,6% dos municípios do país (3.095) como intermediários, 20,6% (1.114) como predominantemente rurais e 23,8% (1.326) como predominantemente urbanos. Nesta pesquisa, eles concluíram que 87,5% da população do país viveria em áreas consideradas urbanas, percentual acima do que o próprio IBGE reconhece. Não é difícil refutar índice de urbanização informado pelo IBGE, isto porque o Instituto trabalha com os dados fornecidos pelos municípios, e, como se sabe, em função do Imposto Territorial Urbano – IPTU em geral ser maior do que o Imposto sobre a Terra Rural – ITR, os governantes tendem a superestimar a área urbana dos municípios e subestimar suas áreas rurais, o que possibilita cobra-se impostos mais elevados dos proprietários. Este é um dos interesses que entra em jogo na questão da definição do rural e do urbano no país. Seria então mais baixo o índice de urbanização do país? Como então explicar a obtenção de um índice mais elevado através de uma suposta aplicação da metodologia da OCDE?

A questão é que no manejo da pesquisa se utilizou o setor censitário, e não o território do município como referência para a caracterização das áreas. Para chegar a este resultado, os pesquisadores observaram que dentro de cada município há pelo menos um setor censitário com densidade acima de 150 hab/km², esta sendo a base para caracterização dos municípios. Ora, dado que quase toda sede municipal apresenta certa densidade, é óbvio que se encontraria pelo menos um setor censitário com densidade maior que 150 hab/km², e quando da existência de sedes distritais, seria até possível encontrar-se mais de um. Vejamos o caso do município de Altamira, caracterizado pelos pesquisadores como sendo predominantemente urbano. No Censo de 2010 a população deste município era de 99.075 pessoas. Seu território é de 159.533,328 Km². Utilizando a formula da densidade demográfica, que resulta da divisão da população pela área, para este município chega-se a uma densidade de 0,62 hab/Km², isto é, menos de 1 hab/km². Sem dúvida, todo o município seria considerado rural pela metodologia da OCDE, embora dentro do mesmo hajam setores com densidade superiores a 150 hab/km², certamente sua sede e, talvez, as sedes distritais. Aprofundemos isto. Altamira só poderia, segundo a real metodologia da OCDE, ser caracterizado como predominantemente urbano se fosse um centro urbano com mais de 200.000 habitantes e concentrasse 25% da população da região. Embora a sede municipal de Altamira, de fato, concentre 77% da população do município, o tamanho desta aglomeração é de apenas 77.193 habitantes. Assim, refuta-se categoricamente que Altamira seja um município predominantemente urbano. Certamente esta distorção é recorrente no citado estudo, o que explica obterem índice de urbanização superior ao do próprio IBGE. 

Observa-se que a escala é uma questão fundamental na caracterização do urbano e do rural. Seu manejo incorreto pode gerar distorções. No Censo de 2010 a densidade demográfica do Brasil era de cerca de 22 hab/km². Obviamente que não poderíamos, a partir disso, chegar a conclusão de que toda população do país é rural. Não poderíamos concluir também que todo o estado de São Paulo é urbano porque sua densidade era de 166 hab/km². Tampouco a existência de um setor censitário com mais de 150 hab/km² dentro de um município nos autoriza a caracterizá-lo como predominantemente urbano, não na metodologia da OCDE. Se se aplica este critério, se está na verdade replicando o mesmo critério do IBGE, não o da OCDE, isto por que os próprios governos dos municípios já definem as sedes municipais, que geralmente coincidem com o setor censitário de maior densidade, como zona urbana. A base para o cálculo de densidade, com fins de caracterização das áreas rurais e urbanas, deve ser a população e o território dos municípios ou mesorregiões, não o setor censitário, que é um mero recorte territorial para fins de trabalho. Segundo artigo publicado, em 2002, na 1ª edição do Jornal AND, dos 5.507 municípios do país, apenas 411 poderiam ser caracterizados como urbanos, indicando-se uma população rural, à época (1991), de 73,5 milhões de pessoas, isto é 49% da população do país, nos parecendo ser este o percentual mais aceitável, embora atualmente seja necessário uma atualização, sobretudo porque atualmente a população brasileira já ultrapassou os 209 milhões de pessoas, a desindustrialização do país aumentou e o “agronegócio” tem cada vez mais peso na economia, o que certamente interfere na dinâmica locacional da população.

Se ainda resta dúvida que o grau de urbanização do Brasil é muito menor do que o informado pelo IBGE, sendo também muito menor do que o dos EUA, basta olhar uma imagem de satélite de ambos os países, onde se apresente as luzes noturnas, aí se verá o nível de concentração/dispersão da população através das luzes emitidas pelas cidades, sendo o empirismo, talvez o mais básico método científico, a prova do que se diz. Esta comparação é indicada porque os dois países guardam grandezas territoriais e populacionais que se assemelham.


Brasil


Estados Unidos

Olhar esta imagem de satélite do Brasil, mostra claramente que, com algumas atualizações, ainda tem validez aquela formulação de Manoel Lisboa, quando na Carta dos 12 Pontos este afirmava que: “Nas atuais circunstâncias, dentro de um ponto de vista regional, as grandes cidades e capitais do Nordeste são ‘cidade’ enquanto que o resto é ‘campo’. De um ponto de vista nacional, a área industrial de São Paulo, compreendendo as cidades satélites do ABC, Santos e Rio de Janeiro formam o conjunto que podemos chamar de ‘cidade’, sendo o restante ‘campo'”.


* Bacharel em Geografia pela UFPE, Especialista em Direito Social e Políticas Públicas pela Fafire

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