Indianos queimam o Projeto de Emenda de Cidadania durante protesto. Foto Getty imagens
Grandes protestos foram deflagrados na Índia, após o parlamento aprovar um projeto de lei que concederá cidadania indiana às “minorias religiosas” (como hindus, maioria no país, budistas e cristãos, religiões com grande expoente não só na Ásia, como no mundo) dos países vizinhos, porém que exclui os muçulmanos.
Os protestos, que começaram no dia 10, já contam com a morte de dois manifestantes (assassinados com munição letal pela polícia), com a detenção de mais de mil pessoas, um toque de recolher imposto pelo velho Estado indiano e o deslocamento de tropas militares e paramilitares para reprimir os protestos em diversas partes da índia.
Em Nova Deli (capital), no dia 13 de dezembro, eclodiram confrontos entre estudantes e a polícia durante um protesto que começou na Universidade Federal Jamia Millia Islamia. Os estudantes entoavam palavras de ordem contra o governo, e marcharam em direção ao prédio do parlamento, a cerca de 12 quilômetros de distância da universidade.
A polícia havia feito barricadas na estrada principal da universidade para bloquear a marcha, impedindo os manifestantes de prosseguir; o confronto foi iniciado pela polícia que disparou gás lacrimogêneo e usou cassetetes para dispersar a multidão, e respondido por manifestantes com pedras. Dezenas de estudantes foram detidos e levados em camburões da polícia.
No dia 12, manifestantes novamente saíram às ruas em partes dos estados de Assam e Tripura, ambos na fronteira com Bangladesh. Nesse cenário, cerca de 5 mil soldados paramilitares foram enviados para a cidade de Guwahati , no estado de Assam, onde o toque de recolher imposto foi amplamente ignorado pelas massas.
Os manifestantes incendiaram veículos e edifícios do governo, e combateram as forças da repressão intensamente. Um comboio de veículos em que estava o chefe da polícia estadual Bhaskar Jyoti Mahanta, inclusive, foi obrigado a parar diversas vezes, pois foi atacado na cidade pela multidão que atirava pedras.
As forças de repressão indiana usam porretes para dispersar estudantes que protestam contra o Projeto de Emenda de Cidadania do governo, em Guwahati, em 11 de dezembro de 2019.
Além disso, pelo menos quatro estações de trem em Assam foram danificadas enquanto os manifestantes tentavam queimá-las. Voos e serviços ferroviários foram interrompidos em toda a região devido aos protestos. Enquanto isso, a polícia do estado de Tripura disse que cerca de 1,8 mil pessoas haviam sido presas desde o dia 10.
Já, no dia 11, na cidade de Guwahati, vários policiais ficaram feridos durante confrontos com os estudantes e trabalhadores. Vários veículos, incluindo um carro de Bombeiros, foram danificados depois que os manifestantes atiraram pedras contra as forças da repressão.
De acordo com os relatos, milhares de estudantes e trabalhadores saíram às ruas e se dirigiram a Dispur (capital do estado de Assam, a 10 km de Guwaharti) para o secretariado de Assam, derrubando a barricada instalada pela polícia no local. No caminho, os manifestantes queimaram os painéis de propaganda do governo.
Apesar do pesado aparato de repressão que foi colocado em frente ao secretariado de Assam, os manifestantes forçaram sua entrada nas instalações governamentais. A polícia, amedrontada diante da fúria popular contra a implantação de políticas fascistas, teve de recorrer à balas de borracha e ao disparo de bombas de gás lacrimogêneo. Após a repressão, os manifestantes, revoltados, intensificaram o ataque aos policiais, atirando pedras e também atacaram alguns veículos, incluindo um veículo de bombeiros.
Os manifestantes também fizeram bloqueios em várias estradas da cidade, queimando pneus, painéis do governo e outras coisas em Downtown, Six Mile, Beltola, Basistha, Ganeshguri, Jalukbari e a área de Maligaon na cidade.
As pessoas passam por veículos incendiados por manifestantes que protestam contra o Projeto de Emenda de Cidadania (CAB) em Guwahati, Índia, quarta-feira, 11 de dezembro. Foto: Anupam Nath/AP
A emenda ‘anti-muçulmana’
O novo projeto de lei tem sido conhecido amplamente como emenda “anti-muçulmana’ no país, que tem um terço da sua população de 1,3 bilhões de pessoas composta por pessoas muçulmanas.
O projeto faz parte da movimentação burocrática e fascista do governo de turno de Narenda Modi, que, em agosto deste ano, despojou o estado majoritariamente muçulmano de Jammu e Caxemira de seu status autônomo, essencialmente dando ao velho Estado mais controle sobre os assuntos da região.
Nesse mesmo mês, o governo de turno começou a construir campos de concentração para a população pobre e muçulmana do país, através da “lista final do Registro Nacional dos Cidadãos”, que arrancou a cidadania de milhares de indianos bengalis e muçulmanos, assim como de indianos hindus pobres e camponeses, que não tinham a extensa documentação necessária para comprovar sua cidadania.
E, em novembro, o Supremo Tribunal da Índia autorizou os hindus a construir um templo num local sagrado, disputado e secular, que tem significado tanto para os hindus como para os muçulmanos. A decisão sobre o local de Ayodhya foi vista como um ataque contra os muçulmanos, e surgiu numa altura em que estes se encontram cada vez mais segregados na sociedade.
Estudantes enfrentam a polícia. Foto: Bilal Kuchay/Al Jazeera