Ratinho Júnior (PSD), governador do Paraná, anunciou uma verba anual de 10 milhões de reais para comunidades terapêuticas (CT’s) dentro do Programa de Atenção às Pessoas em Situação de Uso Prejudicial de Álcool e Outras Drogas. O anúncio foi feito na última sexta-feira (25) e o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) soltou uma nota em protesto nesta terça (29).
O que são as comunidades terapêuticas?
O termo comunidades terapêuticas origina-se como uma frente progressista da Reforma Psiquiátrica europeia na década de 50. Porém, no Brasil, as CT’s são predominantemente de caráter espiritual-religioso e muitas unidades já sofreram denúncias de tortura, maus tratos, cárcere privado e situação análoga à escravidão. O modelo de intervenção aplicado nessas instituições é de tratamento moral-religioso, uma prática que remonta à Idade Média.
Embora elas possam ser abertas de forma independente, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que 82% das CT’s mantêm vínculo com alguma organização religiosa, sendo 40% pentecostais e 27% católicas.
Os tratamentos majoritários propostos misturam abstinência, conversão religiosa, internação compulsória e trabalho forçado, métodos que contrariam todas as correntes científicas no campo da saúde psicológica.
O escritor e ativista Roque Junior, referência na luta antimanicomial, já explicou em entrevista sobre o funcionamento das comunidades:
“As pessoas ficam ali por seis meses, um ano, depois ficam um período na sociedade e retornam para essas CTs, muitas das quais impõem um trabalho praticamente escravo, para multiplicar seus prédios e ampliar as internações”
Diversas entidades, como o Conselho Federal de Psicologia e a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, já se manifestaram contrárias à existência das CT’s e à sua integração ao Governo Federal.
Investimento federal
Embora sejam entidades privadas, as CT’s recebem um massivo financiamento público. Segundo um estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da ONG Conectas Direitos Humanos, 560 milhões de reais foram investidos em CT’s, sendo 300 milhões pelo Governo Federal, no período de 2017 a 2020.
As CT’s foram incorporadas ao Governo Federal no primeiro mandato de Dilma Rousseff e tiveram um auge de investimentos anuais pelo governo de Jair Bolsonaro, passando de 100 milhões por ano.
Para camuflar os investimentos, as gestões de turno do Governo Federal consideram as comunidades terapêuticas não como parte da Rede Única de Assistência à Saúde (SUAS), mas do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o qual, hoje, financia 14.948 vagas junto a 602 entidades do país. As CT’s são, nesse sentido, uma ofensiva reacionária no campo da saúde mental e assistência social no Brasil.
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A política reacionária de assistência social no Paraná
No dia 12 de setembro deste ano, a Frente Parlamentar em Apoio às Comunidades Terapêuticas da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) realizou um curso de capacitação para que as CT’s aprendessem os trâmites burocráticos para requererem verbas do Governo Estadual. O coordenador da Frente, o deputado Gilson de Souza (PL), destacou o comprometimento de sua bancada para que as CT’s continuem “desenvolvendo seu trabalho”.
O curso precedeu o anúncio do Governador Ratinho Júnior, que defende as CT’s como uma forma de fazer o que o Estado não pode, alegação rebatida na nota do Conselho Regional de Psicologia: “Denunciamos que não é correto ofertar esses serviços como se não houvesse alternativa adequada, utilizando o sofrimento como combustível para fins de acúmulo financeiro, religiosos e eleitorais”.
A entidade ainda destaca que destinar verba pública de saúde para organizações privadas é desprezar a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), órgão público que oferece a estratégia com melhor reconhecimento científico e resultados. A RAPS vem sendo precarizada a nível federal desde seu estabelecimento em 2011.
A alocação de verbas coordenada pelo Governo do Estado em conjunto à ALEP escancara o programa reacionário de internação manicomial movida hoje no Paraná. O Governo encara usuários de drogas como indivíduos a serem encarcerados e convertidos sem qualquer direito à dignidade.
No mesmo pronunciamento em que anunciou a verba para as CT’s, Ratinho Júnior também destacou que “nós temos feito, por meio das forças de segurança, um trabalho de repressão muito forte contra as drogas”. Como já exposto pelo AND, a Polícia do Paraná matou mais de três mil pessoas em três anos e a violência cresceu 40% nos governos de Ratinho Júnior. É desnecessário dizer contra quem é a verdadeira repressão do Governo do Paraná.