Moradores organizaram manifestação em protesto à reintegração de posse. Foto: Galeno Cristóvao Machado
A ocupação urbana Vila Nova Esperança, na cidade de Campo Magro, na região metropolitana de Curitiba, completa quatro meses de existência no dia 21 de setembro. O local reúne mais de 1.200 famílias organizadas pelo Movimento Popular por Moradia (MPM) em torno da luta por esse direito fundamental, em meio às catastróficas consequências da crise econômica no Brasil, na qual mais de 7,7 milhões de famílias não possuem casa para morar, de acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Casas e cercas de madeira marcam os lotes. Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
O terreno de mais de 1 milhão de metros quadrados, há mais de dez anos desocupado, é o chão sobre o qual as famílias levantam suas casas e cultivam pequenas hortas nos lotes demarcados de 10 por 20 metros. A organização se destaca em todos os segmentos: cozinhas e escolas comunitárias foram construídas e postes e tubulações foram comprados e instalados pelos moradores para fornecer luz e água por toda a extensão da área.
Escola comunitária atende cerca de 400 crianças com ajuda de educadores populares. Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
As famílias se mudam para a ocupação vindas de diversas localidades (há mais de 200 famílias de imigrantes, a maioria haitianos) fugindo do alto custo do aluguel ou do financiamento imobiliário em um momento no qual o desemprego atinge recordes no país.
É o caso da diarista Juliana, mãe de oito filhos, que perdeu seu trabalho em meio a pandemia e mudou-se para a ocupação. Desempregada, ela se viu impossibilitada de pagar seu aluguel e prover sustento à sua família. Hoje, sua fonte de renda é proveniente da venda de salgados em um pequeno comércio aberto em seu lote.
Cozinheiras da comunidade preparam almoço com alimentos doados. Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
É também o caso do motorista de aplicativo e um dos coordenadores da ocupação, Júlio, que pressionado pela dívida de mais de R$ 14 mil no financiamento de um imóvel e frente à redução drástica na demanda dos seus serviços, integrou o movimento de ocupação
PREFEITURA NEGA ATENDIMENTO PÚBLICO E CRIMINALIZA OCUPAÇÃO
Os moradores denunciam que desde o início da ocupação, uma série de agressões contra a ocupação foi desatada pela prefeitura do município. Em entrevista ao Comitê de Apoio ao AND, Júlio denunciou alguns desses episódios:
“Desde que chegamos aqui, o prefeito do município, Carlos Casagrande (PSD), proibiu qualquer órgão do município, seja unidade de saúde, pronto atendimento, CRAS ou qualquer outro serviço, de prestar assistência ao pessoal da ocupação (…) Tivemos também uma questão de monitoramento da prefeitura com câmeras, não sei se legalmente ou ilegalmente, drones diariamente monitorando toda a área, tivemos uma rua onde passava um ônibus próximo à ocupação fechada e o trajeto do ônibus desviado para que prejudicasse os moradores”.
Horta comunitária orgânica é alvo de acusações poluição do aquífero da região. Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
Entregas de alimentos e materiais de construção também foram proibidas por Casagrande, em um claro abuso de poder. Como parte da campanha de difamação e perseguição movida pela prefeitura, houve a veiculação no monopólio de imprensa de alegações sem provas de que moradores da ocupação teriam assaltado um posto de gasolina próximo e que estariam afiando armas brancas nas ruas para aterrorizar moradores vizinhos.
Ainda na tentativa de criminalizar a ocupação, a prefeitura tem buscado imputar aos moradores crimes ambientais, como corte de árvores preservadas e contaminação dos rios com a agricultura de subsistência praticada. Conforme denuncia Júlio:
“Foi acordado que eles [fiscais da prefeitura] viriam para fazer uma averiguação para ver se tava tudo certo. Mas na realidade eles vieram com outra função. Eles vieram com a função de fiscalizar e estar levando algo negativo da ocupação para que eles tenham um pretexto para nos retirar daqui. Eles andaram em toda a ocupação, viram nossa organização. A única coisa que eles acharam pra bater em cima foi da nossa horta. Mas a horta é orgânica, não se utiliza agrotóxico, então como poderia poluir o rio? Então eles vieram a mando do prefeito para tentar nos tirar daqui de qualquer modo.”
Inqueridos pelos moradores se também realizariam fiscalização ambiental das propriedades latifundiárias vizinhas, os fiscais da prefeitura negaram que os latifundiários realizassem qualquer tipo de conduta que pudesse agredir o meio ambiente, dizendo inclusive que conheciam o fazendeiro e que esse seria “de confiança” , negando-se a realizar a devida averiguação. A alegação é desmentida por fotos tiradas no local, nas quais se pode observar que as plantações de trigo do latifundiário se encontram há menos de 10 metros do aquífero do terreno. A plantação tem alta concentração de agrotóxicos, conforme revela estudo de amostra encomendados pela coordenação do MPM.
Plantações de latifundiário estão há menos de dez metros do rio e fora de sua propriedade, que termina nas árvores vistas ao fundo. Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
Além disso, é flagrante a invasão das plantações para dentro do terreno, uma vez que árvores antigas e de grande porte, plantadas com a função de demarcar as fronteiras dos terrenos, se encontram distantes dos limites das plantações. Na realidade, as plantações de trigo são encontradas em diversos pontos adentrando o terreno.
No mesmo ponto, posteriormente à visita dos agentes da fiscalização, o latifundiário incendiou parte da mata nativa entre a ocupação urbana e o aquífero, na tentativa de intimidar os moradores e atribuir a responsabilidade do incêndio a estes, denuncia o MPM.
Fazendeiro incendeia mata nativa para intimidar moradores. Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
CONFLITO DE INTERESSES
O terreno ocupado encontra-se em um impasse judicial há mais de uma década. O espaço, que já pertenceu à prefeitura de Curitiba e foi cedido para a Fundação de Ação Social (FAS) para a construção de uma clínica de recuperação de dependentes químicos, encontra-se sem função social desde 2009, quando o programa foi suspenso e a posse foi cedida para o Governo Estadual.
Na verdade, a política de hostilização desatada pelo prefeito está relacionada com um interesse político na apropriação desse território para a prefeitura de Campo Magro, já que a área se encontra a menos de um quilômetro da sede da prefeitura.
Os advogados representantes da ocupação denunciam também a prática de omissão de documentos probatórios de posse e planta da área por parte dos funcionários públicos da prefeitura, na tentativa de minar as possibilidades de defesa da ocupação. Diante dessa política de hostilização e contra as crescentes ameaças de despejo, uma manifestação foi organizada no dia 01 de julho, na sede da prefeitura.
ORGANIZAÇÕES POPULARES PRESTAM SOLIDARIEDADE
A ocupação recebe o apoio de diversas entidades e organizações com doações de alimentos, roupas, materiais de higiene e de proteção à Covid-19, materiais de construção, entre outros. No dia 29 de julho, o Comitê Sanitário de Defesa Popular de Pinhais visitou a ocupação e distribuiu centenas de peças de roupas.
O Comitê de Apoio ao AND de Curitiba realizou uma vitoriosa brigada com os moradores da ocupação, prestando apoio e solidariedade às famílias. Foram distribuídas edições antigas e realizadas intervenções denunciando que as políticas desatadas pela prefeitura do município não são práticas exclusivas de alguns políticos, mas parte da política geral desatada contra as classes populares do país. Destacou-se a necessidade da organização popular para desenvolver lutas como a ocupação Nova Esperança para conquistar as reivindicações povo e construir a verdadeira democracia popular.
Nas conversas com o AND, os moradores relataram sua insatisfação com as políticas dos governantes de turno, em especial, do mísero auxílio emergencial. Como relata a moradora Olga, o auxílio não resolve as dificuldades que se agravam com a pandemia:
“Eu recebo R$ 600,00, mas tenho quatro filhos e seis netos, então praticamente ajuda zero. É insuficiente. (…) Eu acho uma tremenda sacanagem, entendeu? O povo confia, vai e elege achando que são pessoas de bem e podem estar ali representando o povo em geral e, na realidade, no fundo, estão ali só pra privilegiar a classe alta (…) você não tem direito, só tem direito quem eles acham que deve ter”.
Comitê de apoio apresenta o AND aos moradores. Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
Foto: Comitê de Apoio de Curitiba
Foto: Comitê de Apoio de Curitiba