PR: Ocupação urbana em Paiçandu garante moradia a mais de 1,3 mil pessoas

Ocupação Dom Helder Câmara, em Paiçandu/PR. Foto: AND

PR: Ocupação urbana em Paiçandu garante moradia a mais de 1,3 mil pessoas

No dia 5 de janeiro de 2023, 40 famílias ocuparam um conjunto de prédios abandonados em Paiçandu, região metropolitana de Maringá (PR). A ocupação, denominada Dom Helder Câmara, foi organizada pela Frente Nacional de Luta – Campo e Cidade (FNL). Ao todo, 240 famílias participaram da mobilização, totalizando mais de 1,3 mil pessoas. Dentre elas, 85% são moradores do próprio município e cerca de 12% são estrangeiros.

Dentre os novos moradores estão uma senhora que morava em um contêiner e um casal que vivia em uma kombi abandonada. Para além destes, há uma enorme massa que não estava conseguia arcar com o próprio aluguel, como camponeses que trabalham por diárias na roça ou em empresas de carga e descarga.

A demanda por moradia no município aumentou ainda mais devido ao recente encerramento das atividades do frigorífico Big Boi em Paiçandu, que resultou na demissão de 800 trabalhadores de uma só vez no dia 10/01 – sendo a grande maioria estrangeiros, principalmente venezuelanos. Alguns trabalhadores foram despejados das casas onde moravam de aluguel assim que os proprietários souberam da notícia da demissão, independente de estarem com o aluguel em dia.

 HISTÓRICO DO EMPREENDIMENTO 

Os prédios abandonados pertenciam à empresa Cantareira Construções e Empreendimentos Imobiliários Ltda., ligada à família do ex-deputado federal Edmar Arruda. A construtora está em processo de Recuperação Judicial desde 2015.

A construção do condomínio foi iniciada em 2014 para atender ao programa “Minha Casa Minha Vida” (MCMV). Assistido por meio de financiamento junto ao Banco do Brasil, o projeto possuía prazo de entrega previsto para 2016. Posteriormente, esse prazo foi adiado para 2018. Apesar das famílias terem começado a pagar pelos apartamentos em 2012, as obras nunca foram concluídas. Segundo informações da FNL, o terreno pertencia à prefeitura e não poderia sequer ter sido vendido para este fim.

Na época em que interrompeu a construção, a construtora alegou que o Banco do Brasil havia atrasado os repasses de recursos do MCMV. O banco, por sua vez, desmentiu a acusação e afirmou que a construtora não estava cumprindo o contrato. Como resultado, nenhum apartamento foi entregue às famílias (quase 10 anos após o início das obras) e o empreendimento custou mais de R$ 20 milhões de reais aos cofres do velho Estado. Nem a construtora Cantareira nem o Banco do Brasil querem se responsabilizar pela situação.

Desde então, o conjunto de prédios encontrava-se completamente abandonado, com mato crescido, corredores lotados de entulho de construção civil e dominado pelo tráfico de drogas, consistindo também em um local de consumo dos entorpecentes. De acordo com moradores, o local era uma verdadeira “boca de fumo”. Em menos de três semanas, a população providenciou a limpeza do terreno, retirou o mato, e atribuiu ao local sua verdadeira função social.

Internamente, os prédios apresentam diversos problemas, como infiltrações causadas por telhas quebradas, ausência de portas e janelas e acúmulo de entulhos. Pouco a pouco, os moradores estão providenciando a limpeza do local.

Atualmente, a construtora Cantareira acumula mais de 5 mil processos trabalhistas por situações semelhantes. A empresa já abandonou 16 obras inacabadas no estado, incluindo a rodoviária de Umuarama. Além disso, diversas empresas prestadoras de serviço e de materiais também não receberam o acertado com a Cantareira. Hoje, ex-funcionários da empresa tomam parte na luta por moradia.

Situação dos prédios no dia da ocupação. Foto: FNL

Situação atual dos prédios, após roçada e limpeza. Foto: AND

Corredor de um dos prédios, entulhado com restos de materiais de construção. Foto: AND
Telhado danificado, com telhas quebradas. Foto: AND
 Infiltrações nos corredores em função das avarias no telhado. Foto: AND
Corredor após limpeza dos moradores. Foto: AND

ORGANIZAÇÃO INTERNA DA OCUPAÇÃO

O representante da FNL que recebeu a equipe do AND no local informou que os responsáveis por cada bloco se reúnem semanalmente para discutir as particularidades de cada unidade. Além disso, há também assembleias semanais para todos os moradores da ocupação. 

As famílias constituíram equipes para alimentação, segurança e manutenção, em que todos os integrantes são voluntários. A cozinha comunitária da ocupação, organizada pela cozinheira Silvana, prepara cerca de 500 refeições por dia para as famílias que ainda não têm estrutura nos seus apartamentos

Cozinha e fogão utilizados por Silvana e demais voluntários para o preparo das refeições na ocupação. Foto: AND

FRENTE À ORGANIZAÇÃO POPULAR, A RESPOSTA DO VELHO ESTADO

Para além do esforço de tornar habitável um local completamente abandonado há anos, os moradores enfrentam ainda as dificuldades impostas pelo pelo velho Estado. Contatadas nos primeiros dias da ocupação, as concessionárias de água (Sanepar) e luz (Copel) afirmaram que não ligariam os serviços no local. Na mesma linha, Ismael Batista (DEM), prefeito de Paiçandu, se recusou a contatar os membros da ocupação e proibiu os secretários de irem até os predinhos – termo utilizado pela população do município para se referir ao condomínio.

A primeira cobertura jornalística que foi até o local, ainda na noite do dia 05/01, publicou um vídeo sobre a ocupação no YouTube. O vídeo foi derrubado em menos de 15 minutos. A imprensa reacionária local, por sua vez, se esforça para criminalizar a luta popular por moradia: como parte de sua campanha de criminalização, o monopólio de imprensa já produziu uma reportagem reacionária sobre a ocupação e tentou atribuir aos moradores a responsabilidade por três crimes ocorridos nos arredores da regiã. Enquanto isso, não há uma única menção nas reportagens do monopólio aos diversos moradores que foram demitidos de seus empregos por estarem participando da ocupação.

Por outro lado, a solidariedade popular se faz presente a todo momento. A ocupação já recebeu visitas de moradores do bairro e entorno, que frequentemente levam doações de alimentos, materiais de construção e outros utensílios. Diariamente, ao fim do expediente, um comércio da região doa itens de panificação à Ocupação Dom Helder Câmara.

PERSPECTIVAS FUTURAS

Atualmente, a ocupação está com mais de 1,3 mil moradores e há mais de 500 famílias na fila de espera – o que revela a demanda crescente por moradia em um cenário onde o salário mínimo não é suficiente para pagar aluguel e contas básicas. Quando questionado acerca do objetivo da ocupação, um dos organizadores afirmou que o plano é finalizar a limpeza, reformar o que for necessário e habitar definitivamente o local, realizando parceria com universidades e demais instituições interessadas em contribuir com o desenvolvimento da ocupação. A construção de uma brinquedoteca também está nos planos dos organizadores. 

Imagem em destaque:  Ocupação Dom Helder Câmara, em Paiçandu/PR. Foto: AND

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