Tutela do ACFA ao STF prossegue para cumprir as etapas do golpe militar em marcha. Na foto: Cármen Lúcia e o ex-comandante Villas Bôas (Centro de Comunicação Social do Exército/Divulgação)
Após uma série de declarações dos generais do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) da reserva, o julgamento do Habeas Corpus (HC) de Luiz Inácio foi, na prática, adiado, embora não se saiba por quem.
O processo de HC estava sob vistas pedidas por Gilmar Mendes e foi liberado em meio aos vazamentos de mensagens publicadas pelo The Intercept, que expuseram a conspiração do Ministério Público Federal (MPF) com o ex-juiz.
A princípio, foi noticiado pelo monopólio de imprensa que quem havia colocado o processo do petista no fim da fila foi a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmén Lúcia, o que, na prática, adiaria o julgamento. No entanto, no dia 24 de junho, ela desmentiu e afirmou que não tem “nada a ver” com tal ação, pois não teria tal atribuição, uma vez que só assume a presidência da Segunda Turma no dia 25; insinuou que quem retirou de pauta foi Gilmar Mendes, que, por sua vez, foi justamente quem colocou o processo em pauta anteriormente. O ministro teria inclusive se queixado de tal adiamento, segundo a jornalista Mônica Bergamo.
A dúvida sobre quem tomou tal decisão persiste, e há a suspeita de que isso tenha sido resultado de uma ordem externa ao STF. Dentro da Suprema Corte está o general Ajax Porto Pinheiro, como assessor da presidência, certamente exercendo tutela sobre a instituição desde meados de 2018.
Na Segunda Turma do STF, a expectativa da defesa de Luiz Inácio é que, se julgada hoje, a causa seja ganha por 3 votos a 2, sendo que votariam pela soltura os ministros Gilmar, Lewandowski e Celso de Mello.
Antes dessa confusão, no entanto, os generais do ACFA, em pronunciamentos, já haviam tomado posição respaldando Sérgio Moro e veladamente deram a ordem: não soltar Luiz Inácio.
Generais agitam as baionetas
A resposta mais incisiva veio do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ele afirmou que “querem macular a imagem do doutor Sérgio Moro”, e afirmou que “sua integridade e devoção à pátria estão acima de qualquer suspeita”. Em tom de ameaça, disparou: “Vão ser desmascarados, mais uma vez. O julgamento popular dará aos detratores a resposta que merecem”. A declaração foi publicada em uma rede social.
Augusto Heleno, a propósito, dias antes, após tomar conhecimento de uma entrevista em que Luiz Inácio acusa Bolsonaro de ter forjado o episódio da facada, teve uma reação bastante agressiva em meio a uma reunião no Palácio do Planalto. Na ocasião, ele sugeriu, aos berros e socando a mesa, que o petista seja condenado a “prisão perpétua”.
Outro general reservista que tomou posição bastante explícita contra qualquer soltura do líder do PT foi Villas Bôas, agora assessor especial do GSI. “Do ponto de vista do ministro em si, receio que isso venha a tomar um vulto que prejudique o país”, disse em uma entrevista no Senado, no dia 13 de junho. Ele fez referência e comparou a outro vazamento de conversas que causou instabilidade: a de Joesley Batista e Michel Temer, cujo conteúdo expôs que o líder máximo da República estava repleto de corrupção e gerou uma onda de instabilidade que, inclusive, levou a grande agitação nos quartéis a favor de um golpe militar tradicional.
Villas Bôas, antes, via rede social, já havia se pronunciado brevemente. Na ocasião, declarou que as mensagens dão “margens para que a insensatez e o oportunismo tentem esvaziar” a Operação, numa clara referência à soltura do petista e, consequentemente, de vários outros presos.
O vice-presidente e general Hamilton Mourão também se pronunciou. Ele afirmou que o ex-juiz é uma pessoa “da mais ilibada confiança” e qualificou as mensagens com Dellagnol apenas como “conversas privadas”. Naturalmente, o general não explicou por que em tais “conversas privadas” o Sérgio Moro sugeriu novas operações, coordenou alguns aspectos da atuação do MPF e até ordenou a não participação de uma procuradora em uma audiência.
Já o general e ministro da Defesa, Azevedo e Silva, disse que “o ministro Moro tem a total confiança nossa. Total confiança nossa. Ele é um ministro, ele é um homem de muito respeito e do bem”, recusando-se a tomar posição sobre as mensagens. A declaração foi dada dia 10 de junho.
Antes de ser demitido da Secretaria de Governo, o general e ex-ministro Santos Cruz chamou o vazamento de “ousadia criminosa”, mas não chegou a opinar sobre o conteúdo das conversas. “Não posso falar. Não li nenhuma linha para comentar. Então, não posso te comentar nada. Agora, o que eu acho, do princípio da coisa, é que você não pode admitir essa ousadia criminosa. É só isso”, disse ao G1, no dia 10 de junho.
Ofensiva contrarrevolucionária e golpe militar
Como temos analisado, a “Lava Jato”, em 2014, foi o início da ofensiva contrarrevolucionária – sob a forma de golpe militar – desatada pelo núcleo do establishment com o objetivo de “lavar a fachada” do sistema político, buscando salvá-lo da profunda falta de credibilidade popular e legitimidade. Tal núcleo é composto por grandes banqueiros e donos de corporações do agronegócio, pelo ACFA, pela cabeça dos monopólios de imprensa e pelo seleto grupo de procuradores e da Polícia Federal, treinados pelo FBI
Toda a ofensiva tem por objetivo prevenir e se antecipar ao levante de massas que rebentará contra as medidas antipovo aplicadas para salvar o capitalismo burocrático às custas de maior exploração. Medidas que um governo petista, apesar de reacionário e oportunista, não poderia aplicar na rapidez e profundidade exigidas pelo imperialismo, por isso seu chefe está preso, sob ordens do ACFA.
O vazamento das mensagens – a que tudo indica realizado para pressionar o STF a soltar Luiz Inácio – alimenta a briga entre a direita (hegemônica no ACFA) e a extrema-direita (grupo de Bolsonaro). O ACFA e seus generais lançam ameaças e ordens veladas ao STF para que não seja solto o líder petista porque, antes de mais nada, temem que isso gere uma grande agitação nos quartéis (especialmente na baixa oficialidade) contra o STF e a favor de culminar o golpe pela via fascista; temem perder controle da tropa e da direção da ofensiva para o grupo de Bolsonaro. O ACFA, embora dirija um golpe militar, quer levá-lo dentro dos marcos constitucionais o máximo possível para não criar um campo de resistência e instabilidade, mantendo as instituições, porém sob um funcionamento servil.