No dia 30 de maio, o Congresso Nacional brasileiro aprovou o pró-latifúndio e anti-indígena Projeto de Lei 490, o chamado “marco temporal”. Durante todo o dia de votação, vigorosos protestos indígenas ocorreram de Norte a Sul do país contra a medida, que inviabiliza quase completamente a demarcação de novas Terras Indígenas (TIs) e impede a expansão das atualmente demarcadas.
As manifestações envolveram indígenas de diversas etnias e ocorreram em ao menos dez estados numa só exigência: terra para os indígenas. Ocorrida no mesmo dia em que foi aprovado o PL, a resistência indígena com cortes de rodovias deve prosseguir ao longo dos dias até a derrubada do “marco temporal”. Ela é continuidade das lutas de autodemarcação dos povos indígenas que, em várias aldeias, não esperam pelas instâncias burocráticas do velho Estado brasileiro burguês-latifundiário e tomam seus destinos em suas próprias mãos.
Em São Paulo, mais de 100 indígenas bloquearam a rodovia Bandeirantes durante um protesto que foi brutalmente reprimido pela tropa de Choque da Polícia Militar (PM) com canhões de água, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo. A continuação da repressão continuou durante a madrugada e foi até a manhã do dia seguinte, quando PMs impuseram um cerco e invadiram, de maneira ilegal, a TI Jaraguá, que foi ponto de concentração da combativa manifestação do dia 30/05.
No Ceará, indígenas dos povos Anacé, Tapeba, Pitaguary, Potyguara, Kariri e Tabajara protestaram. As manifestações bloquearam trechos das rodovias CE-085, CE-250 e CE-222. Na Bahia, indígenas bloquearam a BA-001, em Ilhéus, durante uma manifestação que durou 6h, entre 14h e 20h. No mesmo estado, uma manifestação bloqueou a rodovia BA-101, em Camacan, por 3h contra o marco temporal. Ainda na região Nordeste, manifestações foram registradas em dois pontos da BR-316, no estado do Maranhão.
Na região Norte, os indígenas protestaram contra o marco em Rondônia, Pará, Amazonas e Acre. Em RO, indígenas de diversas etnias fecharam o trecho sobre o rio Candeias da BR-364, principal rodovia do estado. Os manifestantes ergueram faixas com a consigna Não ao marco temporal! e incendiaram toras de madeira e pneus. No PA, dezenas de indígenas interditaram um trecho da BR-222 com pneus e troncos de madeira, no município de Bom Jesus, sudeste do estado. A manifestação foi iniciada às 15h e durou em torno de 3h30. A capital paraense, Belém, também foi palco de protestos. Na cidade, os manifestantes condenaram o marco temporal em uma marcha da Escadinha das Docas até a Praça da República.
No AM, parte da BR-320, a Rodovia Transamazônica, foi interditada no início da tarde por povos indígenas do município de Lábrea e Humaitá. No AC, manifestações de indígenas com cartazes contra o marco temporal foram registradas na BR-364, entre os municípios de Tarauacá e Cruzeiro do Sul.
No Distrito Federal, indígenas concentraram-se em frente à Biblioteca Nacional de Brasília e marcharam até o Congresso Nacional com cartazes e faixas contra a PL 490. No Mato Grosso, manifestantes do povo Kayapó fecharam a BR-322 e bloquearam a passagem de uma balsa no rio Xingu.
Na região Sul do país, os povos Guarani e Kaingang bloquearam trechos da BR-285 nos municípios de Gentil e Iraí, no norte do Rio Grande do Sul. A BR-383, no município de Iraí, também foi interditada pelos manifestantes. Protestos foram registrados também na RSC-480.
Benefício ao latifúndio
A grande resistência empreendida pelos povos indígenas de todo o Brasil é indício do grau de rechaço ao “marco temporal” e o PL 490 aprovado às pressas no congresso. O projeto agora tramita no Senado e o tema ainda deve ser votado no STF nos próximos dias. Ao impedir a expansão das TIs e inviabilizar quase por completo a demarcação de novos territórios, o PL 490 favorece descaradamente os intentos expansionistas do latifúndio e do “agronegócio” em detrimento de centenas de milhares indígenas que carecem de um lugar para viver, plantar e cultivar seus modos de vida tradicionais.
Só a luta pela terra, travada de forma combativa e sem amarras ou ilusões com o velho Estado brasileiro, poderá garantir aos povos indígenas o direito à terra e uma demarcação territorial em sintonia com suas próprias reivindicações. Desde o início do ano, milhares de camponeses e indígenas se lançam cada vez mais nesse caminho. Foram dezenas de ocupações de terra e protestos em defesa dos territórios e Retomadas indígenas. O recente ataque do latifúndio e seus serviçais no velho Estado só farão aumentar essa explosão da luta pela terra no país.