Ao menos 49,2% das pessoas da América Latina e Caribe passaram fome ao longo do ano de 2021, segundo um novo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). Em números reais, isso significa que 324,4 milhões de pessoas passaram fome na América Latina e no Caribe ao longo do ano de 2021, quando considerados todos os níveis de gravidade de fome ou “insegurança alimentar” apresentados no relatório.
De acordo com os dados, 40,6% das pessoas da região estão em estado de insegurança “alimentar ou grave”, enquanto 8,6% estão em estado de fome. Em números reais, os dados significam que 56,7 milhões de pessoas passam fome e 267,7 milhões de pessoas estão em estado de “insegurança alimentar moderada ou grave” (eufemismo utilizado pelas organizações do imperialismo com o objetivo de encobrir o número de pessoas que passam fome). O número representa um aumento de 16% no número de pessoas em “insegurança alimentar moderada ou grave”, se comparado a dados de 2014, e um aumento de 2,8% de pessoas que passam fome, se comparados a dados de 2015.
O relatório afirma, ainda, que o aumento da fome foi maior na América Latina e no Caribe que no resto do mundo. Enquanto 40,6% está em estado de “insegurança alimentar moderada ou grave” na América Latina e Caribe, a média mundial é de 29,3%.
Segundo as organizações que elaboraram o relatório (Programa Mundial de Alimentos, Organização Panamericana da Saúde, Organização Mundial da Saúde, Unicef, ONU e Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola), a “insegurança alimentar moderada” é o estado no qual pessoas passam por incertezas em relação à alimentação e são obrigadas a reduzir a quantidade de comida ingerida. Já a “insegurança alimentar grave” corresponde à situação em que uma pessoa pode passar um ou até mais dias inteiros sem comer.
ALTOS ÍNDICES DE OBESIDADE E ANEMIA
Além da fome, doenças resultantes dessa mazela cresceram ou se mantiveram em altos índices entre a população da América Latina e Caribe nos últimos anos. A obesidade, que pode levar ao desenvolvimento de hipertensão, dificuldades respiratórias, fraqueza óssea e princípios de doenças cardiovasculares, aumentou significativamente entre os anos de 2000 e 2016 (ano mais recente deste índice avaliado no relatório). A condição médica aumentou em 7,2% na América do Sul, 8,2% na América Central e 9,5% no Caribe. Ao todo, a obesidade atingiu 24,2% da população da América Latina e Caribe em 2016.
A relação da obesidade com a fome está ligada à qualidade da comida ingerida. Com o aumento da pobreza, é comum que as famílias optem por alimentos mais baratos e que são, geralmente, ultraprocessados e nada nutritivos. Assim, a dieta conta cada vez menos com carboidratos complexos e cada vez mais com alimentos ricos em gorduras e açúcares simples. Somente entre 2019 e 2020, o custo de uma dieta saudável na América Latina e Caribe aumentou 3,4%. Em 2020, em torno de 131 milhões de pessoas não puderam arcar com os custos de uma dieta nutritiva na região.
Além da obesidade, destaca-se o alto número de anemia entre as mulheres de 15 e 49 anos. Ao menos 17,2% das mulheres nessa faixa de idade da América Latina e Caribe sofrem desta condição médica. Entre os continentes, o índice se divide em 17,3% para a América do Sul, 14,6% para a América Central e 29,2% para o Caribe.
IMPERIALISMO, CAPITALISMO BUROCRÁTICO E LATIFÚNDIO EMPURRAM O POVO À FOME
Não é coincidência que os índices de fome na América Latina e no Caribe estejam mais elevados que a média da fome mundial, assim como não foi coincidência que, no último relatório produzido sobre a fome no mundo, os países mais destacados fossem da América Latina e Caribe, África e Ásia.
A razão desta correlação está na condição dessas nações oprimidas: países coloniais ou semicoloniais submetidos econômica, política, militar e culturalmente ao imperialismo. O capitalismo burocrático que se desenvolve nestes países conserva o caráter semifeudal da produção no campo (latifúndio, seja o de velha ou de nova roupagem) e é base do desenvolvimento de uma grande burguesia serviçal ao imperialismo. Isto é, por mais que problemas como a pandemia de coronavírus ou a guerra de agressão russa à Ucrânia possam ter contribuído para o aumento da fome (como buscou justificar o relatório), os altos índices dessa mazela não se originam e nem se limitam neles.
Dessa forma, os milhares de hectares de terra concentrados nas mãos de poucos latifundiários servem única e exclusivamente para a exportação de bens primários (commodities), seja por meio da monocultura ou pela mineração. O mercado interno, por sua vez, se torna esvaziado, abastecido em sua grande maioria pelos pequenos e médios produtores do país, que vivem endividados pela falta de incentivo e são constantemente acossados pelo latifúndio ou empresas imperialistas. Soma-se à esse cenário uma massa enorme de camponeses sem terra que se vêem forçados a trabalhar nos latifúndios em relações semifeudais de produção (como o barracão) ou a abandonarem o campo e se mudarem para a cidade, onde são absorvidos nos trabalhos mais precários (explorados pela grande burguesia) ou vivem no desemprego.
Frente a essas condições atrozes de vida, cada vez mais as massas se levantam na luta pelos seus direitos e por melhores condições de vida. No Brasil, o número de famílias em luta pela terra cresceu 558,57% somente no ano de 2020. Na Amazônia peruana, boliviana, brasileira e colombiana, ao menos 670 mil pessoas estão envolvidas em conflitos em busca da conquista de um pedaço de terra para viver e trabalhar. Nas cidades da América Latina, saques a mercados e centros de abastecimento deixam claro que o povo não aguenta mais viver em um regime de fome, miséria e exploração.
Imagem em destaque: 324,4 milhões de pessoas passaram fome na América Latina e Caribe em 2021. Foto: Reuters/Carlos García Rawlins