Apesar da profunda proximidade entre os povos latino-americanos, desde a comum matriz ibérico-católica na colonização, a miscigenação e os idiomas similares, até aos percalços vividos no pós-independência, o subdesenvolvimento e a dominação imperialista primeiro pelos britânicos e depois pelos estadunidenses, ao assistirmos as manifestações populares nos países de língua espanhola quase sempre nos deparamos com um tipo de bandeira bem diferente das que vemos aqui: a Bandeira Nacional. Seja em Cuba, Guatemala, Venezuela ou Chile, direita e esquerda, situação e oposição, se orgulham de cobrir-se no manto dos seus libertadores e mártires. Diferente do Brasil, onde, devido às particularidades que remontam à forma política que assumiu própria independência e a instrumentalização do patriotismo pela direita mais antinacional (aquela mesmo que realizou o Golpe Militar contra o regime nacionalista de Jango e exilou toda uma geração de nacionalistas), nesses países não é estranho ver jovens encapuzados enfrentando os blindados da polícia com a bandeira nacional em mãos e mesmo a adoção de termos “patriota” e “nacional” ao nome de suas agremiações políticas.
Contemporaneamente, “patriota” se tornou sinônimo da trupe tragicômica de apoiadores mais acríticos de Bolsonaro e o “nacional” se perdeu num limbo político, considerada muito “fascista” para uma esquerda pós-moderna e muito “estatizante” para os “patriotas” acima descritos. Dessa forma, os debates considerados nacionais, ou seja, àqueles que visam a afirmação da soberania brasileira contra forças estrangeiras, é secundarizado e legado à pequenos rincões intelectuais, geralmente apartados da vida do povo. Este, que no caso, deveria ser o principal interessado no fortalecimento da soberania nacional, visto que não irá para Miami se tudo der errado como fazem certos patriotas.
No meio militar, historicamente se agita em defesa da Amazônia frente à sanha expansionista das potências estrangeiras, tão utilizadas durante o Regime Militar através do slogan: “Integrar para não entregar”. Culpam-se ONGs, certos índios, movimentos camponeses e até irrelevantes adolescentes nórdicas de conluiar-se à interesses ocultos de internacionalização da Amazônia, ainda que, talvez, devido aos seus próprios conluios do meio político-militar, estes nunca possam nomear os verdadeiros estrangeiros interessados em apoderar-se dessas riquezas. Sempre seguem sendo forças ocultas.
Somam-se a esses, nos escalões inferiores das FA, como em círculos nacionalistas e de estudos geopolíticos de afiliação pró-russa, abordagens um pouco menos pragmáticas e, por vezes, defumadas de incensos orientais e teorias heterodoxas, que a despeito dos devaneios no campo da epistemologia consegue ser mais precisa que o grupo supracitado em elencar com mais rigor (não tanto) os interessados em alienar nossa soberania: o “globalismo” e o “atlantismo” que penetram pelos nossos poros por meio de ONGs manejadas pelo “deepstate” estadunidense no objetivo de concretizar sua Nova Ordem Mundial (NWO) através do Great Reset. Naturalmente pelos limites de concepção médio-burguesa, um tanto esclerosada pela decadência econômica, esses grupos evitam de fazer um recorte de classe desses sujeitos interessados em nos tomar a Amazônia, reduzindo-os a pequenos grupos de oligarcas interesses ideológicos quase na qualidade de cabalas conspiratórias ou irmandades iniciáticas.
De comum nessas análises podemos destacar dois pontos: 1º) o excessivo conspiracionismo daqueles que não podem admitir que seus interesses materiais de sua classe são bem parecidos (à devida proporção) que o dos que ambicionam tomar nossa Amazônia: reproduzir o seu capital, preferencialmente sob o regime de monopólio; 2º) desconsideram totalmente o povo, particularmente o campesinato, em suas equações. Na primeira concepção, herdeira da famigerada Doutrina de Segurança Nacional o povo pobre (em especial o da região Amazônica) é inclusive um potencial inimigo a ser combatido; enquanto na outra sua posição é relegada a condição de massa de manobra, nunca de protagonista. Por isso as duas teorias são fundamentalmente falhas.
E, não apenas o povo é maior interessado no fortalecimento da soberania nacional, como é ele também o principal responsável por ela. Não apenas cedendo seus filhos para a defesa da terra, mesmo quando os governos oficiais capitulam ao invasor, isso mostra a história das guerrilhas pelo mundo, mas em sua própria atividade. É o trabalho que faz que um pedaço de terra se desenvolva produção e civilização subsequente e é o povo instalado em um determinado espaço que o territorializa e produz uma identidade que dialeticamente irá produzi-lo também. Enquanto as classes dominantes, geralmente, preservam sua identidade prévia (vide as dinastias europeias que conseguem rastrear seus ascendentes desde mil anos atrás), o povo que mal se recorda de quatro gerações de sua família no passado.
Neste artigo, ao combater as teorias já mencionadas, pretende-se mostrar como são as classes populares, em particular o campesinato, o verdadeiro baluarte não apenas da nacionalidade como da soberania nacional.
Campesinato enquanto potência territorial da Nação
A princípio, antes da Revolução Industrial, a população humana era fundamentalmente rural. Todos os grandes episódios mencionados na história, da construção das Pirâmides, a antiguidade grega, conquistas romanas, invasões bárbaras e o Medievo foram operadas principalmente por populações rurais polvilhadas de pequenas concentrações urbanas com papeis administrativos, cerimoniais religiosos e mercantis. A título de comparação, as grandes cidades da Antiguidade e Medievo: Babilônia, Roma e Tenochtitlán (capital asteca), em seu auge, tinham populações similares, respectivamente, às modestas Araçatuba – São Paulo, São Gonçalo – Rio de Janeiro e Rio Branco – Acre. A maior parte da população vivia no campo e se dedicava a agricultura e pecuária. Os camponeses, distribuídos por todo o território de seus estados eram a base da principal atividade econômica a agricultura, da arrecadação e base dos exércitos.
Somente com a Revolução Mercantil que marcou o declínio do feudalismo e a posterior Revolução Industrial que operar-se-á um grande Êxodo Rural responsável não apenas por inverter a correlação demográfica campo-cidade, a princípio, na Europa como ainda povoar a América, Oceania e partes da África entre os séculos XVI e primeira metade XX, entre colonos e imigrantes, cuja origem foi predominantemente camponesa. Na América recém-independente novamente o camponês, ou seja, pequeno proprietário ou arrendatário rural, será peça importante da consolidação do poder nacional sobre seu território, na maior parte pouco povoado.
Nos EUA, fruto de duas revoluções burguesas vitoriosas, a primeira anticolonial (1775-1783) e a segunda anti-latifundiária especificamente nos estados do Sul durante a Guerra Civil (1861-1865), o campesinato foi a força motora da expansão para o Oeste: militar no sentido de que compusera o grosso das tropas milicianas (o exército estadunidense foi diminuto durante a maior parte do século XIX) que lutaram com os mexicanos e índios e expandira a soberania estadunidense por todo o Oeste; e econômico-demográfico no sentido de povoar e criar atividade econômica em suas parcelas de terra concedidas através do HomesteadAct de 1860. O intenso fluxo de colonos no sentido Leste-Oeste, ainda garantiu nas cidades do nordeste estadunidense, até meados do século XX o coração indústria do país, uma baixa concorrência pelos postos de trabalho urbanos o que manteve os salários mais altos e atrativos, impulsionando ainda mais a imigração europeia para os EUA.
Já no Brasil, onde vigorou o modelo latifundiário, que demandava grandes concentrações de mão-de-obra para o trabalho na produção de monoculturas para exportação, foi necessário o uso de formas de trabalho coercitivas (escravidão) ou semicoercitiva (servidão e semisservidão) para garantir que haveriam braços disponíveis para as extensas lavouras. Assim ainda que a princípio, suprissem as demandas mais imediatas da economia nacional (ou seja do latifúndio), comprometeram estrategicamente a dispersão da população pelo território. Permaneceram grandes vazios demográficos no interior do país, somente parcialmente sanados com o incentivo a imigração que surtiu mais efeito nas regiões onde foi garantido o direito do imigrante ao estabelecimento da pequena propriedade de terra, principalmente Sul do Brasil, devido a importância estratégica de garantir a presença brasileira na região platina contestada pela Argentina e Paraguai ao longo do século XIX. Somente no século XX, com a libertação de parte do campesinato das relações de trabalho coercitivas e semicoercitivas concomitante à sua expulsão do campo que foi liberada um contingente populacional superior para empreender o Ciclo da Borracha, a Marcha para o Oeste e a Conquista da Amazônia com a promessa da conquista da propriedade da terra. Contudo devido ao aparelhamento do estado pelo latifúndio (coronelismo) o Brasil perdeu a chance de realizar seu Homestead Act1 e terminou por reproduzir o modelo latifundiário no Oeste e Norte do Brasil.
Assim, enquanto os EUA distribuíram sua população dos núcleos originais no Leste para o Oeste, ao ponto de que hoje o estado mais populoso e com maior PIB está na costa Pacífica: a Califórnia; o Brasil ainda tem mais de 80% distribuída a leste do meridiano de Tordesilhas (fronteira proposta por um tratado de 1494 entre Portugal e Espanha) e apenas na região metropolitana de São Paulo hajam mais habitantes que na Amazônia Legal (60% do território do Brasil). O camponês, devido ao seu potencial demográfico, superior ao dos urbanos, é sobretudo um elemento de reforço a soberania nacional, interiorizando a atividade econômico e alargando a soberania pelos sertões de um país ainda há de colonizar seu próprio território. O que nos leva ao próximo item.
Campesinato enquanto potência demográfica da Nação
Seja nos países imperialistas como em suas semicolônias mais industrializadas, o processo de urbanização na população realizou intensas transformações em seu regime demográfico. Enquanto populações eram predominantemente rurais, altas taxas de natalidades se aliavam a altas taxas de mortalidade. As mulheres dedicavam boa parte de sua vida reprodutiva a geração de uma extensa prole que se sobrevivesse a elevada mortalidade infantil era rapidamente integrada a produção econômica primeiro sob o regime familiar e depois social. Abundam casos no interior de adolescentes que antes dos 15 já haviam posto os pés na estrada para ganhar o sustento. Ainda hoje em países do Sahel2, na África, os mais subdesenvolvidos (e rurais) do mundo, existem taxas de fecundidade (filhos por mulher) de 6,7 e 8.
A partir da urbanização e da subsequente integração da mulher integrada a produção social e o meio doméstico reduzido a condição de dormitório, a prole extensa deixa de desempenhar qualquer função econômica significativa e se torna – objetivamente – um empecilho à carreira de mãe e um dreno de no mínimo duas décadas nos recursos familiares, assim jogando as taxas de natalidade e fecundidade para baixo. No Brasil, as taxas de fecundidade urbanas e rurais sempre destoaram: em 1970 a taxa de fecundidade no meio rural era 7,7 e no meio urbano era 4,6; em 1980, respectivamente, foram de 6,4 e 3,6; em 1990, 4,4 e 2,5; em 2000, de 3,6 e 2,1; e no último Censo de 2010 foi de 2,6 e 1,7 – abaixo dos 2,1 necessários para reposição populacional. Entre os povos indígenas a fecundidade é ainda maior. Naturalmente além da urbanização, entre as causas da redução da fecundidade, estão questões culturais, a generalização dos contraceptivos e a proletarização parcial do campesinato. A despeito de etimologicamente proletariado significar aquele que detêm apenas sua prole, esta também vem diminuindo.
Devido a essa queda abrupta na fecundidade brasileira, aliada ao dreno de recursos humanos que é a emigração de brasileiros (geralmente jovens promissores) para o estrangeiro, estima-se que em 2029 nossa população, já mal distribuída pelo território nacional, irá começar a declinar. O fenômeno urbano no capitalismo, particularmente neste período de profundas crises e distúrbios, assume um aspecto vampiresco ao depender seu crescimento do dreno populacional dos campos. Recorda o modo de produção escravista, que em sua adoção clássica na Antiga Grécia e Roma, como na reedição na América Colonial, demandou um constante fluxo de escravos para manter-se produtivo. Já tratamos um pouco desse tema em “Brasil e o anecúmeno capitalista: comentários iniciais sobre os dados do Censo 2022”
Não podendo contar com a mesma injeção demográfica estrangeira, o Brasil parece caminhar em direção ao destino dos países do leste europeu que assistem bestializados o próprio definhamento da população ainda somado as perdas emigratórias. O campo que, devido às características da produção camponesa, poderia reverter, ou no mínimo mitigar este processo, expulsou sua população para a cidades e condenou os remanescentes a condições de existência miseráveis que desestimulam a geração de famílias extensas. No meio político brasileiro, cujas vertentes, a despeito da polarização anunciada, são igualmente anti-pátria e anti-povo, se ignora a iminência de uma crise demográfica com efeitos nocivos à atividade econômica, a manutenção da previdência e à própria economia nacional.
Papel do campesinato na libertação nacional ou enquanto potência militar da Nação
Aqui poderia se citar fartamente Mao Tse Tung, Ho Chi Minh, Che Guevara ou mesmo Franz Fannon para validar confirmar o papel fundamental desempenhado pelo campesinato nos processos de libertação nacional, contudo serão citados três teóricos do imperialismo opostos à libertação nacional: os estadunidenses Samuel P. Huntington (1927-2008) e Henry Kissinger (1923-2023)e o alemão Gunnar Heinsohn (1943-2023).
O primeiro, mais conhecido pela formulação do conceito de “Choque de Civilizações”, em seu menos “Ordem Social em Sociedades em Transformação”, escrito nos fins da década de 1960, considerava o campesinato a classe social mais perigosa nos países subdesenvolvidas, capaz de fornecer substantivos apoio humano à subversão. Para solucionar este problema considerou “menos danosa” a realocação da população das cidades para os centros urbanos, onde caso seu potencial explosivo fosse deflagrado, os riscos a ordem instituída seriam menores. Inclusive, por isso, defendeu o bombardeio massivo de áreas rurais do Vietnã do Sul no intuito de forças os Vietcong a migrarem para as cidades e, subsequentemente, serem abatidos pelas tropas ianques.
Também no escopo da Doutrina de Segurança Nacional – DSN temos Henry Kissinger que em seu famigerado relatório, o “National Security StudyMemorandum 200”, chamado popularmente de Relatório Kissinger, periodicamente relembrado por grupos antiaborto quando necessitam de uma demão geopolítica para seus argumentos de matriz religiosa, defendeu de forma urgente o controle populacional dos países de Terceiro Mundo para alterar a estrutura demográfica de seus países para o interesse. De acordo com ele a “economia dos EUA exigirá grandes e crescentes quantidades de minerais do exterior, especialmente de países menos desenvolvidos” epara manter os fluxos minerais desses países para os EUA sem perturbações seria desejável “o crescimento lento ou nulo da população” lá para reduzir a pressão populacional sobre esses bens. Em síntese: “neomalthusianismo para eles, recursos para nós” como apontamos em “Brasil e o anecúmeno capitalista (parte 2): os acólitos de Moloch”.
Para além da população em números absolutos, para Kissinger, outro problema aos interesses estratégicos dos EUA na demografia alheia seria o percentual dos jovens na população dos países do terceiro mundo. Os perigosos jovens segundo o geopolítico estadunidense: “estão em proporção bem maior elevadas em muitos países menos desenvolvidos, tendem a ser mais voláteis, instáveis, sujeitos a extremos, alienação e violência do que uma população mais velha”. Em última instância Kissinger compartilha o estereotipo do jovem guerrilheiro e para preveni-lo o considera ponderável reduzir o número de jovens em geral.
De forma similar, Gunnar Heinsohn, ainda que com menos crédito que os dois últimos autores, também enxergou nos jovens a centelha da violência. Sua teoria atribui ao excesso de jovens na idade masculina a causa de guerras, porque a princípio não teriam atribuições econômicas pacíficas na sociedade suficiente para esses, então estaria à disposição de agrupamentos sectários. Como os autores anteriores a política é abstraída da equação para não ter que evidenciar sua própria posição política pró-imperialista. Entre suas falas famigeradas estava a defesa da interrupção do envio de ajuda humanitária a África para evitar o crescimento de sua população e as futuras levas de imigrantes.
De facto, considerando os limites da economia camponesa diante de seu crescimento demográfico, é bem provável que descendentes de uma família numerosa não conseguirão buscar sustento nas terras familiares e terão de buscar outras atribuições – quiçá militares. Historicamente, foi associado aos nobres cadetes (filhos não primogênitos, privados do direito a herança pela lei feudal) a empreitada cruzada, assim como o excedente geracional camponês na expansão da fronteira agrícola como colonos ou posseiros. Também em vários países onde a guerras de libertação foram bem sucedidas Argélia, Afeganistão e Vietnã, entre outras coisas em comum, existiram protuberância juvenil bem evidente na pirâmide etária, cuja base parte fundamental era fornecida pela população camponesa. O que era muito bem conhecido pelos três autores acima e pelos seus leitores do Regime Militar de 1964 que em nome da “Segurança Nacional” – vale perguntar de que nação? – esterilizaram mulheres brasileiras contra sua vontade.
Conclusão
Apesar de toda elocubração teórica e mistificação midiática em assimilar a defesa do latifúndio em sua fase contemporânea a qualquer patriotismo ou nacionalismo, é na sua antípoda, no campesinato, que essas doutrinas podem ganhar alguma projeção concreta. Sabia muito bem disso as primeiras gerações de pensadores brasileiros ao refletir sobre a problemática nacional, em que pese suas diferenças e, no caso de alguns, as limitações, como Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Carlos Marighella, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro, por isso todos foram defensores abertos de uma reforma agrária que não apenas sanasse injustiças como reconfigurasse a estrutura do campo brasileiro e criasse mercado consumidor para os produtos de uma indústria. À época o campesinato era a maior parte da população e sofria com a introdução do capitalismo em um campo que mantinha um substrato feudal, que os levou a migrar massivamente para as cidades.
Passados meio século, a população urbana é indiscutivelmente superior a rural, uma parte considerável da intelectualidade progressista parece se conformar com o modelo latifundiário no campo e o entendem como uma realidade imutável. Teoricamente o Brasil estaria condenado a cultivar 4 ou 5 commodities, transformar nossas florestas em pastos e concentrar nossa população em meia dúzia de metrópoles caóticas. O camponês pode virar operário, mas este processo seria irreversível. Supostamente, o urbano nunca poderia se ruralizar. Caberia ao campo progressista, além das pautas comportamentais, apenas garantir reservas indígenas e algum subsídio para os agricultores orgânicos produzirem orgânicos para a intelectualidade urbana.
Novamente, poderia se citar experiências socialistas na China e Indochina sobre a ruralização de populações urbanas, contudo retomaremos uma experiência ainda no âmbito do capitalismo: o estado de Israel. Quando ainda a Palestina era uma colônia de povoamento britânica e o movimento sionista trazia judeus perseguidos na Europa para concretizar seus planos de criação de um estado judaico no Oriente Médio, se identificou a necessidade de criação de um campesinato judeu para produzir alimentos para a comunidade crescente. Como fazer com que judeus que viveram em guetos nas cidades da Europa nos últimos mil e quinhentos anos se convertessem em produtores rurais? A solução encontrada pelos sionistas foram os kibutzim3, fazendas comunais com estrutura cooperativa, que não apenas garantiram a ruralização de uma população judaica como produziram avanços tecnológicos como a irrigação por gotejamento. Hoje os kibutzim são praticamente inexistentes, mas cumpriram o papel de criar uma massa rural israelense, que também é caracterizada pela maior taxa de fecundidade.
Não seria muito absurdo, principalmente na atualidade onde o “teletrabalho” já é uma realidade para certas carreiras, o incentivo a ruralização da população para reduzir o inchaço urbano, povoar o interior do país e favorecer o crescimento populacional. Isso claro, enquanto existirem suficiente divisões entre cidade e campo. A ruralização de parte da população não é um fim em si mesmo, contudo uma demanda surgida em razão da expulsão de camponeses no campo o objetivo de corrigir desigualdades regionais, o inchaço urbano como impedir, aliado a outras medidas, as quedas nas taxas de natalidade.
- Lei estadunidense de incentivo ao povoamento do Meio Oeste que favoreceu o estabelecimento de pequenas e médias propriedades. Através desta lei qualquer chefe de família com mais de 21 anos poderia requerer a posse de um terreno de 160 acres – 64 hectares – e caso em 5 anos provasse tê-lo provado produtivo ele receberia a propriedade definitivo. ↩︎
- Área semiárida da África que margeia o deserto do Saara ao sul. Outrora sede de importantes impérios como o Kanem-Bornu, Sokoto, Songai e Máli, hoje, após o domínio colonial francês e sua continuação semicolonial através de vários meios (presença de tropas, controle da emissão de moeda e presença de grandes empresas que exploram seus ricos recursos naturais a preços ínfimos), é a região mais miserável do mundo. ↩︎
- Do hebraico “reunião” ou “juntos”. Eram comunidades estabelecidas pelos sionistas a partir do fim do século XIX onde havia a propriedade coletiva da terra e dos bens para seus assentados. ↩︎