Reclusos fazem fila durante uma operação de segurança sob a vigilância da polícia na prisão de Izalco, em El Salvador
Rebeliões irromperam em presídios do mundo inteiro ao final de abril, diante da ameaça direta à vida dos prisioneiros que é o coronavírus e sua rápida disseminação. Os presos, já vivendo em condições miseráveis, prisões superlotadas e sem estrutura, se revoltaram em diversos países da América Latina, como Venezuela, Peru e Colômbia, entre outros, assim como em Serra Leoa e Estados Unidos (USA).
Venezuela
Uma rebelião em um presídio no estado venezuelano de Portuguesa deixou pelo menos 46 pessoas mortas e 60 feridas, no dia 2 de maio.
Beatriz Giron, diretora do Observatório Venezuelano de Prisões, disse que 46 corpos foram identificados após a revolta na penitenciária de Los Llanos. A ministra responsável pela administração de presídios do país, Iris Varela, disse ao jornal local Últimas Notícias que o incidente resultou de uma tentativa de fuga e que o diretor da prisão foi baleado e ferido. A rebelião ocorreu após os familiares de presos serem proibidos de levar comida durante a visita, para “impedir a propagação do coronavírus nas prisões superlotadas”.
Serra Leoa
Um motim eclodiu no presídio de Pademba Road, em Freetown, no dia 29 de abril. Prisioneiros atearam fogo em vários prédios e confrontaram os guardas. A polícia e as forças de repressão interviram para reprimir a rebelião, utilizando armas de fogo, sendo que várias dezenas de detentos foram feridos. A prisão de Pademba, que foi projetada para abrigar 324 detentos, agora abriga mais de 1 mil.
Peru
A Covid-19 deixou até agora pelo menos 15 prisioneiros mortos e mais de 500 infectados nos presídios superlotados do Peru, sendo que grandes rebeliões aconteceram em prisões do país, no dia 27 e 28 de abril, diante da ameaça do vírus à vida dos presos.
Na prisão de San Juan de Lurigancho, em Lima, no dia 28 de abril, os detentos realizaram uma manifestação para exigir testes para o coronavírus. A prisão é mais superlotada do país.
Os prisioneiros subiram no telhado para exibir faixas anunciando, entre outras coisas, que vários deles apresentavam sintomas da doença. Os presos também denunciaram o tratamento desumano que receberam dos guardas, que não hesitam em tirar proveito da situação, por exemplo, vendendo máscaras por 25 soles (8 dólares) dentro da prisão.
Na prisão Miguel Castro Castro, em Lima, dezenas de detentos em três alas queimaram colchões e penduraram cartazes exigindo a libertação no dia 27/04. Três prisioneiros morreram durante o motim, “sem que fossem especificadas a causa de suas mortes”. Cerca de 200 policiais interviram, utilizando bombas de gás e munição viva. A prisão de Castro Castro abriga 5,5 mil pessoas, apesar de sua capacidade ser para 1.140 detentos.
Outra rebelião eclodiu horas antes na cadeia da cidade andina de Huancayo, cerca de 200 quilômetros a sudeste de Lima, depois que dois prisioneiros morreram de coronavírus. O levante também foi reprimido pelas autoridades. O presídio Huancayo abriga 2,1 mil detentos, mas tem capacidade para 680. No Peru, há 97,5 mil prisioneiros em 68 prisões.
Colômbia
No dia 28 de abril, as “autoridades” do departamento de Meta, onde fica a prisão de Villavicêncio, haviam declarado que dos 184 contagiados no departamento, 144 dos casos foram na prisão. A prisão de Villavicêncio tem 1.776 presos, mas capacidade para apenas 899.
Na prisão de Villavicêncio, com o crescente número de infectados e três mortos, a resposta do governo foi militarizar e cercar a prisão.
Em um vídeo publicado pela Corporacion Solidaridad Jurídica, divulgado pela Redfish em 27 de abril, presos da prisão de Combita, distrito de Boyacá, protestam contra o estado de exposição a que estão sujeitos sendo prisioneiros em uma pandemia.
O Redfish também cita que vários dos presos colombianos são ex-membros do grupo armado das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que após o “acordo de paz” firmado com o velho Estado teve seus ex-membros perseguidos e presos, mesmo que no acordo constasse que tal coisa não aconteceria.
Já, em 22 de abril, familiares de presos e os detentos de La Picota protestaram contra as condições a que os detentos estavam expostos, principalmente durante a pandemia da Covid-19.
Familiares de prisioneiros protesta na prisão La Picota, em Bogotá, exigindo que o governo do presidente Ivan Duque tome medidas urgentes para evitar uma disseminação maciça da pandemia da COVID-19 nos presídios. (Juancho Torres – Agência Anadolu)
No início de abril, dezenas de presos de Cómbita, em Boyacá, iniciaram greve de fome pela situação sanitária precária, sem máscaras suficientes, água potável ou um protocolo para enfrentar a pandemia.
Em 21 de março, 23 presos foram assassinados e mais de 80 ficaram feridos após um motim feito pelos prisioneiros contra as más condições sanitárias na prisão de La Modelo, na capital. Os presos de La Modelo, assim como os das outras prisões, denunciam que o número de mortos (tanto pela repressão quanto pela pandemia) é maior do que dizem as “autoridades”. Após o massacre, vários presos em La Modelo e Villavicêncio anunciaram greve de fome.
Presos de La Modelo protestam contra mais de 30 mortos em rebelião (Fonte: CNN)
Familiar de um detento chora enquanto fala ao telefone fora da cadeia La Modelo, em Bogotá, Colômbia em 22 de março de 2020. Uma rebelião irrompeu na prisão por medo dos detentos por sua vida diante do coronavírus dentro de prisões superlotadas e de condições miseráveis.
Segundo o portal Peoples Dispatch, na prisão de Tramacua em Valledupar no Nordeste da Colômbia, a água só é disponível por três horas ao dia, o que impede a higiene pessoal dos detentos e a higienização das celas e espaços comuns. O acesso à cuidados de saúde também é extremamente complicado diante da falta de investimento e infraestrutura mesmo para casos básicos.
O país enfrenta um sério caso de superlotação nas prisões. Segundo o velho Estado colombiano, as prisões do país têm capacidade para 81 mil detentos, mas abrigam mais de 121 mil. Esse número enorme coloca os presos numa condição de alvo imediato do vírus, que se espalha facilmente com a falta de distanciamento e medidas de higiene adequadas, algo impossível nas precárias prisões colombianas.
USA
No USA, 40 jovens presos no Centro de Detenção Juvenil Bridge City, na Louisiana, iniciaram uma rebelião, no dia 24 de abril. Helicópteros e uma equipe SWAT intervieram para reprimir os jovens usando spray de pimenta. São 150 casos de Coronavírus entre jovens presos em todo o país, no entanto, os números reais são provavelmente mais altos devido à falta de testes disponíveis. Para evitar a propagação do vírus, os jovens presos ficam isolados 23 horas por dia. Eles não podem receber visitas de familiares e não têm acesso a quaisquer programas educacionais.
El Salvador
Presos agrupados enquanto suas celas são revistadas. Prisão de Izalco, 25 de abril (Fonte: RFI)]
O país, que possui capacidade apenas para 18.051 presos, prende mais de 38.000 pessoas em ambientes de calor extremo, com condições sanitárias precárias e disseminação de tuberculose. Segundo o Jornal Pan-Americano de Estudo de Saúde Pública, a taxa de infecção de tuberculose nas prisões de El Salvador é 50 vezes maior do que na população geral.
Como o novo coronavírus se dissemina de forma similar à tuberculose, esperava-se uma medida do velho Estado para evitar isso. Segundo o infectologista Jorge Panameño, a situação era uma “bomba relógio”.
Porém, o presidente reacionário Nayib Bukele, que tem um histórico de campanha “contra as facções” (e presos por quaisquer delitos no geral), não tomou medida alguma para evitar a disseminação da doença nas cadeias. Pelo contrário, diante de confrontos recentes entre facções, o reacionário tomou medidas ainda mais radicais contra os presos em geral, inclusive autorizando os agentes a “atirar para matar”. O presidente e o vice-ministro da justiça ainda defenderam o isolamento dos prisioneiros para que “eles não possam mais ver a luz do dia”.
Após isso, surgiram vídeos e imagens do dia 25 de abril em prisões como a de Izalco mostrando abusos policiais contra os presos, que foram agrupados sob ameaças e uso de força, grudados uns sob os outros, sem respeitar as medidas de distanciamento recomendadas.