Nota da redação: Por ocasião dos 88 anos do início da Longa Marcha, feito extraordinário empreendido pelo Exército Vermelho, dirigido pelo PCCh sob a chefatura do Presidente Mao Tsetung, de outubro de 1934 ao mesmo mês do ano de 1936, compartilhamos com nossos leitores trechos de Ataque relâmpago sobre a ponte Luting, por Yang Cheng-wu. Este é um dos capítulos do livro A Longa marcha – Recordações, organizado por Liu Po-cheng (membro do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) e um dos comandantes do Exército Vermelho de Operários e Camponeses).
O livro A Longa Marcha – Recordações, publicado pelas Edições em Línguas Estrangeiras de Pequim em 1979, foi traduzido e publicado no Brasil pelas Edições Seara Vermelha em 2011. O livro está disponível na loja virtual de AND.
Pintura de Shen Yaoyi. Foto: Banco de Dados AND
Cento e vinte quilômetros num só dia
Na manhã seguinte saímos com antecipação, às cinco, depois de comer. Tínhamos caminhado uns dois ou três quilômetros quando chegou até nós uma ordem da Comissão Militar: apoderarmo-nos da ponte Luting no dia 29.
Dia 29! Isto é, no dia seguinte. Dali a Luting havia 120 quilômetros. No entanto, se tratava de uma tarefa que afetava a todo Exército Vermelho. Era preciso cumpri-la sem vacilação, sem um minuto nem um segundo de atraso.
Se chegássemos antes, a vitória seria nossa. Caso contrário, seria muito difícil e talvez resultasse impossível tomar a ponte Luting. Era uma luta contra o relógio. Estudávamos com os quadros de batalhão, de companhia, de quartel-general e da seção política as possíveis táticas para cumprir a urgente tarefa de marchar até lá.
O camarada Luo Jua-sheng e eu corremos, quase voando, para a ponta da vanguarda para mobilizar os soldados para uma marcha veloz. A tropa passava diante de nós como uma rajada de vento. Pude ver com clareza cada rosto, cada par de olhos. Os gritos que expressavam sua determinação de tomar a ponte eram ouvidos sem parar. Esses gritos abafaram o rugir do rio e estremeceram as montanhas.
Entre as colunas, começou a surgir um fenômeno que parecia estranho: alguns homens ora se agrupavam ora dispersavam, e enquanto corriam gritavam algo e voltavam a se agrupar, mas sempre em movimento. Tratavam-se de reuniões dos membros da célula do Partido e dos grupos do Partido. O tempo não nos permitia parar para uma reunião e tínhamos que discutir os problemas para cumprir a missão que nos foi encarregada pelo Partido.
Havia terminado apenas o trabalho de mobilização quando nos aproximamos do morro Mengjukang.
Eram quinze ou vinte quilômetros de ladeira a nossa frente e outros tantos do outro lado do cerro. A sua direita, o rio Tatu, e a esquerda, uma montanha ainda mais alta: o único caminho era por trilhas. A garganta entre Anshunchang e a ponte Luting. Um batalhão do inimigo se entrincheirava no topo. Havia uma névoa tão espessa que não se via nada além de cinco passos. Sem poder enxergar, o inimigo se limitava a disparar de suas posições para a direção de nosso avanço. Aproveitamos a espessa falta de luz para nos camuflar e organizar a tropa para subir até o topo às escondidas. Ordenamos: não realizar disparo algum, se aproximar do inimigo e aniquilá-lo com granadas e uma carga de baioneta. Pouco tempo depois foram ouvidas as explosões seguidas por gritos de “avançar”. Os defensores, amedrontados, recuaram. O batalhão de vanguarda perseguiu com rapidez o inimigo debandado até a aldeia de Mosimien. Encontrou-se ali com o batalhão e o comando de um regimento do inimigo. Nossa investida vitoriosa derrotou o inimigo e nos apoderamos da aldeia. Os bandidos destruíram a ponte de um rio a leste da aldeia e com isso aumentaram nossas dificuldades, já que demoramos duas horas construindo uma nova. Continuamos nossa marcha forçada e uns vinte e cinco quilômetros adiante chegamos à aldeia. Eram sete da noite. O conjunto de casas abrigava um pouco mais de dez famílias. À margem do Tatu, 55 quilômetros de caminho nos esperavam.
O céu também quis nos incomodar: chovia a cântaros. Raios e relâmpagos iluminavam por instantes a escura abóbada aos sons de ensurdecedores trovões. Os soldados não haviam comido durante todo o dia. O caminho coberto de lama diminuía nossa velocidade. Quando deslizávamos ladeira abaixo avistávamos o inimigo a nossa mesma altura.
Maiores dificuldades, maior trabalho político e nova mobilização política. Esclarecemos para as células e a todos e cada um dos membros do Partido e da Liga, bem como aos demais ativistas sobre as dificuldades que estávamos enfrentando e a necessidade de fazer o possível para chegar à ponte as seis da madrugada seguinte.
De repente apareceram pontos de fogo nas montanhas da margem oposta, que num abrir e fechar de olhos se transformaram numa grande fila luminoso de tochas. O inimigo apressava sua marcha utilizando tochas A luz inimiga nos sugeriu marchar também com tochas. Esta ideia me veio a mente. Quis estudá-la com o chefe do regimento, o chefe do Estado Maior e o secretário da célula geral do Partido, mas me surgiu outra: “Só o rio nos separa. Se nos identificamos como Exército Vermelho haverá choques e, então, o que faremos?”
Para enganá-los, decidimos aparecer como se fossemos os três batalhões inimigos aniquilados nos últimos dois dias. Ordenei imediatamente a nossas unidades que comprassem todas as estacas que encontrássemos a cada passo para fazer uma tocha para cada combatente, mas não era permitido acender mais que uma por esquadra. Pedi àqueles que tocavam clarim que se preparassem para tocar os sinais de enlace do inimigo, caso fosse necessário. Sabendo que as tropas da outra margem eram de Sechuán, selecionamos camaradas que vieram dessa província e prisioneiros para responder às perguntas. Com o objetivo de acelerar a velocidade, deixamos todas as mulas, o equipamento, as armas mais pesadas, inclusive os cavalos em que eu e o chefe do regimento montávamos, nas mãos de um pelotão que nos seguiria na retaguarda em velocidade mais lenta, sob o mando do chefe da seção administrativa Je Ching-chi e seu subalterno Teng Kuang-Jan.
Minha ferida na perna ainda não tinha se curado totalmente e sentia dificuldades para caminhar. Os camaradas, sobretudo o chefe do regimento, me aconselharam a ir a cavalo. Eu considerava nesse momento que os quadros precisavam dar exemplos. Como eu poderia ir a cavalo?! Por isso reiterei aos camaradas em tom de desafio: “Camaradas, marchamos juntos. Vamos ver quem vai mais rápido, quem chega primeiro à ponte Luting”.
As tropas marchavam alegres levantando alto as tochas. Elas se refletiam nas águas em ambos os lados do rio. De longe pareciam dois dragões de fogo, avermelhando a corrente do Tatu. Em meio aos ruídos chegaram até nós os débeis gritos e toques de clarim do inimigo. “Que tropas são?”, perguntavam. Nossos tocadores de clarim responderam de acordo com seu próprio código, e os camaradas precedentes de Sechuán e os prisioneiros realizaram também um grito em coro. O inimigo, estúpido como um porco, jamais poderia pensar que quem marchava diante dele fossem os heroicos soldados do Exército Vermelho, aqueles que sonhavam dia e noite aniquilar. Assim caminhamos 10 ou 15 quilômetros. A chuva caiu mais forte. À meia-noite, o dragão de fogo da outra margem desapareceu. O cansaço o fez parar. Isto estimulou nossos combatentes e acelerou nossa marcha.
O aguaceiro golpeava os combatentes e as águas desciam dos picos até o rio. Tivemos que tirar as correias que protegiam nossas pernas para marchar entrelaçados e assim evitar que saíssemos do caminho.
Pouco depois das seis da manhã chegamos à Luting. Imediatamente ocupamos a margem oeste e a cabeceira da ponte. A vitória foi total. Em vinte e quatro horas combatemos, construímos pontes e caminhamos 120 quilômetros. Tínhamos voado!