I
“Nosso trabalho se parece com aquele espetáculo circense em que o equilibrista gira pratos… ele gira um prato equilibrado em uma vareta, faz o mesmo com o segundo, o terceiro, e vai girando as varetas e equilibrando mais pratos… quando ele chega ao quinto, sexto prato… o primeiro começa a se desequilibrar. E ele volta no primeiro e dá novo impulso, e assim vai repetindo até ter vários pratos girando. Nós somos um pouco assim. Visitamos uma região, uma área no campo, plantamos lá uma semente do comitê de apoio ao Jornal, e giramos um prato. Fazemos nossa leitura coletiva, nosso estudo, as brigadas do Jornal e iniciamos um trabalho que é tocado pelos companheiros e companheiras. E viajamos, vamos a outras regiões, universidades, escolas… Quando completamos um giro pelo País… temos que voltar àquela primeira localidade e lá damos um novo giro, apoiamos o comitê, auxiliamos os companheiros nas tarefas de vendas de jornal e a conquistar novos brigadistas e membros para o Comitê de Apoio, realizamos atividades, debates. E assim seguimos girando pratos e ampliando nosso trabalho.”
Muitas vezes, antes do surgimento dos comitês de apoio ao AND e sua consolidação, o Professor Fausto abria nossas reuniões com essa fala. Nosso iniciador, entusiasta e incansável formador difundia entre nós a necessidade de os ativistas da juventude combatente, da Frente Revolucionária de Defesa dos Direitos do Povo, do Movimento Camponês Combativo, do movimento operário classista, do movimento classista de mulheres, abraçarem o jornal, o tomarem em suas mãos, estabelecerem cotas para que os apoiadores difundissem e vendessem o AND.
Desse impulso, constituíram-se os primeiros comitês de apoio. Primeiramente pequenos, com um ou dois companheiros. Outros contavam com apenas um membro que, por hora solitário, passava madrugadas nos terminais rodoviários aguardando o pacote de jornais que um viajante solidário aceitava transportar e entregar a um desconhecido, distribuía cotas entre leitores e amigos, vendia e distribuía exemplares em bancas de jornal.
As brigadas de propagandistas e agitadores do AND começaram com ativistas subindo em degraus de escadarias de universidades e bancos de estações de metrô, em paradas de ônibus e manifestações estudantis e de operários.
Dos comitês de apoio surgiram excelentes agitadores da luta popular, jovens jornalistas que tornaram-se colaboradores eventuais ou, por longos períodos, correspondentes locais ou regionais do jornal.
Velhos militantes, curtidos por décadas de lutas, oriundos de organizações revolucionárias que por anos e anos buscavam uma ponta do fio do caminho revolucionário em nosso País, sedentos por uma linha justa, ao perceberem o zum-zum-zum de nossos combativos brigadistas e do incansável trabalho vanguardeado pelo Professor Fausto Arruda, aproximaram-se e engajaram-se com entusiasmo ao AND, sorvendo sua linha editorial e contribuindo com sua experiência e forja de velhos combatentes.
Assim, com persistência, paciência revolucionária, perspicácia e simplicidade, o Professor Fausto ajudou a formar dezenas, centenas de “giradores de pratos”. Nas escolas, universidades, em meio a renhida luta que se desenvolve no campo pelas vastas zonas rurais do País, nas batalhas operárias dos principais centros industriais, nos multitudinários protestos da juventude combatente das jornadas de 2013 e 2014, nos protestos internacionalistas onde tremula triunfante a bandeira palestina. Onde brilha uma chispa da luta de classes no País, surge uma jovem ativista, um estudante de mochila nas costas, um ativista proletário, uma mulher trabalhadora com o AND em mãos, fazendo as denúncias políticas do sistema de exploração e opressão sobre as massas populares e da subjugação imperialista da nação, conclamando as massas a ler e apoiar a imprensa democrática e popular e a se somar à luta de nosso povo e a se organizar nela.
II
Nos intervalos entre as atividades do jornal, em encontros de camponeses, congressos operários ou assembleias estudantis, ou mesmo na rotina da redação do jornal, mesmo nos momentos tensos e cansativos de fechamentos de edição, onde estivesse o Professor Fausto Arruda, haveria um grupo de pessoas dando risadas com suas anedotas e histórias da vida militante cheia de acontecimentos engraçados e de situações periclitantes e de sufocos.
Muitas vezes, quando cansados, após revisar textos uma, duas, três vezes às vésperas do fechamento de uma edição e a gráfica ameaçava dizendo que se não enviássemos os arquivos não cumpriria os prazos, o Professor Fausto dava sua risadinha característica e lembrava alguma história de quando era estudante, ou contava uma anedota que sempre envolvia seu querido estado do Ceará. Era impossível não acalmar os ânimos e rir junto com ele.
Era o modo do Professor Fausto nos demonstrar que a vida não se resumia a uma edição e aos prazos apertados do jornal, que a luta é longa e devíamos saber lidar com as adversidades.
Depois de quebrar o gelo, seguíamos o nosso trabalho.
Quantas vezes, ao vê-lo ler a Página 3 ou um editorial nas reuniões de avaliação na redação, com seu semblante sério e a preocupação que ele mantinha em que todos e todas ali compreendessem e pudessem defender a linha editorial do jornal, lembrava dos momentos em que estávamos editando e revisando aqueles mesmos textos e de como ele valorizava esse trabalho, mantendo o humor e a nossa unidade.
III
O Professor Fausto não modificava sua forma de falar ou agir em meio às massas. Estivesse falando para professores universitários ou numa assembleia camponesa nos rincões da Amazônia, fosse em meio a estudantes secundaristas ou em um congresso operário, nos portões de fábrica ou numa reunião do Movimento Feminino Popular, lá estava ele com seu modo simples de se vestir, seus gestos comedidos, seus óculos e sua boina, mochila nas costas e caderneta de anotações no bolso.
Não era afeito a palavras difíceis, prezava pelo jeito simples de conversar para que todos e todas o compreendessem. Viajava muito e semeava apoiadores do jornal por onde passasse.
Nos momentos de divergências e luta de duas linhas na redação do AND, era firme, sempre buscando se apoiar na linha editorial do jornal para nortear nosso trabalho.
Era muito preocupado com a sua saúde e a saúde dos seus companheiros. Estimulava todos e todas a se alimentarem o mais corretamente possível e a fazer exercícios físicos. Sentia-se à vontade em meio aos jovens.
Mesmo em meio a tantas viagens pelo Brasil, era atencioso com a sua família e sempre demonstrou às suas filhas e companheira que sua família era parte de nosso povo, sofria de suas dores e não era algo à parte de sua vida e luta.
IV
Ele disse uma vez que o AND deveria sair segundo as necessidades da luta de classes e suas condições materiais. Foi a maneira espirituosa que o Professor Fausto encontrou para apontar um problema sério: o jornal não podia ser publicado sem regularidade, a não ser “de vez em quando”, com intervalos oras mensais, oras com intervalo de dois meses ou mais entre edições.
Eram meados da primeira década dos anos 2000. Tínhamos um enxuto comitê de redação e poucos recursos (a internet ainda engatinhava). Os comitês de apoio ainda eram embrionários e nós travávamos uma dura luta para tornar o AND uma publicação mensal, consolidá-la e avançar para a quinzenal.
Através de um persistente trabalho, formulamos um plano para dar um novo formato ao jornal, reduzir o número de páginas e estabelecer a periodicidade mensal. Foram meses intensos, de reuniões tensas, busca por novos colaboradores, de trabalho noites afora, primeiramente na sede de Copacabana e, depois, em São Cristovão, na Barreira do Vasco.
Uma, duas, três, quatro edições com periodicidade mensal. Regularizamos e ampliamos a tiragem. Vitória! Nenhum passo atrás!
Depois disso vieram as lutas pela tiragem quinzenal, o desenvolvimento do site, e as batalhas mais recentes, com a evolução dos meios digitais, que vêm sendo cumpridas com grande êxito.
O Professor Fausto foi o grande impulsionador dessas lutas e, sempre que surgia algum desafio maior, estivesse onde estivesse, viajava para o Rio de Janeiro e reunia os companheiros e companheiras para dar solução.
Encarava os problemas de peito aberto e celebrava as vitórias coletivamente.
V
Nos encontramos pessoalmente uma semana após a celebração dos 20 anos do AND, em junho de 2020, da qual não pôde tomar parte. Devido à enfermidade que o acometia, ele já tinha dificuldades para se comunicar e se locomover. Ainda assim, buscava realizar essas atividades com o apoio de sua companheira, sempre com seu olhar e sorriso franco.
Nos reunimos entre amigos(as) e companheiros(as) em torno de uma mesa, contamos casos e histórias que ele gostava de ouvir, contamos algumas piadas e pudemos ver seu riso solto mais uma vez.
Foi mais uma tarde agradável com o companheiro Fausto Arruda.
Em dado momento, ele sussurrou meu nome e eu pude falar em seu ouvido que a celebração dos 20 anos do AND fora uma atividade vibrante. Disse a ele que os(as) jovens companheiros(as) estavam desempenhando com êxito as tarefas que ele traçou para o desenvolvimento do jornal e que seu trabalho de “girar pratos” estava rendendo bons e promissores frutos.
Brotaram lágrimas emocionadas em seus olhos e ele sorriu satisfeito.
Não nos vimos mais.
O Professor Fausto Arruda nos deixa um enorme legado. Lutemos todos para ser dignos de ser seus continuadores.