Refaat Alareer e a poesia da Resistência

No dia 6 de dezembro, o poeta, professor e ativista Refaat Alareer foi brutalmente assassinado durante um bombardeio sionista em Al Shujaya, na Cidade de Gaza. Como forma de destacar sua obra, selecionamos seis de seus poemas
Foto: The Star/Filepic.

Refaat Alareer e a poesia da Resistência

No dia 6 de dezembro, o poeta, professor e ativista Refaat Alareer foi brutalmente assassinado durante um bombardeio sionista em Al Shujaya, na Cidade de Gaza. Como forma de destacar sua obra, selecionamos seis de seus poemas

No dia 6 de dezembro, o poeta, professor e ativista Refaat Alareer foi brutalmente assassinado durante um bombardeio sionista em Al Shujaya, na Cidade de Gaza. Seus irmão, irmã e quatro sobrinhos foram assassinados no ataque que o vitimou. Refaat, assim como muitos palestinos, se recusou a obedecer a ordem do Exército sionista de abandonar sua casa, no Norte da Faixa de Gaza.

Refaat, como muitos palestinos, perdeu familiares em bombardeios e ataques sionistas precedentes em Gaza. Na invasão israelense de 2014 contra Gaza, pelo menos 30 familiares seus foram assassinados. Após o conflito, ele participou da fundação do projeto We Are Not Numbers (Nós Não Somos Números), cujo objetivo é orientar e apoiar jovens escritores palestinos de Gaza a transmitirem suas histórias e relatos ao mundo. 

Refaat Alareer era professor de literatura inglesa na Universidade Islâmica de Gaza, mesma universidade em que se graduou. Em 2007, obteve um mestrado na University College London e, 10 anos depois, concluiu seu doutorado em Literatura Inglesa na Universiti Putra Malaysia. Durante sua vida, ele editou e publicou um compilado de crônicas, intitulado Gaza Writes Back (2014) e o livro Gaza Unsilenced (2015). 

Como proeminente escritor, Refaat Alareer mantinha o blog This Is Gaza (Isto é Gaza), onde publicava poemas, crônicas e fotografias sobre Gaza, a ocupação sionista e cultura de resistência na Palestina. Em suas obras, das crônicas às poesias ou mesmo em suas fotografias, a política transbordava com profundidade e simplicidade, seja pela denúncia dos crimes sionistas contra o povo palestino, ou pela elevação da justeza da luta do povo palestino por sua libertação. 

Desde o início da batalha do Dilúvio de Al-Aqsa até o seu assassinato, Refaat Alareer participou ativamente na defesa política da Resistência Nacional. Em suas redes sociais, é possível conferir relatos e posições em que Alreer eleva a legitimidade e justeza da luta empreendida pela Resistência Nacional Palestina e condenar a agressão do Estado sionista de Israel. 

Apesar da exímia carreira acadêmica, o principal legado de Refaat Alareer não está em suas titulações, mas na decisão de colocar o conhecimento adquirido a serviço das massas palestinas e utilizar a literatura e a arte como armas de denúncia e propaganda. É este elo entre a arte e a luta que faz com que seu comprometimento com seu povo seja uma das suas mais elevadas características e que, não por acaso, foi seguida pelos seus alunos em Gaza. 

Como forma de destacar sua obra, selecionamos abaixo seis de seus poemas, que podem ser conferidos em seu blog. 

O único cuidado de Mustafa

O único cuidado de Mustafa

Um amigo

Uma pedra

Um kuffiya

Uma vontade e um punho.

*

O jipe

O soldado

Suas armas e pólvora

Sua máscara

Seus cotovelos, joelhos e capacete.

*

Um vilarejo.

*

E as pessoas correm

E puxam e empurram

E vem e vão.

E as pessoas caem

E se levantam e caem

*

“CORRA! CORRA! CORRA!”

*

No entanto, Mustafa não se importa

E ele não se assusta

Porque ele se importa!

 *

“Atire para matar!

Droga!”

E então eles caem

E caem e caem.

E Mustafa se levanta

E ilumina o caminho

*

E as pessoas correm

E puxam e empurram

E vêm e vêm.

Se levantam e crescem

Para Mustafa se preocupar

***

Este poema é inspirado em Mustafa Tamimi, cuja morte prematura nas mãos de soldados israelenses mostrou a luz para muitas pessoas. Descanse em paz, irmão.


Eu sou você

Dois passos: um, dois.

Olhe-se no espelho:

O horror, o horror!

A coronha de sua M-16 em minha bochecha

A mancha amarela que ela deixou

A cicatriz em forma de bala se expandindo

Como uma suástica,

serpenteando pelo meu rosto,

A melancolia fluindo

Pelos meus olhos escorrendo

Das minhas narinas perfurando

Meus ouvidos inundando

O lugar.

Como aconteceu com você

70 anos atrás

Ou assim.

***

Eu sou apenas você.

Sou seu passado assombrando

Seu presente e seu futuro.

Eu me esforço como você se esforçou.

Luto como você lutou.

Eu resisto como você resistiu

E por um momento,

Eu tomaria sua tenacidade

Como um modelo,

Se você não estivesse segurando

O cano da arma

Entre meus olhos sangrando

Olhos.

***

Um. Dois.

A mesma arma

A mesma bala

Que matou sua mãe

E matou seu pai

Está sendo usada,

Contra mim,

Por você.

***

Marque esta bala e marque em sua arma.

Se você cheirar, ela tem o seu e o meu sangue.

Tem meu presente e seu passado.

Tem meu presente.

Tem seu futuro.

É por isso que somos gêmeos,

O mesmo rastro de vida

A mesma arma

O mesmo sofrimento

As mesmas expressões faciais desenhadas

No rosto do assassino,

Tudo igual

Exceto que em seu caso

A vítima evoluiu, para trás,

Em um vitimizador.

Eu lhe digo.

Eu sou você.

Só que não sou você de agora.

***

Eu não odeio você.

Quero ajudá-lo a parar de me odiar

E me matar.

Eu lhe digo:

O barulho de sua metralhadora

Deixa você surdo

O cheiro da pólvora

É melhor que o de meu sangue.

As faíscas desfiguram

Minhas expressões faciais.

Você poderia parar de atirar?

Por um momento?

Poderia?

***

Tudo o que você precisa fazer

É fechar os olhos

(Ver tais dias

Cega nossos corações).

Feche seus olhos, com força

Para que você possa ver

No olho de sua mente.

Em seguida, olhe para o espelho.

Um. Dois.

Eu sou você.

Eu sou seu passado.

E me matando,

você mata você.


O’Live Tree*

Oh, me bata mais.

Bata em mim com suas varas;

Pisem em minhas folhas

Sufoque meus galhos sob suas botas

Como você sempre faz.

A surra eu aguento;

A humilhação, eu não me importo

Mas não me leve,

Não me roube.

Mesmo que eu queime,

Aqui eu pertenço

E a eles retornarei.

***

Se você ouvir minha conversa,

Poderá sentir minha dor

Mas você não pertence a este lugar:

Você nem mesmo sabe

Como me tocar,

Como me apertar gentilmente,

Como me abraçar,

Como limpar a poeira,

Quando estou maduro,

E quando não estiver,

Quando preciso de água,

E quando não preciso,

E como me colher

Como eles sempre fazem.

***

Seu cheiro e suas botas pesadas

E o metal em suas costas

E suas barras de metal!

Pelo amor de Deus, quem é que colhe azeitonas

Com barras de metal como bastões?

***

Mas estou divagando novamente.

Porque você não vai entender

E se você me entendesse,

Você, em primeiro lugar, não

estaria aqui.

***

Você vem e vai.

Eu o vejo uma ou duas vezes por ano

Com chamas ou gravetos

E eu choro pelo resto do ano.

Mas um dia

Meus galhos crescerão,

O óleo fluirá,

Meu povo brilhará,

E você, você irá.

*O autor faz um jogo com o termo olive tree, que em inglês significa oliveira (árvore cujo fruto é a azeitona, tradicional na região da Palestina). Ao colocar o apóstrofo dividindo a letra ‘o’, o autor brinca com o idioma inglês, fazendo com que o significado seja “Ó árvore viva”. 


Quando eu me inclino

Um poema para Mahmoud al-Sarsak e Lina Khattab

As paredes de minha prisão

Sussurram para mim;

Elas me contam histórias de pessoas que estiveram aqui

De pessoas que viveram aqui.

Havia os fracos

E havia o velho.

Havia a criança.

Havia a senhora.

Eles estavam aqui,

Mas agora estão lá.

***

Em minha prisão,

Eu falo com as paredes

E elas para mim falam

Que um dia eu vou andar:

Um dia meu carcereiro se abaixará

Aos meus pés

Para soltar as correntes.

Não importa o motivo

Mas ele se abaixará.

***

Dentro de minha prisão, desenho meu futuro

Com detalhes minuciosos.

Do outro lado do muro (Atrás das grades)

Senta-se o carcereiro.

Quando ele se vira para trás

E me olha nos olhos,

Ele derrama montanhas de tédio

E solta um suspiro.

Eu olho para trás e sorrio.

Ele limpa a garganta

Pisca uma vez e depois duas

E move seus lábios.

Eu me afasto

E lhe dou as costas.

Sorrio novamente Piscando para a parede.

“Veja”, ela me diz

“Eu sei”, respondo,

E me curvo

E sacudo minhas correntes.

O olhar em seu rosto,

O medo em seus olhos

Ambos fazem meu dia.

***

Dentro de minha prisão,

Eu também me inclino,

Mas quando o faço,

Eu me inclino para conquistar.


Se eu tiver que morrer

Se eu tiver que morrer,

você deve viver

para contar minha história

para vender minhas coisas

para comprar um pedaço de tecido

e algumas cordas,

(faça-o branco com uma longa cauda)

para que uma criança, em algum lugar de Gaza

enquanto olha para o céu nos olhos

esperando seu pai que partiu em um incêndio

e não se despediu de ninguém 

nem mesmo para sua carne

nem mesmo para si mesmo

veja a pipa, minha pipa que você fez, voando

acima

e pensando por um momento que um anjo está lá

trazendo o amor de volta

Se eu tiver que morrer

que isso traga esperança

que seja um conto.


E Gaza continua viva…

E mais uma guerra em GazaMais um dia na Palestina

Um dia na prisão

E nós continuamos vivendo

Apesar dos objetos voadores de Israel muito bem identificados

Que vemos mais do que nossos familiares e amigos

E apesar das sentenças de morte de Israel

Como chumbo

Lançadas sobre a cabeça

Enquanto dormimos

Como chuva ácida

Corroendo nossa vida

Agarrados a ela como uma pulga a um gatinho

E enfiada em nossa garganta

No momento em que dizemos “Amém”

Às orações de mulheres e homens idosos

Apesar dos pássaros da morte de Israel

Pairando a apenas dois metros de nossa respiração

De nossos sonhos e orações

Bloqueando seus caminhos para Deus.

Apesar disso.

Nós sonhamos e oramos,

Agarrando-nos ainda mais à vida

Toda vez que a vida de um ente querido

É arrancada à força.

Nós vivemos.

Nós vivemos.

Nós fazemos.

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