Ridículos e perigosos

O poder do supremacismo judaico na Argentina é acachapante, e o fato de seus agentes de alto nível serem ridículos não os torna menos perigosos.
Representantes do Congresso Judaico Latino-Americano ao lado de Javier Milei. Foto: Reprodução/Conib/CJL

Ridículos e perigosos

O poder do supremacismo judaico na Argentina é acachapante, e o fato de seus agentes de alto nível serem ridículos não os torna menos perigosos.

Fundada em 1713, a Real Academia Espanhola (RAE) se dedica ao estudo, registro e normatização da língua principal daquele país. É uma instituição do Estado espanhol, que define por decreto seus estatutos; e também o vértice de um sistema de academias homólogas de várias nações do mesmo idioma. Publicado desde 1726 (na contagem oficial, 1780), seu dicionário contém a grafia e o significado de todas as palavras do espanhol.

Na última 5ª feira (26/09), um juiz argentino, Ariel Lijo, mandou bloquear o acesso à versão online em seu país porque a RAE não atendeu integralmente um pleito do Congresso Judaico Latino-Americano (CJLA) para suprimir o significado da palavra “judeu” como “pessoa avarenta ou usurária”, presente em obras literárias clássicas.

Na ocasião, o diretor da RAE, Santiago Muñoz Machado, respondera que ela não extirpa do dicionário palavras ou sentidos, mas acrescentaria a observação de ser esse um uso ofensivo e discriminatório, como já fizera quanto à sinonímia entre “cigano” e “trapaceiro”.

Tal promessa foi cumprida. Ainda assim, a Delegação das Associações Israelitas Argentinas (DAIA) e o Congresso Judaico Mundial (CJM) apresentaram à jurisdição penal argentina uma queixa contra Muñoz Machado e seus pares por “incitar o ódio” aos judeus.

Embora Lijo tenha invocado o acordo de extradição entre os dois países para pedir à Espanha que execute a ordem de censura ao dicionário, é quase impossível que o governo e os juízes de Madrid se somem ao vexame dos de Buenos Aires. Como, ademais, a lei espanhola proíbe extraditar seus cidadãos, os membros da RAE não têm motivos de preocupação imediata.

Quem os tem – e muito – são, em primeiro lugar, os argentinos. E não só por ter semelhante cretino como juiz e candidato à Corte Suprema indicado pelo governo e respaldado veladamente pela oposição parlamentar. A subserviência de suas instituições ao sionismo e a Israel é um problema ainda mais grave que as dificuldades materiais ali vividas hoje.

Em janeiro deste ano, a dona de um salão de beleza contou a um cliente sobre uma desventura amorosa vivida por um de seus funcionários: uma suposta dama com quem ele travara contato pela internet lhe prometera enviar um presente do Iêmen, onde dizia morar. Mas um sedizente fiscal de aduana tentava lhe cobrar US$ 900 para liberá-lo, em evidente tentativa de estelionato.

O cliente do salão também ouviu de um amigo, gerente de um hotel, que um sírio radicado na Colômbia se hospedaria no estabelecimento.

Dias depois, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, anunciava o desbaratamento de uma célula terrorista que atacaria alvos judeus na capital argentina e a prisão de seus membros: o cabeleireiro e o turista.

Associando a chegada deste último à da (inexistente) correspondência iemenita e ambas ao terrorismo, o homem que ouvira os dois relatos transmitiu a “informação” à polícia. Era fácil perceber que se tratava de um delírio: o promotor Franco Picardi – que, no caso do dicionário, endossou o pedido da DAIA e do CJM – pediu a soltura de ambos. Mas, a pedido de Bullrich, a juíza Maria Servini de Cubría os manteve 15 dias presos, até a farsa se tornar insustentável.

A ministra é reincidente na arbitrariedade e nas trapalhadas: em 2019, quando exercia o mesmo cargo em outro governo, a seleção paquistanesa de futebol de salão foi proibida, por alegadas razões de “segurança nacional”, de entrar no país para participar do campeonato mundial.

Talvez pela irritação das embaixadas dos EUA e de Israel com o cambalacho, noticiada pelo jornal Página 12, o caso dos falsos terroristas foi tratado criticamente pela imprensa argentina, em exceção à regra de endossar ou abafar malfeitorias do sionismo e de seus agentes, incluída a pretensão de censura ao dicionário da RAE.

Lijo manteve preso por 9 meses (junho de 2023 a março deste ano) o metalúrgico Cristian Díaz a pedido da embaixada israelense. De início, a pretexto de comentários em redes sociais; depois, porque ele tinha bandeiras palestinas em casa, estudava árabe e doava parte de seu salário àquela nação. Ao sair da cadeia, Díaz perdeu o emprego e a casa. Meses depois, faleceu.

O poder do supremacismo judaico na Argentina é acachapante, e o fato de seus agentes de alto nível serem ridículos não os torna menos perigosos. Bullrich é casada com Guillermo Yanco, vice-presidente do Museu do Holocausto de Buenos Aires e dono do site Vis a Vis, de raivosa propaganda sionista. Lijo, antes de defender sua postulação à Corte Suprema perante o Congresso, se reuniu com o embaixador de Israel, Eyal Sela, e com o ministro israelense dos Assuntos da Diáspora e Luta contra o Antissemitismo, Amichai Chikli.

Esse último encontro foi propiciado pela Chabad Lubavitch, organização político-religiosa com formato de sociedade iniciática discreta, versão judaica do Opus Dei. No dia seguinte, uma matéria elogiando o juiz por sua “guerra contra o antissemitismo” foi publicada pelo jornal Israel Hayom, de Tel Aviv, pertencente aos herdeiros de Sheldon Adelson, magnata de cassinos e grande financiador do lobby sionista nos EUA e das campanhas de Donald Trump e Benjamin Netanyahu. O site Infobae, de Mario Montoto, dirigente da Câmara de Comércio Argentino-Israelense, a repercutiu na Argentina.

Israel não pode durar mais que o controle dos EUA sobre o Oriente Médio, já em acelerado declínio. Nem a morte do último palestino reverteria esse quadro, que torna necessário fazer ou pôr em prática planos de contingência.

O colonialismo sionista busca novo lugar no mundo. Onde encontra condições mais favoráveis é na América Latina, área de influência que os EUA conservariam até na mais desvantajosa partilha do mundo com a China. Região de clima ameno e Estados fracos, rica em recursos naturais, subpovoada e historicamente receptiva à imigração (mais ainda se branca). Onde as frações abastadas, identificando-se com a Europa, importam de lá a islamofobia e a culpa pelo chamado holocausto e pelo antissemitismo precedente, enquanto parte grande dos setores populares adere a igrejas neopentecostais sionistas. Onde as forças militares, policiais e de inteligência são clientes da indústria israelense de armas e equipamentos de espionagem e vigilância. E onde há muitos sionistas (judeus ou não) em proeminentes posições econômicas e sociais. A Argentina é um caso extremo, mas tudo isso se dá também no resto do continente.

É cedo para saber se essa penetração levará à divisão territorial da Argentina ou se, como parte das lições aprendidas, o sionismo se contentará em submeter um ou mais Estados já existentes. O que se pode dizer com certeza é que se aquele país tiver o destino que aflige há quase 80 anos a Palestina, o dos demais (Brasil, Uruguai, Chile) será o da Síria, Iraque ou Líbano, pois, para impedir a libertação da terra ocupada, o colonialismo necessita desestruturar seus vizinhos.

Este texto expressa a opinião do autor

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