Carro em que estava o músico Evaldo Rosa e a família foi fuzilado por militares do Exército em Guadalupe, em abril de 2019. Foto: Fabio Texeira
No dia 13 de outubro, oito militares do Exército foram condenados pelas mortes do músico Evaldo Rosa e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, durante uma operação no dia 7 de abril de 2019, em Guadalupe, Rio de Janeiro.
No julgamento feito pela Justiça Militar apenas oito dos doze militares, que participaram da ação em que foram disparados 257 em direção ao carro dos quais 62 atingiram o veículo em que estava a família de Evaldo, foram condenados.
O julgamento foi realizado na Ilha do Governador e durou mais de 15 horas.
A condenação se deu por 3 votos contra 2, de um conselho composto por cinco magistrados, sendo quatro militares. Os membros do conselho eram: a juíza federal substituta Mariana Aquino e os juízes militares Tenente Coronel Sandra Fernandes de Oliveira Monteiro, Major Rêmulo Dias de Carvalho, Major José Adail da Silva Ferreira e Capitão Tentando Perotti Honori.
Durante o julgamento, a viúva de Evaldo Rosa, Luciana Nogueira, passou mal e teve que ser amparada. Após o julgamento a mulher disse que se sente um pouco mais aliviada: “Esses adiamentos foram dias de muita ansiedade, muito difíceis. Porque você acaba pensando que você pode até estar errada, que eles querem ganhar tempo e que tudo caia no esquecimento”, contou Luciana.
A mulher completou: “Foi o pior dia da minha vida. Quem estava comigo nasceu de novo. Infelizmente meu marido não teve essa oportunidade. Esperamos uma justiça digna.”
Os condenados foram: tenente Ítalo da Silva Nunes, sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva, cabo Leonardo Oliveira de Souza, soldado Gabriel Christian Honorato, soldado Matheus Sant’Anna, soldado Marlon Conceição da Silva, soldado João Lucas da Costa Gonçalo e o soldado Gabriel da Silva de Barros Lins.
Ítalo da Silva Nunes, que chefiava a ação foi condenado a 31 anos e seis meses, ele foi o militar que mais disparou contra a família, sendo encontrados 650 vestígios de pólvora em suas mãos de acordo com laudos da perícia.
Os outros sete militares foram condenados a 28 anos. Eles foram acusados de duplo homicídio e de tentativa de homicídio dos outros ocupantes do carro, que eram o sogro de Evaldo, o filho do músico, uma criança de 7 anos, a esposa de Evaldo, e uma amiga da família que também estava no veículo. Os militares foram absolvidos da denúncia de omissão de socorro.
Além de ser o oficial da equipe, o tenente Ítalo atirou mais vezes, como mostrou a perícia. Laudos apontaram pelo menos 650 vestígios de pólvora no oficial. Por isso, a pena dele foi maior.
Já o cabo Paulo Henrique Araújo Leite e os soldados Wilian Patrick Pinto Nascimento, Vitor Borges de Oliveira e Leonardo Delfino Costa foram absolvidos pelo argumento de não terem disparado nenhum tiro na ação.
Militares tentam sujar nome da vítima para se isentarem do crime
A defesa dos militares acusados disse durante o julgamento que o catador de latinhas, Luciano Macedo, estava armado com um revólver e teria atirado contra a viatura do exército.
Contudo, tal mentira foi completamente desmascarada por testemunhas que afirmaram que somente os militares dispararam na ocasião. Provas periciais ainda demonstraram que não havia nenhuma marca de tiro no veículo usado pelos militares e nem resíduos de pólvora nas mãos de Luciano. A arma que os militares afirmam que Luciano portava também nunca foi apresentada.
A viúva de Evaldo, Luciana, também nega a mentira contada pelos militares, e afirma: . “Luciano foi tão vítima quanto o meu marido. Isso não é verdade, e eles sabem”.
A promotora do Ministério Público Militar (MPM), Najla Nassif Palma e o procurador da Justiça Militar Luciano Gorrilhas disseram em suas alegações finais que “os acusados definitivamente, por prova segura e inconteste dos autos, não estavam em situação de legítima defesa. Os militares apertaram os gatilhos de seus fuzis sem previamente certificarem-se de quem eram as pessoas à sua frente”.
Operação Muquiço
As mortes de Evaldo e Luciano se deram durante o período em que militares do Exército reacionário ocupavam a favela do Muquiço, em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro.
Essa ocupação é ilegal e contraria a Constituição Federal, uma vez que o Exército só pode exercer o poder de polícia ostensiva em meio a operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que, por sua vez, só pode acontecer mediante ordens e aprovação expressa do Presidente da República. Na Operação Muquiço nada disso aconteceu.
A ocupação, que começou em fevereiro e terminou em junho de 2019, aconteceu por ordens do comando do Exército no Rio de Janeiro, especialmente do general de divisão Antônio Manoel de Barros, um general de três estrelas, então comandante da 1ª Divisão de Exército.
O general nunca foi citado nos autos do processo. Pelo contrário, a maioria dos condenados pelos crimes foram praças de baixa patente.