Moradores protestam em frente à UPP da Barreira do Vasco. Foto: Reprodução/WhatsApp
Os policiais que participaram da execução do trabalhador Francisco Laércio Lima, de 26 anos, já estão soltos. Eles, que foram detidos apenas por “descumprimento de ordem” e não pelo homicídio do morador, foram beneficiados pela Corregedoria da Polícia Militar. Os assassinos passaram menos de 24 horas detidos.
A impunidade fica explícita, assim como a mentira que os policiais inventaram. Segundo a versão da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), houve troca de tiros com traficantes. O povo da Barreira, no entanto, desmente.
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Uma testemunha relatou, com exclusividade ao AND, o momento do ocorrido: “O policial entrou na rua e falou assim: ‘se correr eu vou dar’, e já deu três tiros para o alto. Todo mundo se jogou nos comércios, e eu que estava com a minha moto joguei ela para o canto e fui junto para um bar. Daí o policial se apoiou perto de mim e atirou, pow, na cabeça. O Francisco estava com um saco de supermercado com uma frigideira e uma sandália para a mulher dele, e um copo de café. Quando ele caiu no chão os próprios policiais viram que era morador e saíram gritando para outros policiais: ‘Porra, fiz merda, matei um morador, matei um morador’. E depois inventaram que teve troca de tiro, uma mentira. Não tem nem cápsula de tiro, só as dos policiais”. A moradora pediu anonimato, pois, segundo os trabalhadores que residem na Barreira, a UPP tem promovido quebra de direitos e invasão à domicílio.
Foto: A Nova Democracia
O primo de Francisco Laércio, Francisco Olavo Alves, 27 anos, falou também ao AND: “Os policiais vieram de um beco, de frente para o Francisco; ele se encostou num muro para sair da frente dos policiais e os caras atiraram. Aqui não tem tiroteio. A gente quer justiça”, contou.
“Ninguém veio sequer pedir desculpas, procurei o comandante da UPP e nada, os policiais ficaram calados. No Rio de Janeiro nunca teve justiça para o povo, eu conheço várias famílias que estão passando por isso, em toda a cidade. Se fosse um policial que tivesse morrido, aí a Barreira estaria pegando fogo. Eles entrariam aqui, matariam famílias inteiras. Esse policial não tem coração”, dispara o familiar.
Mais protestos contra a UPP e o governo
Na manhã de 11 de novembro os moradores se reuniram novamente para protestar. Uma centena de pessoas marcharam pelos becos e ruelas da favela Barreira do Vasco lançando palavras de ordem contra a política genocida do governador, contra a UPP e o policial reconhecido pelos moradores e testemunhas como o executor do crime, chamado “Pablo”.
Manifestação nas ruas da favela. Foto: Reprodução/WhatsApp
O protesto teve fim em frente à base da UPP, na praça Carmela Dutra. Os moradores gritaram palavras de ordem como Fora UPP!, Pablo assassino – em referência ao policial – e Fora comandante!
Opressão na própria favela
Segundo relataram os moradores, de alguns meses para cá a opressão e a negação de direitos têm se tornado mais frequentes.
Uma moradora, em anonimato, fez denuncias dos ataques promovidos pela UPP. “Aqui na favela não existe tiroteio, nunca teve. Agora, o policial sair às 6h30 da manhã apontando e atirando com fuzil na nossa cara? Tem muito trabalhador aqui que chega de manhã cedo e é obrigado a ter o fuzil apontado para a cara. Isso é uma vergonha!”, protestou ela.
Uma outra moradora disparou: “Uma vez minha companheira estava indo entregar quentinha, que é o trabalho dela, e os policiais vieram do beco apontando fuzil para a frente e ainda vieram dando bronca por ela ter corrido. Ora, a gente tem que ficar parado para quê? Pra morrer?! Eles não respeitam ninguém! Temos que esperar os ‘bonitos’ matarem a gente? Eu não aceito! Sou trabalhadora, acordo às 4h da manhã todos os dias e não aceito isso!”. “Ao invés de proteger, eles fazem isso. Se a gente não correr, eles matam! E ainda culpam o trabalhador!”, conclui.
Familiares, amigos e moradores da Barreira do Vasco protestam durante velório de Francisco Laércio. Fotos: A Nova Democracia
“Tem que parar com isso de polícia ficar matando na favela. Eles entram matando, batendo, esculachando os moradores. Eles pegam trabalhador honesto, morador honesto e esculacha falando que é bandido. Entendeu? É muita covardia! São covardes! Confiar em quem? Os que dizem homens da lei matam a gente! A gente sente muito pelo Francisco. Ontem foi ele, amanhã pode ser o Paulo, a Maria. E vai ficar por isso mesmo, será mais um que a polícia mata e fica por isso mesmo. Não podemos permitir!”, disse uma moradora. E arrematou: “Francisco era um trabalhador que veio para cá com sonhos, que estava há 10 anos sem ver a mãe. Agora chegará lá morto, em um caixão”.
‘Não dá pra acreditar em eleição e nessa justiça podre’
A reportagem de AND entrevistou também Rosângela (nome fictício por receio de perseguição do governo), moradora da favela do Tuiuti e militante da Mães sem Fronteiras.
“Essa execução não ocorreu à toa. É a política do governo, o governo mandou matar. Na Barreira nunca houve tiroteio, mas de agora em diante, se depender do governo, vai ter. É porque essa sociedade de classes está ficando podre, é muito desemprego, pobreza e cresce a criminalidade, eles precisam controlam a pobreza e a exploração com violência, eles têm que aumentar a violência policial por medo de o povo se rebelar. Eles precisam fazer uma guerra do governo contra o povo, e essa guerra atinge todo mundo”, afirmou Rosângela.
Rosângela teve seu filho executado há alguns anos por policiais militares, um crime absurdo que os militares tentaram esconder e acusar o jovem como assaltante – acusação desmentida por ela, que levantou provas que provassem a inocência do filho.
“Não é possível parar essa guerra civil do governo com eleição e com essa ‘justiça’. Só entra lá quem fecha com essa podridão, tem que ter dinheiro sujo para vencer, é tudo controlado de dentro. Eleição é só uma farsa pra fingir que somos nós que escolhemos. Já essa justiça está comprometida com eles, quantos morrem sem haver sequer condenação? O único caminho para acabar com essa guerra é se organizar e lutar muito, se preparar para enfrentar”.