No dia 17 de maio, por volta das onze horas da noite, policiais militares da Brigada Militar (BM) invadiram o condomínio Princesa Isabel, localizado na Av. da Azenha, em Porto Alegre. Sem nenhuma operação oficial a ser realizada na data, os moradores denunciam que os policiais já entraram no condomínio atirando, provocando pânico nos residentes. Aqueles que se encontravam no pátio no momento da incursão saíram correndo para dentro de suas casas ou para um segundo portão, que dá saída para o outro lado do condomínio.
Um desses moradores era o trabalhador Vladimir Abreu de Oliveira, de 41 anos. Ao tentar escapar dos disparos, Vladi, como era conhecido pelos vizinhos, deu de cara com mais uma viatura da Brigada, que o abordou de imediato. Segundo testemunhas, em uma ação rápida, os policiais algemaram Vladimir e o colocaram na viatura, sem nenhum motivo aparente para prendê-lo. Esse foi o último momento em que Vladimir foi visto com vida.
A suspeita da família é que a prisão de Vladimir era uma tentativa de conseguir informações sobre uma suposta facção que teria o domínio do local. “Não tinha por que prender o Vladi. Tiraram o Vladi daqui com a intenção de sequestrar e tirar informação do condomínio, sendo que ele não teria como dar informação” — disse Patrícia, irmã e vizinha de Vladimir, em entrevista cedida para o Comitê de Apoio ao AND de Porto Alegre.
A partir daí Patrícia e toda a família procurou Vladimir no Hospital de Pronto Socorro (HPS) e no Palácio da Polícia — que fica a pouco mais de quinhentos metros do condomínio — nos quais não havia nenhum registro da entrada dele. Assim foi durante todo o dia de sábado (18). Sem respostas, a família organizou um protesto, reunindo vizinhos e amigos de Vladimir, exigindo explicações sobre o paradeiro do mesmo.
Sem informações de onde estava Vladimir, a família seguiu ligando para o Palácio da Polícia e para o HPS. O trabalhador, até então, não havia dado entrada em nenhuma delegacia ou hospital de Porto Alegre. Na tarde do domingo (19), a família foi até o IML, onde um corpo havia dado entrada como vítima de afogamento, devido aos alagamentos que assolam a capital desde o início do mês. A família reconheceu o corpo do trabalhador com sinais de espancamento.
“Quem entrou para reconhecer o corpo foi minha tia e minha prima. Ele estava muito machucado. Com queimaduras. Com pauladas. Ele estava irreconhecível, tanto é que a gente pediu o caixão aberto, porque eu não tinha noção do tanto que ele estava machucado. E quando a minha mãe chegou no cemitério, a gente teve que fechar o caixão, porque não parecia o meu irmão que estava ali dentro. Era outra pessoa, ele estava totalmente desfigurado. Ele apanhou até a morte. Eles mataram o meu irmão, a paulada, choque”, relatou Patricia.
A revolta dos moradores veio na forma do incêndio de dois ônibus, ação que foi noticiada pelo AND. No dia, cerca de 50 pessoas participaram do ato.
Na noite do protesto, o direito de ir e vir dos moradores foi completamente cerceado, inclusive com a Polícia de Choque, que estaria no local para controlar o protesto, entrando no condomínio e andando pelos corredores entre os apartamentos, impedindo que os moradores entrassem ou saíssem de suas próprias casas. Os moradores ainda relataram dificuldades durante a noite, por conta do efeito causado pelo armamento da Choque.
“Eu tenho uma filha especial, no dia do protesto ela desmaiou por conta das bombas. Minha filha ficou a noite inteira chorando, pois não passava a dor nos olhos. Eu não a levei no médico porque tive medo deles não deixarem nós entrarmos novamente”, relatou uma moradora de 48 anos, que preferiu não se identificar.
Desde então, os abusos e incursões policiais no condomínio multiplicaram, com torturas, revistas e ameaças para forçar confissões dos moradores e enterrar o caso de Vladimir com medo.
Durante toda a semana, a perseguição a cerca dos moradores e dos familiares de Vladimir apenas se intensificou. A polícia passou a impedir que os portões do condomínio fossem fechados e mantinham viaturas nas saídas, revistando todos os moradores, incluindo crianças. Os moradores relatam que carros, roupas, compras, comida e até mesmo o lixo estava sendo revistado.
“Tá todo mundo com medo. Até criança agora tem medo da polícia. Grita polícia e as crianças começam a chorar. Porque eles não estão respeitando ninguém mais”, afirmou Patrícia.
Uma moradora — que preferimos não identificar para garantir a segurança da fonte — relatou que alguns moradores inclusive foram submetidos a torturas. “As pessoas apanham dentro dos apartamentos. A gente corre, vai pra frente dos blocos, pra frente dos apartamentos, pra socorrer quem tá sendo agredido. Torturado, né”.
Esse tipo de relato é reverberado por diversas pessoas que vêm sofrendo com o abuso de poder da polícia, como outra moradora, também não identificada, que contou um caso acontecido dentro da sua própria casa: “Eles estão entrando na casa das pessoas sem mandado. Eles querem que tu tenha droga dentro de casa, sendo que tu não tem. Eu trabalho. Ontem eles entraram na minha casa e agrediram meu filho. Pegaram meu guri. Bateram nele querendo tirar alguma coisa dele, sendo que ele não tá fazendo nada”
As denúncias de agressões e perseguição a familiares e conhecidos de Vladi ultrapassam inclusive os muros do Condomínio Princesa Isabel. Em outro bairro, onde a família de Vladimir morava antes de se mudar para o condomínio, a polícia invadiu a casa de pessoas próximas da família, reviraram os pertences dos moradores, quebraram a câmera de segurança da casa e agrediram um homem, que teve ferimentos na boca e braços.
“Ele é tio das minhas netas. Eles querem assustar, querem fazer a gente calar a boca”, comentou Patrícia sobre a situação.
Após mais de duas semanas desde o desaparecimento e morte de Vladimir, nenhum policial foi formalmente identificado ou afastado pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Em contrapartida, na última segunda-feira (03/06), agentes da Polícia Civil foram até o Condomínio Princesa Isabel com ordens de prisão para os manifestantes suspeitos de incendiar os ônibus.
Em suas redes sociais, Patrícia expôs sua revolta com as prioridades de justiça da polícia: “Quer dizer que um ônibus vale mais que a vida do meu irmão? Operação pra prender quem quer justiça teve, e pra prender esses assassinos?”
Cobertura do monopólio de imprensa
Após o protesto, o monopólio de imprensa prontamente reforçou a campanha – que já ocorre há anos – de criminalização dos moradores do condomínio. As primeiras reportagens diziam que o motivo do protesto era a suposta prisão de um traficante: “pode ser que um traficante foi preso, algo nesse sentido”, afirmou o apresentador do programa “Bora Brasil” da Band. Os moradores lembram que também foi o próprio monopólio de imprensa Band, na figura do reacionário Alexandre Mota (uma espécie de Datena gaúcho) que apelidou o condomínio de “Carandiru”.