O governo de Pernambuco decretou estado de emergência no sistema de saúde pública depois de as Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) infantis e neonatais colapsarem pela falta de condições para suportar um surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave. A medida publicada no dia 28 de maio evidencia o despreparo para prover saúde ao povo, em meio a casos de morte por negligência médica, teto de hospitais caindo e desabastecimento de insumos básicos nas unidades de saúde.
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) contabilizou 2544 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), sendo destes 1756 crianças e jovens entre 0 e 14 anos, compondo 68,7% dos doentes. No dia do levantamento da Secretaria, havia 82 crianças internadas em UTIs e 59 delas eram devido à síndrome. Em nota ao monopólio de imprensa Folha de Pernambuco, a SES declarou que as taxas de ocupação eram de 93% das UTIs pediátricas, 100% das UTIs neonatais e 89% das enfermarias pediátricas. A fila no dia chegava a 61 crianças. A situação vai do litoral ao sertão do Estado, como relatado pelos funcionários do Hospital Dom Marlan, em Petrolina, que registrou aumento de 329% nos casos de Srag.
O peso da crise no sistema de saúde pública no Estado é agravado porque a Srag é uma doença sazonal, que todos os anos, entre maio e agosto, acomete uma parcela da população. Em maio de 2024, a fila por leitos de UTIs chegou a 150 pessoas. O colapso rotineiro devido à síndrome respiratória revela um despreparo do governo, que ano após ano não consegue resolver os problemas da população.
Povo se levanta contra o desmonte da saúde
A situação de crise no sistema de saúde não se restringe aos casos de Srag. O sucateamento da saúde pública, por meio da negligência médica, matou Cibele, uma jovem de 19 anos, com uma perfuração no estômago durante uma cesariana no Hospital Guararapes, no dia 13 de maio. Em resposta à tragédia, a população de Jaboatão dos Guararapes fez um combativo protesto em frente ao hospital, com barricadas em chamas pedindo justiça pela jovem. A manifestação foi covardemente reprimida pela Polícia Militar e a via foi liberada.
“Hoje estamos aqui em forma de protesto não só por Cibele, mas por todas as mães que sofreram negligência, olha aí [aponta para o Hospital Guararapes], muito pai e muita mãe revoltada. Ganha uma [vida] para perder outra, como é isso? Se fosse assim, ninguém ia querer ser mãe, ninguém ia querer ser pai não. […] Não é o primeiro caso e, se ninguém fizer nada, não vai ser o último, não. A gente quer justiça por Cibele e por todas as mães que sofreram nas mãos desse hospital aí, nesse matadouro” relata uma familiar da jovem nas redes sociais.
No início do mês de maio, o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Pernambuco, junto à categoria, fez uma poderosa greve de 7 dias, contando com diversas paralizações e manifestações de rua. A mobilização dos enfermeiros ocorreu após a absurda proposta da Prefeitura do Recife, de João Campos (PSB) de aumentar R$1,00 no vale alimentação e 1,5% no salário base dos trabalhadores. Em contrapartida, semanas antes da greve, veio à público que o governo Campos superfaturou em R$ 3,3 milhões a compra de livros para as escolas públicas.
Também em maio, no dia 15, o teto de um posto de enfermagem no 5º andar do Hospital da Restauração caiu. “Graças a Deus, não houve danos maiores, não lesionou nem machucou nenhum profissional. Mas havia uma técnica de enfermagem no local que, por sorte, estava afastada do ponto onde o teto desabou”, relata o presidente do Sindicato dos Técnicos de Enfermagem do Estado de Pernambuco, Francis Herbert. O sindicalista adiciona que “A gente vem mostrando que o Hospital da Restauração está em ruínas. Alertamos as autoridades, mas nenhuma medida de emergência é tomada. Vejo a hora de termos que noticiar uma tragédia com mortes de profissionais ou pacientes por causa de um teto que cai, um choque elétrico ou outro acidente evitável […] É lamentável a omissão do governo. Estamos falando de preservar vidas. Falta interesse político e investimento por parte do Estado de Pernambuco na saúde pública”. O Hospital da Restauração é a principal unidade de saúde de todo o Estado de Pernambuco.
Em maio de 2024, após denúncias da população, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (Cremepe) moveu uma ação judicial contra o governo do Estado por falta de remédios e insumos básicos no Hospital Barão de Lucena, na zona oeste do Recife. Desde janeiro do seguinte ano, diversas cirurgias foram suspensas por falta de abastecimento na unidade de saúde. Quando questionada pela imprensa, a Secretária de Saúde mentiu sobre o caso, afirmando que não tinha sido notificada sobre o problema. Entretanto, em novembro de 2023, o Conselho Regional de Enfermagem e pacientes denunciaram publicamente o desabastecimento da instituição, à qual faltavam até mesmo analgésicos. O ocorrido foi amplamente divulgado pela mídia à época. O Hospital Barão de Lucena é uma das principais unidades de saúde de alta complexidade em Pernambuco, onde são realizadas diversas cirurgias de grande porte, tratamento contra o câncer e tratamento materno-infantil. O escândalo também ocorreu na época da sazonal síndrome respiratória aguda grave.
O desmonte planejado
Para além dos fatos recentes, o desmonte do SUS remonta a sua própria estruturação após a Constituinte de 1988. Ainda em seus primeiros anos de funcionamento, o AND já denunciava o sucateamento e o processo de privatização da saúde. Os postos mais básicos, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), surgidas em 2007, inicialmente no Rio de Janeiro, foram o ‘laboratório de testes’ para o atual processo de privatização da saúde, com projeto de lei de autoria do governador Sérgio Cabral Filho em 2011, que permitia que a gestão das UPAs fossem passadas para as mãos de Organizações Sociais (OSs), que tinham autonomia para a contratação de serviços sem controle público, podendo contratar ou subcontratar empresas sem qualquer impedimento.
O projeto antes Estadual, ganhou proporções nacionais. Foi possível ver as consequências da medida durante a pandemia do coronavírus. Um dos principais feitos do governo Bolsonaro para ‘conter a epidemia’ foi injetar dinheiro público, originalmente destinado ao SUS, em hospitais de campanha geridos por OSs. Junto a isso, vieram também as criminosas fraudes e superfaturamentos na compra de insumos básicos para os hospitais. Após mais de um ano de pandemia, as únicas iniciativas nacionais para o desenvolvimento das vacinas eram perseguidas pelo governo genocida, precisando recorrer ao investimento privado. Quando finalmente o Ministério da Saúde deu incentivos para os laboratórios e universidades trabalharem no tratamento da doença, foi através da compra do princípio ativo de pesquisas estrangeiras, transformando estes espaços de locais de criação de ciência nacional em montadoras de vacinas.
A Dra. Fátima Siliansky, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista ao AND em 2020, defendeu que o governo faz um cálculo matemático do genocídio, planejando quem pode morrer e quem não pode, sendo o sucateamento, a privatização e o desmonte geral do sistema público de saúde uma operacionalização dos planos do governo para a população. Dra. Fátima acrescenta que, para o governo, o povo só representa potencial de rebelião, por não se calar diante dos ataques aos direitos democráticos.
Após a crise do coronavírus, já no governo Luiz Inácio, o processo de sucateamento da saúde continua. Entre janeiro de 2023 e maio de 2025, foram cortados R$ 7,352 bilhões de verba da saúde pública. Simultaneamente, o governo do PT bateu o recorde histórico do Plano Safra, entregando R$ 400,59 bilhões aos grandes fazendeiros. A verba cortada da saúde, dada aos grandes latifundiários do país, financia diretamente os grupos paramilitares fascistas que se dedicam a atacar os camponeses pobres em luta pela terra, que repelem os ataques dos pistoleiros com sua autodefesa.