SC: Cineasta índia mostra seu povo em festival internacional

SC: Cineasta índia mostra seu povo em festival internacional

Documentário sobre a luta do povo Xokleng Laklãnõ fez parte do festival Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM). Foto: Banco de Dados AND

Um documentário sobre a luta do povo Xokleng Laklãnõ fez parte da programação, há poucas semanas, em setembro, do respeitado Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM).

O filme Vãnh Gõ Tõ Laklãnõ teve roteiro e direção de Walderes Coctá Priprá de Almeida (da Terra Indigena Ibirama, no Vale do Itajaí, SC), Barbara Pettres e Flávia Person (profissionais não-indígenas).

Com 25 minutos de duração, o curta-metragem teve como produtor local Jucelino Filho, aluno do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E na trilha sonora, constou uma composição inédita de Fernando Xokleng, graduando indígena também da UFSC em Jornalismo.

O FAM é um festival de cinema anual com o objetivo de difundir produções latino-americanas. Esta foi a primeira edição presencial do evento desde a restrição da pandemia de Covid, sendo ao todo 75 filmes de 12 países compondo a grade de exibição.

À Mestra com premiação

Walderes foi primeira mulher autorizada pelos anciãos da tribo a fazer o Mõg, bebida tradicional em cerimônias e festas do povo Laklãnõ, que não era produzida desde a década de 1930, e também a primeira indígena do sul do país a estudar Arqueologia.

Recentemente, ela conquistou o Prêmio de Excelência em Mestrado (2021). Fez tal pós-graduação em História na UFSC. Hoje Walderes é doutoranda em Arqueologia na USP (Universidade de S. Paulo).

Antes disso ela estudou Espanhol em uma graduação em Letras na Uniasselvi, em SC.

A bebida secreta

Em 2015 Walderes se graduou na Licenciatura Intercultural Indígena, na UFSC, tendo o seu Trabalho de Conclusão de Curso o tema O Mõg como Instrumento Pedagógico na Educação Escolar Indígena: Uma Experiência Laklãnõ/Xokleng .

À esta experiência, feita na escola da aldeia de José Boiteux, em 2009, quando era professora, ela deu o seguinte título :“O preparo e a história da bebida Mõg, tradicional do povo Xokleng /Laklãnõ”.

A motivação, segundo ela, é que estava ocorrendo uma preocupante perda de memória. Vinham enfraquecendo as marcas culturais da tribo desde a “pacificação”, ou seja, o contato (inicialmente amistoso e logo depois violento) da sociedade branca com o grupo indígena, em 1914.

O silenciamento

Eles hoje definem o episódio do contato como “o nosso silenciamento”. Na atualidade, a maioria dos jovens da T.I. Ibirama só fala português, alguns hábitos não-indígenas predominam, houve entrada de igrejas evangélicas e católicas na área, trazendo esquecimento dos saberes e fazeres tradicionais.

Porém na década de 1990 houve um despertar – informa Walderes . A inserção da experiência do Mõg alterou a dinâmica do ensino na escola, que não é diferenciada (indígena, como deveria ser).

Walderes esclarece que a alteração não se deu pelo consumo da bebida pelos alunos, pois esta possui teor alcoólico. E sim pelo fato de os estudantes apreciarem (e aprenderem) a preparação de um ítem relevante na cultura daquele povo, que estava impraticado desde a década de 1930.

(OBS: Naquela época ocorreram episódios nebulosos, sobre os quais os estudiosos divergem, com registro de muitas mortes. O historiador Sílvio Coelho dos Santos, baseado em relatório de Jules Henry de 1932, descreveu a redução de 400 indivíduos do grupo inicial para 106 em um intervalo de 14 a 15 anos. Outros apontam erro nessa informação.).

Fervida com uma pedra

A Mõg é uma bebida típica fermentada, com teor alcoólico, consumida por adultos em festas e rituais.

Sua receita completa é secreta e guardada pelos mais idosos. O que pode ser divulgado é o seguintes: é feita com mel, xaxim moído e uma pequena pedra-ferro (esta é uma rocha dura e resistente, um mineral vulcânico oxidado de coloração amarronzada ou mais escura).

Os demais ingredientes os anciãos pediram a Walderes que não os revelasse. A mistura é posta a ferver várias vezes. Depois, é colocada num grande recipiente de madeira, onde é coberta com água e deixada a fermentar durante algum tempo.

Uma ‘proteção’ frustrada

A Terra Indígena Laklãnõ é situada em SC, entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux, e Vitor Meireles. Foi criada em 1926, e atualmente possui uma área oficial de 37.018 hectares, sendo habitada por três etnias: Xokleng, Kaingang e Guarani.

Possui, atualmente, uma população total de mais de 2 mil indígenas, sendo dividida em 9 aldeias.

O estudioso Eduardo de Lima e Silva Hoerhann foi responsável pelo primeiro contato amistoso com os xoklengs em setembro de 1914. Eduardo era sobrinho do Duque de Caxias. Autodidata em Antropologia e Botânica/Agronomia, bem jovem interessou-se pela situação das tribos brasileiras, ingressou no SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e foi encarregado de contatar os Xokleng, que estavam sendo dizimados por bugreiros.

Estes eram jagunços contratados por migrantes europeus em SC (alemães e italianos principalmente). Pagos regiamente, eles “caçavam” os índios com requintes de crueldade. Costumavam cortar as orelhas dos mortos para testemunhar o “serviço” feito e receber o pagamento.

Colapso e reavivamento

Eduardo fundou no Vale do Itajaí, o Posto Indígena Plate, localizado no Distrito de Hamônia (atualmente Ibirama). O local foi denominado oficialmente como Posto Indígena Duque de Caxias onde Hoerhann atuou como encarregado do SPI entre 1914 e 1954.

Os índios, porém, não aceitaram fixar-se, defendendo o seu direito de ir e vir causando, muitas vezes, conflitos com os moradores brancos.

Segundo antropólogos e historiadores,com o aldeamento ocorreu também um processo de profundas mudanças em sua cultura, a imposição de novos hábitos, a proibição de sua constante mobilidade em busca de alimentos e caça.

De acordo com Silvio Coelho dos Santos, os indigenas “tornavam-se cada vez mais dependentes do mundo civilizado”. Uma tragédia étnica começou a se configurar até que, por fim, “o conjunto de crenças, valores e tecnologia dos Xokleng entrou em colapso final”.

Hoje os Xokleng mostram resistência e reavivamento da sua indianidade. Seguem em luta firme por parte de seu território, que lhes foi tomada, e que por artimanhas jurídicas da classes dominantes burguesas foi envolvida na questão do marco temporal.

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