Nas Américas, por pressão popular, começou-se a não aceitar mais, nos últimos anos, a comemoração da data reacionária e falseadora do “Descobrimento” do Novo Mundo. Em vários lugares passou-se a definir o episódio de 12 de outubro de 1492, desembarque da frota espanhola nas terras ocidentais, comandado por Cristóvão Colombo, como o Dia da Resistência Indígena. Conforme o jornal El País, “o 12 de outubro (hoje) é ensinado como invasão e colonização”.
“Alguns livros usados antigamente nas escolas primárias da Colômbia precisaram ser retirados de circulação. Embora a história seja a mesma, mudou a maneira de ensinar o descobrimento da América. Parece haver um consenso entre os professores nos últimos anos de que a chegada (castelhana) representou um ‘assalto’ não só contra a riqueza do país, mas também contra seus costumes e a cultura. (Aqui) a data é celebrada atualmente com o nome de Dia da Raça e destaca o respeito aos indígenas”, informou a jornalista colombiana Sally Palomino.
PALAVRA ESCONDE OS HORRORES
O professor Eduardo Carli de Moraes afirmou, em 2012, no artigo América não foi descoberta – Reflexões sobre “A Conquista da América – A questão do Outro”:
“Uma das primeiras coisas que colocamos sob suspeita quando começamos a estudar mais a fundo a ‘Descoberta da América’ é a própria denominação do evento histórico, esta curiosa expressão que batiza a ocorrência colossal – ‘descoberta’. Será este o termo mais adequado? Será que dizer ‘descobrir’ não serve para mascarar e esconder todos os horrores colossais da guerra de conquista que empreenderam as potências européias contra o Novo Mundo? Não é este um eufemismo criado pelo invasor, destinado a ser engolido sem reclamo pelos cordeirinhos submissos dos colonizados?
Será que dizer que nos ‘descobriram’ não intenta fazer com que nos esqueçamos de toda a pilhagem, todo o roubo de recursos naturais, que ocorreu por aqui (todo o ouro surrupiado de Vila Rica/Ouro Preto, toda a prata saqueada de Potosí…)? Não querem esconder debaixo de tapetes sírios todo o sangue indígena que correu sob a espada e as armas estrangeiras? Onde, dentro da palavra “descoberta”, estão todas as vidas escravizadas, subjugadas, maltratadas, coisificadas e massacradas pelos (tsk tsk tsk…) ‘descobridores’? Para ficar só no exemplo do México: ora, 24 milhões de índios mexicanos assassinados merecem algo melhor do que o edulcorado conto-de-fadas da “Descoberta (idílica e doce) do Eldorado”!
Bastante asséptica e higiênica, a palavra ‘descoberta’ parece remeter a um processo limpo de desvelamento, um mero retirar das cobertas, algo que traz à luz o que antes estava na escuridão. “Descoberta”, termo de tonalidade positiva, parece referir-se mais a um ato de encontrar um território novo – que só é ‘novo’, é claro, quando enxergado a partir da perspectiva daqueles que antes o desconheciam, os europeus que aqui aportaram lá por 1.500.
Só que as terras ‘descobertas’ não eram desabitadas, e nelas floresciam diversas sociedades que ali haviam vivido por milênios: como lembra Pierre Clastres, ‘a América do Sul é um continente cuja imensa superfície, com raríssimas exceções (como o deserto do Atacama no extremo norte do Chile), era inteiramente ocupada pelos homens no momento do descobrimento da América no final do século XV – ocupação, aliás, bastante antiga, de cerca de 30 MILÊNIOS, como o atestam os estudos da pré-história'” (CLASTRES, Arqueologia da Violência, p. 91).
FESTA CANCELADA NO USA
Em vários pontos dos Estados Unidos neste ano, ao contrário do habitual, não houve o festejo do “Columbus Day” no sábado, 12. Em seu lugar está sendo celebrado em 14 de outubro, o Dia dos Povos Indígenas.
Dallas foi uma dessas localidades que homenagearam as tribos nativas. De acordo com informes de um departamento governamental de Dallas repassados à mídia, outras 130 cidades adotaram a mesma mudança, incluindo Austin, no Texas; Denver, no Colorado; Minneapolis, no Minnesota; Seattle, no estado de Washington e San Francisco, na California, além de outros quatro ou cinco estados do país.
Conforme a agência jornalística Notimex, uma recente pesquisa revelou que 69 por cento dos estudantes do ensino médio estadunidense são favoráveis a abolir os festejos a Cristóvão Colombo, substituindo-os pela divulgação do papel histórico e cultural dos povos indígenas porque “a tradição de celebrar Colombo vem acompanhada da inerente celebração do genocidio, violência e colonialismo”.
(OBS: É importante esclarecer que Colombo é uma figura que simboliza o gesto espanhol histórico, mas pouco fez individualmente, além da audácia. Ele foi um executor/empregado de ricos europeus, notadamente banqueiros e comerciantes, que encaravam as navegações como negócio e lucro, tornando-se sócios das coroas de Espanha e Portugal nesses empreendimentos, conforme disse Leo Huberman na obra História da riqueza do homem.)
GUERRA DAS ESTÁTUAS
As autoridades da cidade de Los Angeles removeram, em 2018, uma estátua de Colombo instalada há mais de 40 anos no Grand Park, no centro daquela metrópole, como parte de uma moção aprovada no município, no ano passado, que substituiu o Dia do Descobrimento pelo Dia dos Povos Indígenas.
A escultura “reescreve um capítulo manchado da (nossa) história, que carrega com um falso romantismo a expansão dos impérios europeus e a exploração dos recursos naturais e dos seres humanos“, disse a ex-secretária de Comércio dos USA e atual membro do conselho do governo da cidade, Hilda Solís, autora da moção. “Assim, a remoção do Grand Park é um ato de justiça reparadora que honra e abraça o espírito resistente dos habitantes originais de nosso município. Com a sua retirada, começamos um novo capítulo em nossa história, em que aprendemos com os erros do passado para que não estejamos condenados a repeti-los”, afirmou ela à rede NBC.
Para o vereador da cidade Mitch O’Farrell, a remoção da estátua é um “passo natural nos avanços para eliminar a falsa narrativa de que Colombo descobriu a América“. Além disso, “o próprio Colombo foi responsável por genocídios e suas ações contribuíram para o maior genocídio jamais registrado. Não é preciso homenagear sua imagem em lugar nenhum”, acrescentou O’Farrell, que é índio, membro da nação Wyandot.
Em 12 de outubro de 2015 a estátua de Cristóvão Colombo no centro da cidade de Detroit, também no USA, foi pichada com tinta vermelha e encontrada com uma machadinha cravada na testa, numa denúncia criativa contra o feriado comemorativo do desembarque do explorador europeu nas Américas.
Estátua de Colombo é marcada com tinta vermelha e por uma machadinha em referência ao genocídio promovido contra os indígenas nas Américas. Foto: Reprodução
A “instalação” artística de protesto permaneceu até o dia seguinte, quando um grupo de exploradores urbanos tirou o machado. O Delta Bravo Urban Exploration postou uma fotografia do objeto, envolvido na bandeira do USA suja e amarrotada, em sua página no Facebook.
Já em Nova York, em janeiro de 2018, informou-se que a estátua de Colombo permanecerá no mesmo local naquela cidade, (Central Park) apesar das polêmicas e manifestações contrárias à sua presença ali.
A obra esteve no centro de uma “guerra das estátuas” que movimentou os USA no ano passado. A questionada escultura, embora tenha ficado no mesmo ponto, poderia vir a receber, conforme reivindicações, uma nova placa informativa e a vizinhança de um monumento dedicado à população indígena.
GUARANIS ENFRENTAM A GIGANTE ITAIPU
Pouco antes do 12 de outubro, lideranças guaranis do oeste do Paraná, da Comissão Yvy Rupá de Santa Catarina e São Paulo, se reuniram em assembleia em São Miguel do Iguaçu (PR) e decidiram aprofundar sua participação num processo judicial contra a poderosa hidrelétrica de Itaipu. Deliberaram por ingressar com pedido de Amicus Curiae na Ação Civil Originária 3300, que delibera sobre o território tradicional da tribo na região oeste paranaense.
(OBS: O Amicus Curiae, ou Amigo da Corte, é uma figura do direito brasileiro que pretende garantir a participação de entidades da sociedade civil ou órgãos públicos em processos judiciais. Esse mecanismo tem o objetivo de favorecer uma maior participação da população em julgamentos.)
A ACO 3300 responsabiliza o governo federal, o governo estadual do Paraná e a Itaipu Binacional por danos causados ao povo Guarani. A construção da Usina resultou na remoção forçada dos indígenas de seus territórios tradicionais e na violação dos seus direitos. Direitos os quais buscam reaver fazendo parte do processo e sendo ouvidos pelo STF.
“Relembramos das aldeias alagadas, a falta de licenciamento ambiental, a ausência das consultas prévias às nossas famílias, os incêndios gerados pelas própria construtora para a expulsão dos indígenas. Nossa cultura e nossa espiritualidade também foram violadas, com os nossos cemitérios inundados e os locais sagrados que igualmente deixaram de existir como foi o caso das sete Quedas”, disseram os índios no documento final da assembleia.
Segundo dado divulgado pela Comissão Estadual da Verdade do Paraná, a inundação provocada pelos reservatórios da Usina Hidrelétrica de Itaipu causou o desaparecimento de 32 aldeias do povo Guarani na região do oeste paranaense.
ÍNDIOS DO EQUADOR ENFRENTAM O GIGANTE FMI
Durante a Semana do 12 de outubro aconteceu, conforme noticiou o AND, uma nova Grande Greve Geral no Equador conclamada por movimentos indígenas, trabalhistas e revolucionários unidos contra as “medidas de fome” do presidente Lenín Moreno, serviçal obediente do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A nova Greve contou com grande combatividade dos povos indígenas, que enfrentaram as forças repressivas e defenderam seu direito de lutar, em diversos pontos do país. Apenas na capital Quito, as atividades contaram com 50 mil indígenas que chegaram em marcha, enquanto Moreno fugia a Guayaquil. A maioria dos índios equatorianos é descendente de culturas pré-incaicas mescladas com os incas, inclusive falando até hoje o quêchua, idioma dos Filhos do Sol.
Em todo o país, 70% da produção petrolífera deixou de circular, afetando profundamente o funcionamento do capitalismo burocrático. Todas as instituições públicas ficaram fechadas e paralisadas, tais como a Assembleia Nacional, a promotoria, os tribunais e todas as entidades governamentais e estatais. O serviço de transporte também não funcionou.
O Equador foi submetido ao estado de exceção, que suspendeu o direito à liberdade de associação e reunião, liberdade de ir e vir, e deu ao governo direito à censura, dentre outros absurdos. Em resposta, as comunidades indígenas “decretaram” estado de exceção em seus territórios e passaram a impedir a presença de militares, polícias ou grupos armados do velho Estado.
Nos bairros populares de Quito as massas organizaram comitês de segurança. Os manifestantes lançaram palavras de ordem como Nossa bandeira é vermelha como o sangue da classe operária! Já o Comitê de Camponeses Pobres do Equador confeccionou inúmeros cartazes afirmando que A rebelião se justifica!