O soldado do Exército que fuzilou um carro com cinco jovens no Complexo da Maré, no carnaval de 2015, foi declarado inocente pelo Conselho de Justiça Militar. A principal vítima, Vitor Santiago, ficou paraplégico e perdeu uma das pernas.
Diego Neitzke, soldado do Exército reacionário, foi inocentado por “legítima defesa imaginária”. Segundo o promotor militar Otávio Bravo, o militar “supôs” que o carro, onde estavam os jovens, oferecia “perigo iminente” e por isso atirou. A tese, um absurdo jurídico completo, foi aceita pelo conselho e pela juíza federal Marilene da Silva Bittencourt.
Vitor e outros amigos voltavam de um bar após assistir um jogo de futebol, em 2015, durante a invasão e ocupação militares promovidas pelas forças de repressão ao Complexo da Maré. O soldado atirou seis vezes contra o carro, acertando quatro de raspão, além do próprio Vitor, atingido por dois tiros de fuzil 7,62. Os jovens, vítimas, foram ainda convertidos em réus pela “justiça”.
‘Eles fazem o que querem e fica por isso mesmo’
Em entrevista ao AND, logo após a decisão do judiciário militar, Vitor protestou, sereno, mas firme:
— Isso é corporativismo. Militar passando a mão na cabeça de militar. O que vai ser da família do músico de Guadalupe? – afirma, referindo-se a Evaldo Rosa, de 51 anos, morto em abril de 2019 com 80 tiros disparados pelo Exército reacionário.
Ele prossegue: — Eu estou aqui para falar, estou vivo. Mas e a família do músico? Corporativismo. Militar julgando militar. Até quando ocorrerá esse tipo de coisa?
Sobre a tese, de que se tratou de “legítima defesa imaginária”, Vitor assevera:
— Dizem que foi acidente. Que acidente? Dizem que foi legítima defesa imaginária. O que há de imaginário nisso, na minha vida hoje? Sabe onde eu estou preso? Eu estou preso em um degrau, em um quebra-molas do qual eu não consigo passar sozinho, estou preso com dificuldade para tomar um banho. É isso.
— A justiça foi feita, né? Ele falou isso. A justiça é para os poderosos, quem tem poder, bala na agulha. Eu estava na hora errada, no lugar errado, e aconteceu. Eu não vou andar nunca mais, não tenho uma perna. O soldado não foi ponta de lança. Não foi falha mecânica. Foi falha humana. Ele atirou e ele tinha que pagar – critica.
— Pra mim é impunidade. Eles fazem o que querem. Agora vai ser mais escancarado. Vão fazer o que quiserem, na hora que quiserem, da forma que quiserem, na casa dos moradores das comunidades. Vão ocupar as favelas com polícia, soldados, ao invés de uma política para ver o que está faltando, para solucionar os problemas sociais.
A mãe de Vitor, Irone Santiago, muito revoltada com a impunidade, disparou:
— Olha aí, ó – iniciou, apontando para seu filho – isso aí é “legítima defesa imaginária”? Isso aí é imaginação? O que fizeram ao meu filho não foi imaginário! Eu quero ver se existiria excludente de ilicitude se fosse o filho de um deles!
— É corporativismo sim! Devia ser julgado na justiça comum. A culpa é do Estado que colocou eles lá dentro, sem preparo. E quem paga por isso tudo é meu filho, que está aqui nessa situação. E se fosse o contrário?
Uma das mães vítimas da violência do velho Estado presente para prestar solidariedade, Deise Carvalho, deu um contundente recado e criticou também os partidos oportunistas que buscam aproximar-se e aproveitar com fins eleitorais. “É isso, eles vêm, tiram fotos, falam que ‘estão juntos’ e depois vão embora. Só querem voto para o partido deles”, disparou.
Segundo apurou a Agência Pública, os militares são acusados de 35 mortes de civis desde 2010, quando as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) passaram a ser mais frequentes. Nenhum militar reacionário foi punido, em nenhum dos casos.
Vitor Santiago de frente ao Tribunal Militar que inocentou seu algoz. Foto: Matheus Rodrigues/G1