Foto: Reprodução/TV Globo
Com mais de 16 anos de carreira como docente, o professor de telejornalismo e radiojornalismo, Ulisses Rocha, de 60 anos, entrou para a estatística da crise no sistema de ensino superior privado: foi desligado da Faculdade Metropolitana Unidas (FMU), em fevereiro de 2020, ainda antes da pandemia, e da Universidade Nove de Julho (Uninove), onde lecionava.
“Tive de devolver meu apartamento alugado e voltar a morar com a minha mãe para não morrer de fome e não ficar sem teto. Graças a Deus, sou aposentado, mas estou procurando trabalho porque a aposentadoria não é o suficiente para manter o padrão de renda que se tem quando se possui dois empregos”, relata Rocha.
De uma única vez, a FMU mandou embora cerca de 190 professores e a Uninove demitiu 500 professores em dois cortes durante o primeiro semestre deste ano. As demissões ocorrem em outras universidades particulares na cidade de São Paulo e segundo levantamento do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro), 1.674 profissionais foram cortados desde o início de abril.
“Muitos professores não concordaram com a redução brutal de carga horária e foram demitidos. Tem professor que tinha 40 horas-aula e que ficariam com 3 horas-aula. Alguns preferem não concordar e são demitidos, outros preferem se manter por causa do plano de saúde e preferem ter alguma redução de salário a não ter nenhum salário”, afirma Celso Napolitano, diretor do Sinpro.
Um das justificativas das instituições de ensino para as demissões e para a redução da carga horária de professores é a de que houve redução de alunos matriculados. Algumas faculdades sequer abriram processos seletivos para o segundo semestre. Além disso, as instituições de ensino argumentam aumento da evasão escolar e da inadimplência.
Segundo relato do diretor da Sinpro “Essas justificativas não correspondem a toda essa redução de custo, até porque os prédios não estão sendo utilizados, então há economia de energia, água e eletricidade, por exemplo. Não se justifica”, afirma Celso.
Antes da pandemia, em dezembro de 2019, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a ampliação de disciplinas na modalidade de Ensino à Distância (EAD) de 20% para 40% nas graduações presenciais. Com a proliferação da doença, as universidades implantaram em 100% o ensino à distância no primeiro semestre e, com isso, aproveitaram para demitir de forma covarde os professores.
“Estão ‘ensalando’ os alunos, o que virou uma palavra de moda e que significa colocar alunos de vários campi e de várias universidades em uma mesma sala virtual com um só professor. Estão obrigando os professores a lecionar para entre 120 e 180 alunos em uma mesma sala, às vezes, mesmo alunos de semestres diferentes. Imagina um professor em uma plataforma tendo de ensinar 180 alunos? Isso causa um desnível de baixa qualidade de ensino. Os alunos estão descontentes com isso, mas não têm o que fazer, têm de continuar. E há os que evadem, que deixam de pagar a mensalidade, porque é um curso presencial que custa três vezes mais caro que um curso a distância”, denunciou Celso.
Apesar das demissões, a Uninove, por exemplo, está contratando professores. Mas agora os novos contratos são como Pessoas Jurídica (PJ) enquanto os dispensados eram em regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de acordo com um professor de Direito que prefere não se identificar por medo de retaliações.
“O que se discutiu muito é que as demissões foram em razão da pandemia, que havia evasão dos alunos, o que não representou uma verdade porque no mesmo momento em que estavam demitindo, estavam contratando novos professores, mas agora como PJ. Houve um aproveitamento da situação da pandemia. O ensino superior já vem em uma precarização e a pandemia veio como oportunidade para acelerar esse processo. Virou um modelo de negócios para investidores que estão preocupados com o lucro. Eles não estão interessados na educação”, lamenta o professor que preferiu não se identificar.
Outro dos professores demitidos que não quis se identificar denunciou que foi dispensado de suas funções de forma cruel e covarde recebendo mensagens através de pop-ap comunicando a demissão após quase 20 anos de trabalho na Uninove.
“Foi humilhante. Quando fui entrar no site da Uninove para lançar as notas apareceu a mensagem que eu estava dispensado. Foi uma forma grotesca e desonrosa, me senti humilhado e desprezado pelo tempo de trabalho. Tenho 71 anos e sempre fui um professor conhecido pela dedicação. Não faltava, era muito querido pelos alunos. Mas o tratamento que nos dão é de um número a mais. Eles sempre procuraram desprezar e não valorizar o professor. A missão que recebi de ensinar os alunos é o que me consola”, relata.
Ele contou que teve que entrar na justiça para ter seus direitos respeitados “O dinheiro aparece para mim no aplicativo como bloqueado. Não tem nenhuma restrição no meu nome para isso acontecer. Me disseram que era um probleminha entre a Caixa e a Uninove”, afirma.
O professor sequer conseguiu lançar as notas no sistema depois de aplicar e corrigir todas as provas. A Uninove, então, atribuiu notas altas a todos os alunos, o que ele considera um “estelionato educacional”.
“A partir do momento que recebemos o aviso de que estávamos dispensados, muitos alunos me ligaram para saber as notas que tiraram. Eu passei para quem me ligou, mas quem lançou as notas a ‘bel prazer’ foi a própria Uninove, que deu 9, 9,5 e 10 para todos. Muitos haviam sido reprovados comigo e ganharam essa nota. É um estelionato educacional”, opina.
Para Celso, o boicote dos alunos às instituições de ensino é essencial para garantir até mesmo a qualidade da educação pela qual eles pagam.
Mensagem usada para dispensar professores da Uninove — Foto: Reprodução