No dia 20, o Centro Acadêmico de Pedagogia (CAPed) da UniFeSP-Guarulhos promoveu uma mesa de debate sobre o “novo” ensino médio (NEM) e seu significado para a sociedade. A mesa foi composta por Márcia Jacomini (professora de Pedagogia na universidade e membro da REPU e do GEPuD) e o representante da FIL (Frente Independente de Luta contra o NEM). O campus Guarulhos está em greve estudantil como parte do movimento das universidades federais, iniciado em 18 de março pela greve dos TAEs (servidores técnico-administrativos) e vem servindo como espaço para atividades políticas.
Participando na REPU (Rede Escola Pública e Universidade) e no GEPuD (Grupo Escola Pública e Democrática), a professora Jacomini tem realizado pesquisas sobre a condição da educação pública e debatido maneiras de superar os métodos aplicados pelo Estado. Em 2023, ela também participou de uma entrevista ao Comitê de Apoio ao AND local. Enquanto isso, a FIL tem organizado e participado há mais de 1 ano das mais diversas formas de mobilização dos estudantes paulistas contra o NEM e em defesa da Educação: panfletagens, manifestações, e mesmo greves de ocupação.
Mesa denunciou a crise do capital
Houve duas sessões de debate: a primeira às 15h00 para os alunos do vespertino e a segunda às 19h30 para os alunos do noturno. A proposta apresentada pela mesa foi de, mais que definir o NEM, expor seu significado político, apontando o interesse econômico dos propositores e o impacto na formação da população.
Michael, da FIL, apontou 3 objetivos essenciais do NEM: preparar mão de obra barata, formar os jovens na “mentalidade de empreendedor”, e privatizar a educação pública. Como colocou a pedagoga Márcia Jacomini, a Educação é uma ferramenta de manutenção de sua sociedade, que atualmente opera no modo de produção capitalista, e é gerenciada de acordo com os interesses das classes dominantes, ainda que haja uma luta constante de democratas verdadeiros para fazer com que ela beneficie ao máximo o povo trabalhador.
O NEM se promoveu como uma reforma para deixar a escola mais interessante ao introduzir temas “ligados à realidade”, mas seu intuito real era substituir as horas de conteúdo científico por horas de propaganda empreendedorista, através de eletivas de como, por exemplo, vender brigadeiro caseiro ou se tornar um motorista de aplicativo. No entanto, Jacomini refuta a argumentação do projeto, afirmando que “a escola não é desinteressante porque ela ensina Química. Ela é desinteressante porque ela ensina Química sem laboratório”. Michael ainda ironizou que, “se os professores que dão aula de “como ser um milionário” soubessem o que eles ‘tão ensinando; talvez, eles nem fossem professores”.
A formação empreendedorista tem como alvo os filhos dos trabalhadores, para induzi-los a se conformar com empregos precarizados ou mesmo com a situação de subemprego e acreditar que a persistência individual basta para ter uma condição de vida digna. “Não à toa, o ensino profissionalizante é financiado pelo iFood”, disse Michael. Jacomini ainda explicou que, nas escolas de elite, os “percursos de aprofundamento e integração de estudos” (os antigos itinerários formativos) realmente serviram para se aprofundar nas matérias científicas.
No momento de crise inédita do imperialismo, o capital necessita maximizar a exploração do trabalho como forma de sustentar as taxas de lucro e, para isso, condicionar ideologicamente a próxima geração de trabalhadores a aceitar sua condição precária de vida. “Há uma escolha entre capital e ser humano”, resumiu Jacomini. A maneira que a cartilha do Banco Mundial orienta para atingir aqueles objetivos é criar uma Educação voltada ao mercado, cortar os investimentos públicos na área, e privatizar o ensino.
A própria privatização também serve para expandir os lucros da grande burguesia. Em São Paulo, Renato Feder (secretário da Educação e acionista da Multilaser) tentou numa amostra clara de corrupção forçar o Estado a comprar seus projetores para transmitir aulas gravadas, como numa distopia de automatização. Os monopólios de ensino tem lucrado para decidir o que os jovens aprendem e transmitir um conteúdo que, de tão precário, apresenta-se muitas vezes como um curso ou palestra, pois o Estado permite cada vez mais que os representantes deles substituam pedagogos nas salas de aula e na direção escolar.
O método da atuação privatista pode ser resumido numa palavra de ordem: precarizar para privatizar. No Estado de São Paulo, apenas no 1º bimestre de 2023, a gestão do reacionário Tarcísio de Freitas fechou mais de 300 salas de aula, assim como tentou fazer em 2015-16 Geraldo Alckmin (o atual vice-presidente da República). Enquanto o governo justifica que não existe demanda, os alunos precisam estudar em salas lotadas e os professores tocam seu trabalho em sobrecarga.
O governo federal foi conivente
Os participantes vocalizaram sua preocupação com a política do governo federal de Luiz Inácio. Enquanto, durante a campanha eleitoral, ele se havia comprometido com a educação pública, seu ministro Camilo Santana foi bem sonoro ao dizer que não revogaria o NEM. A reforma que foi aprovada e, pelos oportunistas, comemorada, avança somente e de maneira limitada na pauta das horas letivas, ao passo que mantém toda a essência de ataque ao direito de aprendizagem.
Muita luta aconteceu nas ruas e no chão das escolas desde quando o NEM foi anunciado como medida provisória 746/2016 pela gerência Temer, mas entidades como a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) têm-se ausentado das mobilizações, exceto pelos atos puxados por elas mesmas em 2023, que aconteciam de manhã (um horário inconveniente para a maioria dos estudantes) e que deixaram de acontecer com o passar do tempo. Um estudante da plateia denunciou que, nas reuniões em que participava, notava nas direções oportunistas um sentimento de descaso e mesmo boicote às manifestações.
Uma das críticas levantadas sobre as mobilizações democráticas contra a atual gerência do Estado brasileiro é que elas fomentariam a sede da reação em reprimir as massas em luta e impor um regime fascista, porém o que se tem visto é um governo de turno que, em prol da “governabilidade”, está desde seu começo aplicando reformas anti-povo e refém da extrema direita, enquanto o povo sofre com os sintomas mais graves da crise do capital e segue tendo de enfrentar a repressão do próprio Estado às suas lutas justas. Jacomini indagou “já pararam para pensar o que seria do mundo hoje se milhares de pessoas não tivessem colocado suas vidas em risco para lutar contra o nazismo?”.
Para concluir, ela adicionou “eu sou uma daquelas pessoas que acha que precisa revogar. Se for pra fazer um ensino médio novo, tem que ser debatendo com as escolas e não com o Instituto Lemann”, que leva o sobrenome de um dos homens mais ricos do Brasil. Michael apontou a greve de ocupação como o método mais avançado de luta no movimento estudantil, comprovado pelo sucesso de diversos exemplos de combatividade dentro e fora do país, e defendeu o cogoverno estudantil nas escolas, entre alunos, familiares, e trabalhadores para que haja democracia.