A suspensão sem aviso prévio do serviço de aborto legal no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, tem forçado jovens vítimas de violência sexual a viajarem a outros estados brasileiros para conseguir ter direito ao aborto legal. Ao menos 20 meninas foram até o Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha desde que o serviço foi suspenso, e nenhuma conseguiu acesso. Dentre as que tiveram o direito deliberadamente negado estão duas adolescentes vitímas de estupro, uma de 12 e outra de 15 anos, que precisaram buscar auxilio médico em outro estado após suas cirurgias terem sido remarcadas duas vezes e posteriormente canceladas sem aviso prévio pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.
O procedimento, que anteriormente era oferecido no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha por uma equipe preparada para antender os casos de interrupção de gravidez, tornou-se inacessível para as meninas que, após serem vítimas de estupro, enfrentam agora barreiras adicionais para garantir seus direitos e sua saúde física e mental.
O prefeito reacionário de SP, Ricardo Nunes, tentou justificar a suspensão afirmando que a decisão era “temporária”, mas nenhum prazo foi dado para o restabelecimento do serviço e nenhuma alternativa foi oferecida às mulheres e adolescentes que precisam do serviço. A decisão foi condenada por grupos que defendem a revogação da medida e a garantia de que as vítimas de estupro tenham tenham acesso ao aborto seguro e legal. Protestos e declarações foram registrados após o fim do atendimento.
Permissão sem garantia
A arcaica legislação brasileira prevê três casos em que o aborto pode ser executado, sendo eles o estupro, o risco de morte para a mãe e o feto com anencefalia. Mas a verdade é que, mesmo nesses casos, as mulheres não conseguem acesso ao direito, seja pelas decisões arbitrárias como a de Ricardo Nunes, ou pelo sucateamento das instituições que impedem abortos em casos de gravidez mais longas.
O que ocorreu em SP não se trata de caso isolado. Em 2020, em meio a pandemia de Covid-19, uma criança de 10 anos que havia sofrido de abuso sexual foi exposta pela “influencer” bolsonarista Sara Winter e seus seguidores, logo após o Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam) no Espirito Santo, ter negado a realização do procedimento, alegando não ter protocolo para dar sequência à interrupção da gravidez com mais de 3 meses de gestação. A falta de atendimento para casos de gravidez períodos mais “avançados” também ocorre em SP. Não há nenhuma instituição na capital paulista que realize abortos em mulheres gravidas há mais de 22 semanas.
É execrável para qualquer mulher violentada enfrentar um sistema burocrático, que lhe nega o direito ao seu próprio corpo, criando todo tipo de entrave para que ela possa realizar o procedimento de interrupção de uma gravidez indesejada.
Além de impedirem dessas formas o direito das mulheres sobre o próprio corpo, o velho Estado brasileiro persegue deliberadamente iniciativas que buscam facilitar o atendimento abortivo. Aqui no país, figuras como a dra. Helena Paro, pioneira no aborto legal por telemedicina, são perseguidas por diversas instâncias por conta de suas iniciativas. Helena Paro foi vítima, nos últimos anos, de uma verdadeira cruzada antiaborto promovida por órgãos do judiciário, conselhos de medicina e políticos da extrema-direita.
Mulheres pobres são as mais afetadas
No País, persiste a violação dos direitos das mulheres, dentro deles os direitos sobre o próprio corpo, dentro dos quais se encontra o aborto. O velho Estado, apesar das “permissões” parciais, tem responsabilidade ativa na restrição dos direitos das mulheres, acompanhado da contrapropaganda ideológica do monopólio de imprensa que produz, ou permite, as cruzadas antiaborto registradas nacionalmente contra as mulheres, adolescentes e crianças que tentam ter acesso ao direito.
É claro que, nesse cenário, as mulheres pobres são as mais afetadas. Proibidas de interromper a gravidez mesmo nos casos permitidos pela lei, muitas mulheres do povo acabam recorrendo a clínicas clandestinas ou métodos inseguros, com várias consequências, desde a morte até o encarceramento.
O que se revela é que a simples remoção do obstáculo jurídico à interrupção voluntária da gravidez, na prática, não contribui de maneira definitiva para a resolução desse sério problema de saúde pública. A questão realmente impactante para as mulheres que mais recorrem ao aborto no Brasil, especialmente aquelas das classes mais pobres, continuará sendo predominantemente de natureza econômica.