Massas tomam trem de carga e confiscam alimentos em rechaço à fome. Foto: Reprodução
Centenas de massas da Vila Natal, cidade de Cubatão, na Baixada Santista (SP), se rebelaram contra a fome e a crise e confiscaram as carnes de um vagão de trem em movimento que passava pela cidade, em 26 de outubro. O povo cortou a lataria do teto do vagão e iniciou a distribuição do alimento.
Uma jovem de 24 anos, que pediu para não ser identificada em matéria do monopólio de imprensa Folhapress, afirma que participou do confisco e que rechaça a descrição da ação enquanto “furto”. Ela afirma que as pessoas que se reuniram “estavam lá para fazer justiça”: “Nós não temos de onde tirar dinheiro para comprar comida mais, tudo aumentou. Meu pai trabalha de segunda a segunda fazendo carreto. Eu trabalho meio período numa loja, minha mãe vende perfumes e cremes e meu irmão só estuda”, denunciou a jovem que adicionou que: “Juntando tudo o que a gente ganha, mal paga o aluguel e as contas. O que a gente mais come é macarrão, porque é barato. Essa carne é um presente de Deus”. A jovem também afirmou que, além disso, a carestia afeta também os seus vizinhos que, assim como ela, também confiscaram a carga em rebelião contra a fome e a crise.
Multidão furta carga de carne avaliada em R$ 1 milhão em linha férrea de Cubatão: https://t.co/ALoR5HtQhq pic.twitter.com/WSOSM94T3V
— Jornal A Tribuna (@atribunasantos) October 27, 2022
Homens e mulheres arriscaram suas vidas escalando o trem em movimento para confiscar a carne (item cujo preço subiu mais do que o dobro da inflação). Dentro das caixas, havia muitos quilos de carne bovina, de vários cortes, como paleta, acém, maminha, alcatra, comercializadas pelo frigorífico Agra Foods. Alimentos esses, negados para a grande maioria do povo brasileiro.
O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo e o quarto maior exportador de grãos. O comércio mundial de carne em 2021 foi de 15 milhões toneladas em carcaça equivalente de carne. Cerca de 2,5 milhões delas saíram do Brasil.
Uma pesquisa divulgada em agosto deste ano revelou que sete em cada dez brasileiras e brasileiros deixaram de comprar algum item no supermercado nos últimos seis meses. O levantamento feito pelo Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), revelou que 72% dos brasileiros eliminaram algum item da lista de compras do mercado nos últimos seis meses devido à alta de preços. Das pessoas ouvidas, cerca de duas mil, 82% afirmaram que a causa da redução de compras é a inflação. De acordo com a pesquisa, 72% das entrevistadas e dos entrevistados não compram mais carne de primeira e 28% cortaram também a carne de segunda. Além disso, 15% deixaram de consumir carne suína, de frango ou peixe, e 26% deixaram de levar para casa carnes processadas como linguiça e salsicha. O leite também foi reduzido em 37%.
Mais de 33 milhões de brasileiros famintos, mais de 100 milhões de desempregados
Povo confisca carga de carne bovina contra a fome. Foto: Reprodução
No Brasil, mais de 33 milhões de pessoas não têm o que comer, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, que realizou entrevistas em 12,7 mil domicílios no país entre novembro de 2021 e abril de 2022. No final de 2020 eram 19 milhões. São 14 milhões de novas pessoas em situação de fome em pouco mais de um ano. É um aumento de 7,2% desde 2020, e de 60% em comparação com 2018.
De acordo com outro levantamento, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), o país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.
Quanto ao desemprego, utilizando como base os indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do primeiro trimestre de 2022, era 74,7 milhões o número de brasileiros desempregados (considerados “subutilizados” ou “fora da força de trabalho” pelo instituto do velho Estado), além de 31,6 milhões que vivem “na informalidade” (que, na prática, também estão desempregados), totalizando 106,3 milhões dentro de uma população de 173,1 milhões em idade para trabalhar. Isso totaliza cerca de centenas de milhões de brasileiros sem emprego digno, número muito próximo do total de brasileiros em “inseguridade alimentar” (cerca de 116,8 milhões, de acordo com a Rede Penssan).
Diante da fome e miséria inauditas, defender a farsa eleitoral é ‘salgar carne podre’
No Editorial semanal de AND de agosto deste ano, Salvar a democracia ou salgar carne podre?, destaca-se que, diante do atual cenário de miséria das massas e de desilusão total dessas com o velho Estado, “a defesa de uma velha ordem putrefata e suas eleições farsescas e de um Judiciário enfeudado só pode ser feitas com estripulias e contorcionismos”.
E questiona: “Acaso o vigente ‘Estado Democrático de Direito’ tem, pelo menos, impedido que a miséria, a fome e outras mil desgraças se abatam sobre nosso povo? O desemprego crônico de dezenas de milhões, essa velha ordem o detém? O que faz tal ‘Estado Democrático de Direito’ ante a criminosa política de sucateamento dos serviços públicos de saúde e educação praticadas pelos sucessivos governos de turno das quatro últimas décadas de sua vigência? Por acaso pôde este mesmo regime frear o recente genocídio de quase 700 mil vidas de nossa população, para não falar do genocídio secular dos povos indígenas? O que fez até hoje para pôr fim com a também secular concentração da propriedade da terra, de mais de 250 milhões de hectares nas mãos de menos de 2% dos proprietários rurais (em torno de 20 mil latifundiários), enquanto mais de 5 milhões de famílias camponesas se apertam para sobreviver em pouco mais de 100 milhões de hectares, além de outras mais 5 milhões de famílias sem terra que pulam de lugar em lugar e são impiedosamente massacradas quando, para sobreviver, ocupam terras improdutivas; o que tem feito essa velha democracia quando essa massa camponesa sem terra tem seus barracos queimados, seus utensílios, até as panelas, destruídas pelas tropas das forças repressivas de tal Estado? Nada! As chacinas de trabalhadores pobres e pretos nas favelas e de camponeses em luta pela terra, ao menos esse Judiciário sanciona com punição exemplar os aparatos e agentes criminosos do velho Estado que as executam?”.
Já o Editorial semanal de outubro, Eleição da desordem, demarca que a palavra “democracia” é vazia para as massas, uma vez que: “em que momento as massas pobres puderam experimentá-la, afinal? Teria sido durante as diuturnas operações policiais nas metrópoles, ou nas chacinas no campo? Nos juros exorbitantes praticados no país, ou na imensa concentração de terras pelos latifundiários, tudo, respectivamente, como política social e econômica de todos os sucessivos governos? Isso, sem mencionar, a abstenção massiva, os votos nulos e brancos, que expressam um quadro enorme de massas desiludidas a tal ponto que repudiam tanto a farsa eleitoral quanto a falsa polarização em seu conjunto (quase 50 milhões)”.
É diante desse cenário que quase 50 milhões de brasileiros rechaçaram a farsa eleitoral. Foram mais de 38 milhões de brasileiras e brasileiros que, registrados no TSE, não compareceram ou não votaram em nenhum candidato, segundo dados oficiais do próprio tribunal. Números oficiais, mas subestimados, porque não englobam os jovens entre 16 e 18 anos que não se registraram na justiça eleitoral e nem aqueles cidadãos que, mesmo sendo obrigados, também não atendem aos apelos para regularizar seu título de eleitor.
O número oficial de abstenção (pessoas aptas a votar e cadastradas que não comparecem) é de 32,8 milhões, e votos nulos e brancos são 5,5 milhões, totalizando 38,2 milhões. Somam-se aproximadamente 10,9 milhões de pessoas aptas a votar (em condições de voto) e que não se cadastraram na justiça eleitoral, portanto, também se abstiveram. Contando tais excluídos, são, pelo menos, 49,1 milhões de pessoas aptas a votar que não se registraram, não compareceram ou votaram branco e nulo.