Ocorreu hoje (25/3) o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra 8 pessoas acusadas de terem participado de uma tentativa de golpe no Brasil.
O dia começou com a apresentação da acusação pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. Gonet defendeu que os atos não foram espontâneos, e sim resultado de uma cadeia de eventos iniciada em 29 de julho de 2021. Ele citou arquivos digitais, documentos e manuscritos como evidências. Além disso, Gonet diz que os galinhas verdes acampados em frente aos quartéis usaram de eufemismos para pedir um golpe de Estado e disse que houve uma tentativa de arregimentar a cúpula das Forças Armadas para uma ruptura institucional.
O ministro do STF Alexandre de Moraes leu dois trechos da acusação, um centrado nos crimes cometidos e outro da conclusão da denúncia. Depois, Moraes contestou as alegações feitas pelas defesas para descredibilizar a denúncia da PGR. Foram elas:
Despejo de documento. Prática de fazer uma acusação tão grande que inviabiliza o exercício da defesa.
Pesca predatória. Prática em que a acusação é feita com grandes quantidades de dados para depois verificar alguma irregularidade.
Anulação da delação. Os advogados defenderam que a delação de Mauro Cid era inválida.
Os presentes
Além dos 5 ministros da Primeira Turma do STF (Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia, Cristiano Zanin, Flavio Dino e Luiz Fux), estão presentes no julgamento os advogados de vários dos acusados e o próprio Jair Bolsonaro (PL). Bolsonaro foi o único acusado a comparecer pessoalmente no julgamento.
O chefe da extrema-direita está acompanhado do deputado Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, e dos deputados bolsonaristas Zé Tróvão (PL-SC), Delegado Caveira (PL-PA), Mario Frias (PL-SP), Maurício do Vôlei (PL-MG), Paulo Bilynskyj (PL-SP) e Evair de Melo (PP-ES).
Tudo indica que a mobilização é uma tentativa de exercer uma “pressão política” no julgamento: algo como uma ameaça de desestabilização em ambientes como a Câmara dos Deputados a depender dos rumos do processo.
A defesa de Jair Bolsonaro
A defesa de Jair Bolsonaro tentou manobrar a situação para que o advogado de Mauro Cid falasse antes – permitindo, assim, que a defesa de Bolsonaro preparasse respostas ao que fosse dito pela defesa do tenente-coronel. O pedido foi negado pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet.
Quando finalmente tomou a tribuna, o advogado Celso Vilardi disse que a acusação é baseada apenas na delação de Cid – ignorando, assim, os documentos e vídeos que comprovam os preparativos para uma tentativa de golpe –, que os pronunciamentos de Bolsonaro citados na acusação não expressam nenhuma ameaça grave, que não há conexão entre as agitações bolsonaristas e os atos do dia 8 de janeiro e que o julgamento deveria estar ocorrendo no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), e não na Primeira Turma do tribunal.
“A denúncia é feita com base na minuta tratando de Estado de sítio, baseada na palavra exclusiva do delator, e uma narrativa de pronunciamentos do presidente da República. Estamos tratando de uma execução que se iniciou em dezembro tratando do crime do governo legitimamente eleito. Qual era o governo legitimamente eleito, era o dele? Então, esse crime é impossível. E mais, como se falar em início de execução, por pronunciamentos e lives, quando os dois tipos penais têm elementares típicos a violência ou a grave ameaça? Não existia violência nem grave ameaça? Então é impossível falar dessa execução.”
Vilardi também defendeu que a delação de Cid deveria ser descartada, porque Cid quebrou a delação. Ele se baseia em um vazamento de áudio em que o tenente-coronel desabafou sobre como os depoimentos estavam sendo conduzidos. Vilardi também disse que a delação é contraditória. “Ele (Cid) quebrou a delação. A PF diz que ele mentiu, omitiu e se contradisse. Delação é meio de prova. O delator conta uma história e os investigadores vão buscar as provas. O que aconteceu nesse caso: ele falou, mentiu, omitiu e se contradisse, segundo a PF. E há uma inversão: não é o Estado que foi buscar palavras de corroboração dele, é o contrário: o Estado trouxe indícios, e ele se adequou aos indícios.”
O que pode complicar a defesa de Bolsonaro é a linha escolhida pelos advogados de todos os outros acusados até agora: o método de salvar os próprios clientes, e não desmontar toda a tese da PGR. Inclusive acusando Bolsonaro de ser o responsável.
As outras defesas
Alexandre Ramagem. O advogado de Ramagem não negou a acusação de tentativa de golpe. Contudo, ele disse que é tarefa da agência de inteligência monitorar a segurança das urnas eletrônicas, o que é mentira. O erro foi respondido pela ministra Carmen Lúcia.
Almir Garnier. A mesma linha foi seguida pelo advogado Demóstenes Torres, responsável pela defesa do ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, que aceitou embarcar nos preparativos para uma tentativa de ruptura institucional. Ele tentou dizer que não há indícios de que Garnier tenha participado dos preparativos e só tentou deslegitimar a acusação de que houve uma tentativa de golpe na medida em que isso afetava o almirante. Em outras palavras, a ideia é negar somente o suficiente para inocentar Garnier, e não desmontar toda a tese da PGR.
O ponto alto da defesa de Garnier, contudo, foi quando o advogado acusou outros comandantes das Forças Armadas. Seguindo a colunista do monopólio de imprensa O Globo, Vera Magalhães, o advogado ironizou ou questionou o fato de a denúncia não incluir o atual almirante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen.
Augusto Heleno. O advogado do general Augusto Heleno exigiu acesso às provas em si, e não somente aos relatórios. Mais do que tentar inocentar Heleno, a defesa do general jogou a “batata quente” para Bolsonaro ao dizer que, na live em que foi defendida a ideia de um golpe com participação de Heleno, quem “falou o tempo todo foi o presidente Jair Bolsonaro”. O que é curioso é que a defesa de Heleno simplesmente ignorou a reunião ministerial de julho de 2022, em que Heleno participou e defendeu ativamente a necessidade de “virar a mesa antes das eleições”.
Paulo Sérgio Nogueira. O advogado do general Paulo Sérgio Nogueira, assim como o do general Heleno, usou a delação de Mauro Cid para tentar inocentar o general, diferente de outras defesas que buscaram descredibilizar a delação do tenente-coronel. O advogado Andrew Farias lembrou que Cid disse que o grupo do qual Nogueira fazia parte era contra qualquer ação e que temia uma movimentação que “poderia levar a Bolsonaro a assinar uma doideira”.
Braga Netto. A defesa do general envolvido na trama golpista e atualmente preso em uma cela de ouro no Rio de Janeiro concentrou os esforços em desmoralizar a delação de Mauro Cid. O advogado disse que, inicialmente, o tenente-coronel não citou o general na delação, e só o inseriu na história depois que correu o risco de perder o acordo.
Segundo Cid, Braga Netto foi peça-chave na preparação dos planos chefiados por Jair Bolsonaro e no financiamento das articulações. O general teria passado uma bolsa de dinheiro a Cid, chegando a dizer que o montante era do “pessoal do agro”.