Na manhã de 16 de agosto, o STF formou maioria para suspender a execução de emendas impositivas dos deputados federais e senadores – as chamadas “emendas Pix”. A decisão se deu em votação (encerrada às 11h) ocorrida logo após uma ação de Flávio Dino, realizada na noite de ontem, que exige que, para voltar a vigorar, o Congresso deve estabelecer regras que levem em conta a necessidade de “transparência, rastreamento e eficiência” de verbas bilionárias. Essa ação do STF é parte, assim, da escalada da crise entre ambas as instituições, que vem por meses se desenvolvendo.
Os parlamentares reagiram ainda durante a noite, com Arthur Lira acionando o presidente da Suprema Corte, Luís Roberto Barroso. Mas foi inútil e a votação terminou com 6 votos favoráveis à manutenção da decisão. Agora, a expectativa é que Congresso e Judiciário protagonizem uma nova crise institucional. No dia 16, sexta-feira, a reação mais dura foi o andamento da PEC, na Câmara dos Deputados, que restringe poderes do STF.
Em sua decisão, Flávio Dino considerou “incompatível com a constituição” a execução de emendas sem qualquer critério de rastreamento. Ele defendeu que as emendas parlamentares impositivas devem ocorrer “nos limites da ordem jurídica”, e não ficar sob a liberdade absoluta do parlamentar autor da emenda. Dino afirmou também que para que as verbas voltem a ser enviadas, é preciso o estabelecimento de um conjunto de novas regras.
Mesmo que Dino tenha frisado “diálogos institucionais” entre Legislativo e Judiciário, nos próximos dias a relação não deve caminhar rumo a uma harmonia, pelo contrário. Criticando a medida, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP) afirmou que “não podem mudar isso num ato monocrático, quaisquer que sejam os argumentos e as razões, por mais que eles pareçam razoáveis”. Anteriormente, influenciados por Lira, Câmara e Senado entraram com recurso de agravo regimental contra a decisão de Dino em suspender duas emendas. Foi, no entanto, inútil.
Torrando bilhões de verba pública
Para todo o ano de 2024, o Congresso conta com R$ 49 bilhões para emendas parlamentares. Logo no segundo mês do ano, em fevereiro, Luiz Inácio editou decreto com calendário prevendo a entrega de R$ 20,5 bilhões ainda no primeiro semestre. Nos meses subsequentes, parlamentares, maioria de bolsonaristas e ligados à bancada do latifúndio, pressionaram pela liberação de ainda mais emendas e de forma mais rápida.
Chefiados por Lira – presidente de fato com o controle do Orçamento –, os parlamentares barganham apoio às medidas do governo. E o governo joga com a liberação mais cedo ou mais tarde conforme votações de projetos chaves se impõem.
No presente ano, os valores das emendas parlamentares se dividem entre emendas individuais (R$ 25 bilhões), emendas Pix (R$ 8,2 bilhões), emendas de bancada (R$ 8,5 bilhões) e emendas de comissão (R$ 15, bilhões).
Quando candidato, Luiz Inácio criticava duramente as emendas, afirmando que o “orçamento secreto” é mais grave do que o “mensalão”. Ele também chegou a prometer que acabaria com o dispositivo e criaria um mecanismo digital para a população indicar para onde deveriam ir as emendas. Porém, em seu terceiro mandato, o que Luiz Inácio e seu governo de coalizão reacionária fizeram foi turbinar ainda mais tais emendas, numa continuidade do governo de Bolsonaro. A política do “toma lá, dá cá” seguiu em vigor dessa forma: o primeiro ano do governo de Luiz Inácio, 2023, terminou com um valor 79% superior ao governo de Bolsonaro. Ao todo, quase R$ 30 bilhões foram destinados, num ritmo de liberação mensal também maior em relação ao governo anterior.
Anteriormente, o ministro do STF Flávio Dino já havia solicitado ao governo de Luiz Inácio explicações sobre a situação das regras não cumpridas. Luiz Inácio não respondeu. Agora, a decisão do STF, embora afronte os interesses imediatos dos parlamentares e do Congresso, resultará inevitavelmente em pressões sobre o governo: afinal, o “centrão” pressionará para que Luiz Inácio se posicione contrário, deixando de votar determinados temas de interesse do governo. É o preço a pagar, pelo governo, da sua política de conciliação. A crise institucional tende a aprofundar a crise política já existente.