A enxurrada de tarifas impostas pelo governo Trump contra a maioria dos parceiros comerciais dos EUA está causando um rebuliço no comércio global de commodities agrícolas e minerais. Mas a reação da China de retaliar as tarifas impostas contra seus produtos por Trump está animando o latifúndio agroexportador (também conhecido pelo pseudônimo de agronegócio) e mineradoras que veem nessa situação uma oportunidade dourada para abocanhar ainda mais espaço no grande mercado chinês de commodities.
A animação dos latifundiários cresce ainda mais com os planos do governo liderado pelo presidente Lula de aprofundar a construção e/ou recuperação de rodovias, ferrovias e hidrovias, principalmente na Amazônia, para garantir que a produção nacional de commodities se torne mais atrativa para os chineses. Exemplos disso são a proposta de construção da hidrovia do Pantanal, a pavimentação da BR-319 e a construção da Ferrogrão, tecnicamente chamada EF-170, que contará com uma extensão de 933 km, conectando a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao Porto de Miritituba na margem direita do rio Tapajós, em Itaituba, no estado do Pará.
Dois aspectos centrais dessa volúpia em prol do estabelecimento de uma estrutura logística pró-commodities, no entanto, são obviamente ignorados tanto pelos latifundiários como pelo presidente Lula, que atua como uma espécie de garoto-propaganda das supostas potencialidades econômicas das commodities brasileiras.
O primeiro se refere ao processo de alteração da cobertura florestal tanto da Amazônia quanto do Cerrado. É que, quando mais estradas, hidrovias e ferrovias forem criadas para exportar commodities agrícolas, maior será a pressão para ocupar áreas ainda ocupadas por florestas. Assim é que dados mais recentes sobre o processo de degradação florestal (que vem a ser as mudanças na cobertura vegetal causadas pela extração seletiva de madeira e pela penetração de fogo nas bordas e no interior das florestas) dão conta de que em 2025 (e olha que estamos apenas no mês de abril) um total de 33.807,00 km2 de florestas foram afetadas, constituindo um recorde desde que as medidas começaram a ser feitas em 2009. Já o desmatamento, que é a remoção total das florestas, apesar de ter registrado uma queda em 2024, manteve-se em níveis igualmente altos. Com isso, o que se perde não é apenas a biodiversidade existente nas áreas desmatadas e degradadas, mas os serviços ecossistêmicos que as florestas fornecem, a começar pela regulação climática. Combinados, desmatamento e degradação já alteram em torno de 50% das florestas amazônicas, com uma tendência clara de que ainda vai piorar. Como vivemos os efeitos das mudanças climáticas, a diminuição dos serviços ambientais fornecidos pelas florestas da Amazônia representa um fator a mais na criação de situações extremas de ondas de calor e falta de chuva.
Como aquilo que está ruim sempre pode piorar, um segundo aspecto negligenciado tem a ver com a transformação do Brasil no maior consumidor mundial de venenos agrícolas, os famigerados agrotóxicos. A expansão das áreas plantadas em quatro monoculturas de larga escala (soja, milho, cana de açúcar e algodão) responde por mais de 80% do consumo anual de agrotóxicos no território nacional, criando um amplo processo de contaminação ambiental que compromete a saúde dos brasileiros. A contaminação causada por agrotóxicos alcança tanto trabalhadores rurais como os consumidores de uma produção de alimentos cada vez mais contaminada por resíduos tóxicos originados de agrotóxicos banidos em outras partes do mundo. Há ainda que se apontar para crescentes evidências de que a contaminação de corpos hídricos e do lençol freático está chegando às torneiras dos brasileiros.
Uma sinalização da gravidade da questão da contaminação da água é o fato de que, desde 2022, as concessionárias estão sendo obrigadas a mensurar a presença de 41 agrotóxicos na água fornecida para consumo humano nas cidades brasileiras. O que motivou essa verificação foi o fato de que vários estudos científicos realizados nas áreas dominadas pelas monoculturas de exportação já comprovaram um aumento sensível na incidência de várias doenças graves, incluindo diferentes tipos de câncer, que foi associado ao consumo de água de torneira contaminada.
Um detalhe que é ignorado pela maioria dos brasileiros se refere às facilidades fiscais e tributárias que são concedidas às multinacionais que produzem e vendem seus venenos agrícolas no Brasil. Enquanto uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo PSOL em 2016 para questionar a isenção de 60% no ICMS e até 100% no IPI para agrotóxicos transita de forma lenta no Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional manteve a isenção do ICMS na reforma tributária. Em outras palavras, enquanto os fabricantes de agrotóxicos lucram bilhões e são beneficiados por vantagens fiscais e tributárias, os brasileiros ficam expostos a venenos perigosos.
Há ainda que se lembrar que um dos efeitos colaterais do tarifaço de Donald Trump será a aceleração da oficialização do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, o que representará ainda pressões tanto para o aumento na produção de commodities agrícolas, como para o uso de agrotóxicos fabricados na União Europeia que são banidos lá, mas utilizados em grandes quantidades no Brasil. E, sim, mais desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
Finalmente, cabe ainda frisar que não se pode esperar qualquer ação efetiva do governo federal para conter a destruição das nossas florestas e a exposição dos brasileiros a venenos agrícolas. É que, como já foi dito aqui, o governo do presidente Lula está comprometido até a medula com o latifúndio agroexportador. Isso fica evidente tanto no financiamento bilionário concedido no Plano Safra para a produção de commodities, como no congelamento da reforma agrária. Basta observar o que foi investido com uma coisa e com outra para sabermos com quem o governo Lula está efetivamente comprometido.
Marcos Pedlowski é professor do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense.
Esse texto expressa a opinião do autor.