No final de semana de 19 e 20 de novembro, grupos de extrema-direita realizaram ações e atentados golpistas em Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Rondônia (RO), Pará (PA) e Santa Catarina (SC) no objetivo de questionar a derrota do ultradireitista Jair Bolsonaro nas eleições e impor um regime militar. As ações seguem após quase um mês de agitação golpista impune e insuflada pelo presidente da república e por declarações ambíguas das Forças Armadas reacionárias.
Nesses dias, ocorreram cerca de 20 bloqueios no país, a maioria concentrados nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Minas Gerais, todos executados por grupos que mesclam políticos locais, latifundiários, ex-policiais, “milicianos” e pistoleiros, financiados por empresários e pelo “agronegócio”, segundo as investigações em curso.
Armados, latifundiários do MT cometem atendados em série
Olair Correia, “produtor rural”, foi preso por tomar parte em uma ação de sequestro de um trabalhador de uma concecionária e incêndio de dois caminhões em MT. Ele e outro homem foram presos com armas e R$ 10 mil em dinheiro. Foto: Reprodução
Especificamente no MT, a orientação de latifundiários foi de parar estradas a todo custo. Os bandos de bolsonaristas obedeceram, seguindo o mesmo modo de atuação: grupos que reuniam de cinco a dez indivíduos realizaram ações com armas de grosso calibre, cobertura de rosto, gasolina, facões e bombas. Os ataques ocorreram ao longo dos dias 19 e 20/11, tendo como alvos um posto de cobrança de pedágio, vários caminhões, ambulância, tentativas de destruição de pontes e estradas, além do roubo de uma borracharia.
Todas as ações tomaram novo impulso após o bloqueio, pelo judiciário, das contas de 43 pessoas físicas e jurídicas que estariam financiando atos golpistas e os atentados. Imagens divulgadas nas redes sociais por bolsonaristas de MT afirmavam: “Alexandre travou as contas bancárias e nós vamos travar o país”. No dia 17/11, o Sindicato Rural de Sorriso, cidade que tem mais da metade dos suspeitos de financiar os atos golpistas, divulgou uma “carta aberta à sociedade” na internet, “solidarizando-se com os empresários da cidade que foram atingidos diretamente pela decisão judicial, restringindo o direito de livre manifestação e liberdade de expressão, inclusive com possibilidade de aplicação de sultuosas e desarrazoadas multas”, referindo-se aos atentados e pregações de golpe militar.
Em 19/10, na BR-163 entre os trechos Lucas do Rio Verde e Nova Mutum, uma ambulância e um guincho foram incendiados em um posto da concessionária privada, Rota do Oeste, que administra a estrada. A rodovia estava bloqueada pela extrema-direita. Uma base da concessionária foi alvejada por tiros. Os vídeos das câmeras de segurança do local mostram um grupo descendo de duas caminhonetes e ateando fogo à ambulância e ao guincho, usando coquetéis molotov. Ao menos nove pessoas aparecem nas imagens portando armas de fogo, além dos artefatos incendiários.
Funcionários da concessionária, em vídeos divulgados, afirmam que eles “chegaram atirando” e mandaram os trabalhadores saírem e que o grupo “quebrou tudo”, jogou gasolina na base e ateou fogo à estrutura.
Dois dias depois, em 21/11, dois homens foram presos por incendiar duas carretas de caminhão em Sinop (MT). Antes de iniciar os incêndios, eles renderam e sequestraram um funcionário da concessionária Via Brasil, que administra um trecho da BR-163, através de uma emboscada executada por pelo menos oito pessoas. O trabalhador sequestrado inspecionava a estrada quando viu dois veículos parados no acostamento e uma das pessoas acenando. Ao entender que se tratava de um pedido de ajuda, o funcionário parou. Então, a pessoa que tinha acenado sacou uma arma de fogo, mandou que ele descesse do carro e pediu o uniforme da empresa que ela usava. O bolsonarista vestiu o uniforme, entrou no carro da concessionária e transitou por cerca de 2 km e trancou as duas pistas, impedindo a passagem de veículos. Em seguida, vários golpistas que estavam na parte de baixo da ponte da BR-163 começaram a subir encapuzados e atearam fogo nos dois caminhões.
Os presos pelo incêndio dos caminhões são Danilo José Ribeiro de Sousa, de 27 anos, e Olair Correia, de Sinop (MT), “produtor rural”. Nas redes sociais de Olair, há diversas postagens pedindo por “intervenção federal” (golpe militar para impor um regime militar) e comemorando os desfiles golpistas do dia 7 de setembro, convocados por Bolsonaro. Na abordagem aos responsáveis pelo ataque, a polícia apreendeu uma arma de fogo calibre 380, dois carregadores e 36 munições, quase R$ 10 mil em dinheiro, nove galões de gasolina, quatro facas e facões, quatro isqueiros, duas sacolas com estopas e um estilingue. Investigação do STF aponta que grandes empresários reacionários, dentre eles alguns com ligação direta com o latifúndio, estão entre os financiadores e organizadores dos atos.
A PRF afirmou que encontrou artefatos explosivos enterrados no asfalto da rodovia 174, em Comodoro (MT), na madrugada do dia 19/11. Artefatos explosivos já vinham sendo plantados ao redor das rodovias de MT desde a metade do mês de outubro. No dia 17/10, policiais militares realizaram a apreensão e destruição de cerca de 30 quilos de artefatos explosivos no município Guarantã do Norte. O material foi localizado na noite anterior, na zona rural do município, ao lado de uma rodovia.
No dia 18/11, em Sinop, um vídeo gravado da cabine de um caminhão mostra dois homens jogando pedras no para-brisa de uma carreta com o objetivo de não deixar o motorista seguir viagem. “Aqui em Sinop o clima está tenso. Quem tenta furar o bloqueio é apedrejado”, diz um homem em um áudio que correu por grupos de aplicativos de mensagens. Durante a madrugada, três carretas acabaram colidindo em Nova Mutum por conta de um uma carga de aterro que foi jogada no km 583 para fechar a rodovia.
Também em Sinop, no mesmo dia, uma outra filmagem capta o exato momento em que dois homens são cercados e agredidos com socos e chutes dados por fascistas, na presença de agentes PRF, que deixa o espancamento acontecer prolongadamente. Os dois que sofreram as agressões são algemados e detidos pelos agentes da PRF. De acordo com o bolsonarista que gravou o vídeo, os dois homens teriam chegado armados na concentração para tentar dispersar o bloqueio. A PRF é saudada pelo bolsonarista no final do vídeo. Também nesse dia, segundo a PRF, houve um derramamento de quase 100 toneladas de óleo nas rodovias, para impedir o trânsito de caminhões.
No dia 23/11, após o fim de semana, três delinquentes bolsonaristas foram presos após assaltar pneus de uma borracharia na beira da estrada e ameaçar a dona do local. Vilso Gabriel Brancolione, de 25 anos, junto com outros dois homens, roubou os pneus e ameaçou a vendedora. A PM foi acionada e, em patrulha, se deparou com pontos incendiados pelos bolsonaristas, que entraram em uma caminhonete, iniciando uma fuga. Durante a perseguição, houve troca de tiros. Os três foram presos. Vilso Gabriel era o segundo secretário do Sindicato Rural de Nova Mutum e delegado da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), ligado aos latifundiários da região.
Os ataques de MT ocorrem na região onde vivem 24 latifundiários dos 43 grandes empresários suspeitos de financiar os atos golpistas, e que também doaram R$ 1,3 milhão para a campanha de Bolsonaro à reeleição.
Bloqueios, derrubadas de pontes e locaute
A mando dos latifundiários, os organizadores mobilizaram-se para as ações do fim de semana também através de grupos de WhatsApp. Em uma das mensagens, um bolsonarista orientou: “Aqueles fazendeiros [latifundiários] que têm propriedade na beira da rodovia, coloca uma plantadeira ou um subsolador, vamos pegar e bloquear tudo. (sic)”. As informações são do portal Gazeta Digital.
No dia 18/11 (antes do fim de semana) áudios circulavam nesses grupos com informações de que os bolsonaristas planejavam explodir uma ponte com dinamite na região de Peixoto de Azevedo (691 km de Cuiabá) para servir aos planos golpistas. “A ponte de Peixoto hoje, ela vai descer rio abaixo, fica ligado. Os garimpeiros já estão preparando a dinamite, hoje eu conversei com um aqui, com o líder, e disse que já estão organizando a derrubada da ponte. (…) Os caminhões que tiver rodando ai eles vão murchar pneu, derrubar a carga para o chão, fica esperto aí, a pista vai ficar livre, mas ninguém está livre de levar uma pedrada no caminhão não” (sic), diz um homem não identificado. Naquele final de semana, a ponte do Rio Vermelho, na BR-158, também foi alvo de explosivos, porém não caiu.
Em outro grupo, um fascista tentou instigar os motoristas e comerciantes a paralisarem as atividades a partir do meio-dia do dia 18/11, e a “procurar algum local para se abrigar durante a mobilização”, referindo-se aos atentados fascistas. O mesmo sugere que os bolsonaristas derramem carga de aterro em pontes para fechar as estradas. A ideia é respaldada por outro apoiador que defende “abrir um buraco na pista pra ninguém passar”. O ato foi programado para Campo Novo do Parecis, 400,7 km de Cuiabá. “Amanhã a partir do dia 18, meio dia, ninguém roda mais. Quem não quiser ter prejuízo financeiro, manda os motoristas encostarem em pátio de posto, garagem, qualquer lugar. Não vai rodar mais e é igual você falou: duas, 3 carga de terra em cima da ponte resolve todo o problema (sic)”, diz. Em outro áudio, um bolsonarista afirma que o “trem vai pegar fogo” em Lucas do Rio Verde (332 km de Cuiabá).
No dia 21/11, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Sinop emitiu um comunicado em apoio aos bloqueios realizados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), e afirmou que o comércio permaneceria fechado até 27/11. “Os protestos que se espalharam pelo Brasil são pacíficos e concentram as pessoas em locais que não violam o direito de ir e vir de outrem, a exemplo dos caminhoneiros, que estão estacionados em locais permitidos, sem obstruir a passagem de quem quer que seja”, diz a nota, divulgada após o final de semana de ataques a diversas estruturas no MT, e sem mencionar os atentados fascistas.
A continuidade das ações golpistas, mobilizadas através de WhatsApp, desde 19/11 até 23/11, evidencia uma rede organizada que é promovida pelo latifúndio assassino de camponeses e indígenas de MT. Mesmo com conhecimento público de suas atuações, os órgãos responsáveis do velho Estado dão carta branca para sua atuação, não colocando sérios impedimentos à continuidade do plano de golpe militar.
Ações golpistas ocorreram em RO, SC e MS
Em RO, crescem também as agitações golpistas, tanto na forma de mobilizações, como de atentados, por grupos de extrema-direita vinculados ao latifúndio. O objetivo é pressionar o velho Estado a impulsionar a militarização da região, onde concentra a sua atuação a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), que tem conduzido a luta pela Revolução Agrária.
Como parte disso, na BR-364, em 19/11, seis caminhões do Supermercado Irmãos Gonçalves foram destruídos por um grupo de extrema-direita que bloqueava a rodovia. No dia seguinte, buscando intimidar quem não compactua com o golpe militar, um caminhoneiro foi agredido com uma pedrada na cabeça por um grupo golpista na cidade de Vilhena. Os caminhoneiros da região têm relatado que tal canalha antipovo tem coagido e atacado aqueles caminhoneiros que não se juntam à agitação golpista.
Já no dia 18/11, vários bairros de Ariquemes ficaram sem o abastecimento de água tratada após outro grupo de pistoleiros de extrema-direita quebrar a tubulação do reservatório da Companhia de Águas da cidade com escavadeira.
Em SC, também prosseguem as agitações bolsonaristas, sob suspeita de serem financiadas por grandes empresários, dentre eles, o bilionário Luciano Hang (“Véio da Havan”). A PRF afirmou que na maior parte dos 30 bloqueios liberados os grupos fascistas usaram bombas caseiras, rojões, óleo na pista, pregos, pedras, além de barricadas com pneus queimados.
No estado, Emilio Dalçoquio Neto é investigado como líder dos atos. Ele é um empresário que disputa na justiça a posse da transportadora Dalçoquio, em uma negociação de R$ 20 milhões. Além de Dalçoquio, a PRF indicou que as lojas Havan foram usadas como ponto de concentração e base de apoio para bloqueios ilegais de rodovias.
Latifundiários, bilionários e ‘milicianos’ financiam e organizam os movimentos
Investigações conduzidas pelo STF indicam que ntre os financiadores e organizadores dos atos golpistas estão latifundiários, grandes empresários, policiais, ex-policiais, políticos fascistóides, donos de estandes de tiros e até grupos paramilitares. As investigações estão sendo conduzidas pelas polícias estaduais e centralizadas no Supremo Tribunal Federal (STF).
Dentre os investigados como possíveis financiadores, destacam-se várias empresas agrícolas, de ligação direta com o latifúndio, como a Agritex e a Agrosyn, assim como o Banco Rodobens S.A, descrito pelo jornal do monopólio de imprensa Infomoney como “um império automotivo, financeiro e imobiliário”. No dia 12/11, mais de 43 contas bancárias foram bloqueadas por suspeita de financiar os movimentos golpistas.
Sinalizando para a continuação e multiplicação dos atos golpistas, no dia 22/11, o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, compareceu ao acampamento bolsonarista instalado em frente ao Quartel General do Exército em Brasília e declarou aos acampados: “Vocês têm que aumentar, se multiplicar, trazer mais pessoas! Isso não pode morrer. Independente do que vai acontecer daqui a um mês ou dois, vocês têm que continuar, se fortalecer, se unir e aumentar”.
Altos oficiais das Forças Armadas incitam golpistas
Após um mês iniciadas as ações pelo golpe militar fascista, os generais reservistas ou da ativa do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) não se pronunciaram senão para tecer elogios à extrema-direita, de forma explícita ou implícita.
O ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, publicou, no dia 15/11, satisfeita mensagem em apoio aos atos: “A população segue aglomerada junto às portas dos quartéis pedindo socorro às Forças Armadas. Com incrível persistência, […] protestam contra os atentados à democracia, à independência dos poderes, ameaças à liberdade e as dúvidas sobre o processo eleitoral”, afirmou o general da reserva, que permaneceu no comando da Força Terrestre entre 2015 e 2019.
Já o general Walter Braga Netto (PL), ex-ministro da Defesa e vice de Bolsonaro na chapa à reeleição, foi ao amparo dos celerados acampados em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília, deprimidos pela falta de rapidez na imposição do regime militar fascista: “Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora”, afirmou.
Tais endossos se seguiram à nota oficial do Exército, Marinha e Aeronáutica, na qual afirmaram que a agitação golpista e fascista está amparada na lei e que não deve ser reprimida.
De acordo com o Editorial semanal Mobilizar as massas para combater os golpistas, os generais estão sendo permissivos e até incitando implicitamente a agitação golpista para chantagear as demais instituições. Seu objetivo estratégico de médio prazo é ser reconhecido, pelas demais instituições, como “Poder Moderador” e última voz da republiqueta; e sua meta é, com isso, “impor restrição máxima de direitos e liberdades, e exploração máxima do povo e entrega da Nação ao imperialismo, principalmente ianque, com careta de democracia liberal”, segundo o Editorial.