Covas de camponeses assassinados na chacina de Pau D’Arco, no Pará. Foto: Mario Campagnani/Justiça Global
Logo que assumiu o governo federal, no início de 2019, Bolsonaro e os generais anunciaram a paralisação formal dos já falidos programas de “reforma agrária” e de demarcação de terras quilombolas, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dando cabo a uma de suas inúmeras promessas de campanha feitas aos latifundiários. Segundo o Incra, há 250 processos de reforma agrária e 1,7 mil processos para demarcação de terras que estão a espera, sem resolução, bem como incontáveis processos que sequer foram abertos devido à suspensão federal.
Além disso, desde a suspensão da reforma agrária no início do ano tem-se aumentado exponencialmente o número de terras que estão sendo entregues de volta aos seus antigos “proprietários” (muitos são grileiros de terras). Diversas terras camponesas, ocupadas ou até mesmo assentamentos que estão à espera de seus títulos de posse, têm recebido, em todas as regiões do país, ordens de reintegração de posse.
Agora, Jair Bolsonaro anuncia que o próximo passo de seu governo ultrarreacionário é o de organizar um “mutirão” ainda em 2019 para fechar acordos de negociação com fazendeiros que questionam judicialmente a tomada de suas terras para “reforma agrária”. Com essa proposta, terras que finalmente foram desapropriadas depois de longas batalhas judiciais (e que custaram milhões aos cofres públicos, com dinheiro dos próprios camponeses e de todo povo) seriam inteiramente ou parcialmente entregues aos fazendeiros gratuitamente.
Luiz Antônio Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR, entidade representante do latifúndio) e atual secretário de “Assuntos Fundiários” do governo, argumenta que a devolução das terras seria uma forma de “reduzir o acúmulo de litígios com proprietários de terra” e solucionaria a “falta de dinheiro em caixa para realizar novos assentamentos”. Apesar disso, não se muda o vício de continuar desapropriando terras no Brasil por meio de indenização aos milhares de reais. A maioria dos processos de desapropriação de terras no Brasil se dá pela indenização, ao invés de simplesmente expropriar a propriedade, mesmo que ela seja improdutiva ou que nela há casos de servidão, como se os grandes fazendeiros precisassem de uma compensação.
Assim, com esse tal “mutirão”, Bolsonaro pretende rapidamente e sem estorvos expulsar centenas de famílias camponesas de suas casas com uma tacada só, e dá-las de bandeja aos seus antigos pretensos proprietários, senhores de terras extensas. Se trata da perpetuação e da agudização das contradições no campo, visto que em um país semicolonial e semifeudal como o Brasil a terra já é extremamente concentrada. A expressão clara disso é de que as propriedades com mais de mil hectares, que conformam o latifúndio, representam apenas 1% de todas as terras tituladas do país. No entanto, essa quantidade ínfima de propriedades ocupa quase 50%, metade da área total de todas as propriedades rurais, de todos os tamanhos, juntas.
Nabhan Garcia afirma que as famílias que sofrerem reintegração de posse serão acomodadas em outro lote, segundo ele, “desde que cumpram requisitos previstos em lei”. No entanto, o que eles omitem é que pouquíssimas famílias assentadas possuem em mãos o documento de título sobre suas terras, que garante o direito de posse, devido à incompetência do Incra. No Nordeste, por exemplo, apenas 5% delas possuem esse título. Assim, muitas famílias, sem conseguir provar que são assentadas, serão expulsas de suas casas e lançadas à própria sorte, em função de prosseguir a concentração das terras com os latifundiários.
Tirar do povo e dar aos latifundiários e banqueiros
Um caso ilustrativo é o da fazenda Dalcídio Jurandir (antiga Maria Bonita), em Eldorado dos Carajás (Pará). Antes de ser ocupada em 2008 por camponeses organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o terreno de aproximadamente 5,5 mil hectares pertencia à AgroSB, antes chamada de Agropecuária Xinguara, do grupo financeiro Opportunity. Agora, anos depois, o juiz agrário de Marabá, Amarildo Mazutti, decidiu a favor dos antigos proprietários e deu ordem de reintegrar a fazenda, afetando cerca de 226 famílias.
O latifundiário e banqueiro Daniel Dantas, co-fundador do Opportunity, foi preso em um escândalo de corrupção em 2008 e, depois disso, passou a investir no setor pecuário e na especulação de terras brasileiras. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, que trata do setor financeiro, o grupo Opportunity possui mais terras do que qualquer outra empresa no Brasil: cerca de 500 mil hectares.
O gavião Mazutti afirmou, em entrevista ao monopólio de imprensa Folha de São Paulo, que não pode realizar reforma agrária após a sua suspensão no Incra, encabeçada por Bolsonaro e pelos generais, e que “não temos base legal para dizer: ‘Eu vou tirar a terra de você e dar para você’”, apesar de a “reforma agrária” ser prevista em lei, desde a Constituição de 1988.
A questão crucial é que agora, aberto o precedente, o procedimento padrão é o de espoliar os camponeses e tomar as suas poucas terras para entregá-las aos monopólios econômicos no campo, levando ao aprofundamento do capitalismo burocrático e sua base essencial, o latifúndio.