Tiago dos Santos: Camponeses relatam violações de direitos, abusos e crimes

Tiago dos Santos: Camponeses relatam violações de direitos, abusos e crimes

A campanha de terror empreendida por uma tropa de mais de 3 mil militares em uma verdadeira operação de guerra encoberta de despejo tomou conta dos rincões de Rondônia durante todo o mês de outubro. Ali, em meio à guerra injusta, diversas ações covardes como crimes e violações foram cometidas contra cerca de 800 famílias organizadas pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) na Área Tiago Campin dos Santos, em Nova Mutum. Ações que foram impostas pelo reacionário governo militar de Bolsonaro e generais e o governo estadual do também fascista Marcos Rocha, em benefício do latifúndio, e que enfrentou a resistência das famílias.

Camponeses das Áreas Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira realizam Assembleia Popular em meio a grandiosa resistência que culminou no retorno das centenas de famílias as suas terras. Foto: Banco de dados AND

Famílias relatam terror em meio à chamada Operação ‘Nova Mutum’

“A informação que chegava para nós é que quem tivesse de roupa e andasse de dois pé, ia ser exterminado”. 

“Eles ameaçaram que se a gente resistisse e não quisesse sair, eles iriam à força bruta, spray de pimenta e bombas contra a gente”.

“Eu não vou deixar minha filha passar de novo pelo que ela já passou”.

“Eles nos colocaram no relento enquanto se apossaram da nossa vila”.

Estes foram alguns dos relatos feitos pelos camponeses das Áreas Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira. O cerco iniciado oficialmente no dia 16 de outubro, mas que já era preparado desde o começo do mês, contou com a participação de cerca de 3 mil policiais e militares. 

Visando frear a luta pela terra, em uma clara posição de subordinação ao latifúndio, representado pelo grileiro Antonio Martins (o “Galo Velho”), a operação de guerra denominada “Nova Mutum” tomou como inimigos os camponeses pobres. O comando dessa operação de guerra mobilizou tropas da Polícia Militar de Rondônia (PM-RO), Força Nacional de Segurança Pública, batalhões de Operações Policiais Especiais (Bope), Polícia de Choque (BPChoque), Fronteiras e Divisas (BPFron), Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia (CBMRO), Polícia Civil, Secretaria de Desenvolvimento Ambiental (Sedam), Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), Núcleo de Operações Aéreas (Noa) da Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e cidadania (Sesdec) e, até mesmo, a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul (PMMS).

De acordo com os próprios reacionários, se iniciava ali “a maior reintegração coletiva que se tem notícia no Brasil”, propagandeada como responsável por trazer “paz no campo para uma região onde grupos criminosos agiam com extrema violência’’. Ironicamente foram os latifundiários de Rondônia com seus grupos armados de paramilitares e pistoleiros que impuseram a guerra na região, desde o início da colonização do estado, expulsando famílias camponesas como se fossem cachorros e açambarcando as terras públicas cuja função é para “reforma agrária”. 

E, mais recentemente, foram os policiais que dois meses antes, na Área Ademar Ferreira, haviam levado novamente a guerra, ceifando a vida de três camponeses numa operação de extermínio. Um ano atrás, levaram a cabo uma ilegal ação de despejo.

A suposta paz anunciada representou uma verdadeira campanha de terror. As ações dos policiais são similares às ações entendidas como crimes de guerra proibidos mesmo dentro dos marcos internacionais, desde as Convenções de Genebra em 1949. Como por exemplo a destruição de bens em larga escala, a pilhagem, como é chamado o roubo indiscriminado de bens alheios, e o impedimento da entrada de medicamentos e comida.

Quem relata em detalhes como foram aplicadas estas covardes ações são os próprios camponeses da Área Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira. Confira abaixo as principais denúncias.

A INVASÃO E O CERCO

Uma camponesa entrevistada por apoiadores do AND antes do retorno das famílias às suas terras, relata que desde os primeiros momentos desta incursão militar, a polícia já estava com grande aparato bélico na Área Tiago Campin dos Santos:

— A ação da PM começou mais ou menos às 8 horas da manhã. A gente estava lá na Vilinha, na Vila Tiago, o helicóptero começou a rodar por cima da gente, passou o dia inteiro rodando e parando. Ele às vezes parava em cima do barraco onde a gente estava, apontava para gente lá de cima.

Afirmou também que o helicóptero chegou a pousar na sede da Fazenda Santa Carmem para logo em seguida voltar a sobrevoar sobre as casas dos camponeses. A camponesa relata que por volta das 15h os policiais adentraram a Área.

— Chegamos lá e ficamos todo mundo reunido, colocamos as mulheres e as crianças na frente. Eles imediatamente pararam as caminhonetes e já vieram com arma, com escudo, com spray de pimenta. 

Os policiais exigiram que alguém fosse até a tropa para falar com eles. Segundo o relato, os camponeses não aceitaram pelo receio de os agentes agredirem algum acampado e fazê-lo de refém.  “Falamos que ia falar todo mundo junto”, afirmou a camponesa.

— Nessa ação tinham várias caminhonetes, por volta de umas 50, e umas 10 não tinham nada que dissesse que era polícia. Não tinha câmera, não tinha emblema dizendo que era da Polícia Federal, nada. Só caminhonete normal, descaracterizada.

 A camponesa segue sua denúncia descrevendo o enorme aparato policial mobilizado para a repressão: — Na ação tinha polícia da Força Nacional, força militar, força tática, polícia ambiental. O oficial chegou para falar com a gente, entregou os papéis. Nós questionamos, ele falou que a terra tinha título definitivo, mas essa terra não tem título definitivo. 

Em seguida, a camponesa relata como se deu a chantagem feita pelo policial para retirar os camponeses da Área e levá-los até uma Escola Municipal:

— Ele [o policial] falou que a gente ia vir para cá [escola/alojamento], e já eram 16 horas, nós íamos ter que sair no mesmo dia. Disse que não ia aceitar que saíssemos no outro dia, ou seja, a gente ia ter que sair de noite. Eles ainda ameaçaram dizendo que se a gente resistisse eles iam usar a força bruta, spray de pimenta e bomba contra a gente.

A camponesa relata que, por fim, os policiais afirmaram que os camponeses não poderiam levar todos os seus pertences: — Perguntamos sobre as nossas coisas, se poderíamos retirá-las. Ele falou que a gente ia poder tirar um pouco só e que teríamos meia hora para tirar. Mas como é que a gente vai tirar meia hora vasilhas, panelas, criação? Tudo o que temos está lá dentro de um barraco. Ele então falou que se a gente não conseguisse tirar, ia ser queimado porque eles iam derrubar tudo e queimar. Lá já estava uma retroescavadeira para fazer esse serviço. 

Leia também: Cerco policial ilegal ocorre a noite adentro na Área Tiago dos Santos

O DESTINO INCERTO DAS FAMÍLIAS EXPULSAS E A CHEGADA AO ALOJAMENTO IMPROVISADO

As famílias expulsas, mediante muitas ameaças, foram alocadas na Escola Santa Julia, localizada em uma rodovia na Vila da Penha, um alojamento improvisado pela Secretaria Municipal de Assistência Social e da Família (Semasf) de Rondônia. O local se encontrava em condições insalubres. A mesma camponesa que fez o relato anterior prosseguiu com a descrição dos absurdos vividos pelos trabalhadores após a invasão dos militares à Área:

— Depois a PM pegou a gente e mandou ficarmos todos no local, só num barraquinho que tem lá na vila. Mandou todo mundo se reunir lá e chegamos à noite, ficando por lá com um monte de criança.

Os relatos dão conta de que as famílias sofreram privação de comida e de água. Entre os presentes havia camponeses doentes, além de crianças de colo: — Eles não trouxeram comida, não trouxeram água, as crianças já estavam chorando com fome. As crianças vieram almoçar só no outro dia, porque chegamos aqui [escola/alojamento] e também não tinha comida.

A camponesa prosseguiu sua denúncia:

— Os policiais colocaram a gente no relento, no barraquinho de palha, enquanto eles se apossaram das nossas casas. Lá na nossa vilinha nós temos energia, nós temos casa de madeira, nós temos o postinho, nós temos a escolinha e eles se apossaram de lá, arrombaram as portas. Entraram e ficaram lá rindo, sem camisa, jogando truco, enquanto as crianças estavam com fome, a gente no relento. Tivemos que armar as redes para as crianças dormirem, nós não dormimos porque ficamos com medo de dormir e eles tentarem fazer alguma coisa contra a gente,ou tentar pegar nossos esposos, ameaçar de alguma forma. 

Buscando identificar os camponeses a polícia tirou foto de alguns dos presentes. Uma série de ilegalidades foi constatada pela camponesa:

— No momento da ação eu questionei porque apenas o comandante estava usando câmera e o resto não estava usando câmera. Era para todos estaremos com câmera porque da outra vez a gente foi agredido, foi humilhado. Nós escutamos tiros, mas a maioria das armas que estavam lá eram com silenciador. Tinham vários policiais que não estavam identificados, com roupas diferentes. A gente via que eles não eram da polícia, porque todo policial tem que ter o tipo sanguíneo, tem que ter o nome e eles não tinham nada disso, tinham simplesmente uma roupa camuflada e só isso e uma touca ninja. Havia de 25 a 30 desse jeito, encapuzados. 

Leia também: Camponeses organizam assembleia e militares fracassam na tentativa de dividir as massas

ENTRADA DE COMIDA NA ÁREA É IMPEDIDA, OS MAIS ATINGIDOS SÃO AS MULHERES E CRIANÇAS

Outros camponeses também foram entrevistados pela equipe de AND durante a Missão de Solidariedade. Os relatos a seguir apontam que foram as mulheres e crianças (entre recém-nascidos que vivem no local) que mais sofreram com os abusos cometidos pelas tropas. O cerco ilegal que promoveu humilhações e terrorismo, além de impedir a livre passagem dos moradores da área e da região, impediu também a entrada de alimentos:

— Quando eles invadiram e cercaram toda a área, não deixaram nenhuma pessoa que estava para fora entrar na área. Pessoas que foram tratar de problemas de saúde ou fazer compras, quando retornaram, os principais acessos estavam bloqueados, tiveram que voltar, com crianças lá dentro. 

A partir de então, a camponesa afirma que decidiu buscar comida nos arredores da Área:

— Eu falei: “Vou lá, não devo nada para este Estado capitalista, sem vergonha que tem aí”, e eu e um companheiro montamos numa motoca e fomos lá. Ficamos duas horas presos com eles [policiais] lá. Eles falaram: “Lá para dentro, só um quilo de arroz, só, mais nada”, e um tanto de criança chorando porque não tinha leite, não tinha mais nada para aquelas crianças — denunciou.

Em meio à incursão policial, a camponesa denuncia que reuniu dez crianças durante 4 horas para se defenderem das tropas:

— Chegou o rapaz lá do lado e disse: Corre! E nós corremos com dez crianças, 16 horas e saímos 20h da sem lanterna, sem isqueiro, sem nada. Uma bebezinha que tava por aqui, tava com três meses, chorando de fome. Juntei um pouco de água do chão, de uma poça, fiz o leite e dei para ela. Quando nós chegamos no carro da minha filha, eles tinham “tacado” fogo. Corremos para casa e eles tinham “tacado” fogo. Caixa de rancho, de açúcar, eles jogaram no poço. Cinco litros de diesel, jogaram no poço. Eu tô com 62 anos e nunca passei por um constrangimento como este, por quê? Por que quero o melhor para minha família? Isso é crime?

Ainda sobre a incursão, ela relata que sofreu ameaças dos policiais, que obrigaram a todos, inclusive as crianças, a saírem em 30 minutos: “Chegaram por meia noite, 1h da manhã. E falaram: Vocês pegam todas as coisas que vocês têm e desapareçam daqui. Porque se vocês não sumirem em meia hora, vocês vão ver coisa feia”, denunciou a camponesa.

— Eles chegaram lá e mandaram todo mundo sentar no canto, e as crianças com medo. Perguntaram onde era meu barraco, me levaram lá e eu fiquei com muito medo porque eles estavam armados e com cara tampada. Pensei: “Meu Deus é agora que eu vou morrer”. Eles falaram para pegar meus documentos e documentos das crianças, e tirar o necessário: uma peça de roupa, e só. Eu falei: “Quero ir com meus filhos, não quero que eles vão sozinhos”. E ele falou: “Não tem como ir a senhora com seus filhos”. Perguntei onde eles iriam nos levar e eles disseram: “Vamos ali”. Havia uma mulher gestante junto com a gente dentro do carro. 

TERROR POLICIAL CONTRA AS FAMÍLIAS: AMEAÇAS, INTIMIDAÇÕES, HUMILHAÇÕES

A camponesa entrevista pelo AND relata que os policiais seguiram fazendo intimidações, humilhações durante a incursão. Ela relata que as ameaças não pararam mesmo ao chegar na delegacia de polícia:

— Eles me faziam perguntas, me oprimindo o tempo todo. Nos levaram até a delegacia e depois nos deixaram na calçada do outro lado da rua. Tô até tremendo de raiva, raiva desse velho Estado. Mandaram eu vender droga, me ofereceram arma para poder atirar. Queriam saber se eu conhecia armas, não sei nem que arma que é, aquelas grandes que eles carregam, falaram que era uma 38. Disseram: “Tá aqui, segura. Eu te ensino a atirar” para me constranger e ameaçar.

A camponesa aponta que o terror permanente contra as famílias feito por parte dos policiais conta com policiais encapuzados, sem farda ou identificação, revistas humilhantes, além do uso de drones: “A gente não tem direito nem de fazer um xixi no banheiro, porque a gente tá dentro do banheiro e não tem condições de tampar, de comprar o material para por, e o drone está em cima. O dia todo a gente tá sendo monitorado, quando não é caminhonete sem identificação é por drone”, denuncia.

Ao retornar para a Área, ela viu que os policiais tinham adentrado sua casa e se negaram a sair: “Sem vergonha e bandidos são eles! Eu saí da reunião onde a gente estava e fui para casa tomar banho, chegando lá eles invadiram a varanda da minha casa, me vigiando tomar banho dentro do quarto e meu marido na porta cuidando”, relata a camponesa. Sua casa não foi a única a ser invadida pelos policiais:

— Eles entraram na casa da minha vizinha com um bando guaxeba com a cara tapada, não estavam vestidos de policiais, com caminhonetes brancas e pretas e tinham helicópteros rondando por cima. Entraram na casa da minha vizinha, ela não pode tirar nada. Eles dormiram, comeram, beberam, fizeram até churrasco na casa da minha vizinha. Isso é muita pouca vergonha para eles. Por que não perdem a farda e vão lá para o cabo da enxada roçar? Vai lá ganhar R$ 50, R$ 100 no cabo da enxada! Isso eles não querem, porque eles ganham de graça, do nosso suor.

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CAMPONESES IMPEDIDOS DE TRABALHAR

Outros camponeses ouvidos por AND relataram que foram ofendidos e desrespeitados pelos policiais, que também os impediram de trabalhar, tendo sido tratados como criminosos. Assim foram denunciadas as humilhações contra os trabalhadores:

— Eu trabalho com revistas de vendas de produtos. A gente foi na Bandeirantes para pagar os boletos, minha caixa já tinha chegado e eu paguei R$ 200 de atraso de boleto. Eu nunca atrasei com minhas contas, meus negócios. Chegando na barreira policial, após a notícia da suspensão da liminar, eles viram minhas coisas. Maior tristeza, uma vergonha! Reviraram a caixa de produtos dos meus clientes, abriram produtos, perfumes lacrados. A gente não é bandido, é trabalhador e o ganho que nós temos eles querem tirar à pulso.

—  Os trabalhadores que trabalham, que plantam, que tem uma galinha, tem um porco no chiqueiro, eles tiram das terras que são da União. As mandiocas que eles compram ensacados nos mercado, sai da roça e quem planta? Somos nós. O feijão que eles compram quem planta? Somos nós.

— Nós somos trabalhadores, nós somos pais de família. Eu tenho duas meninas adolescentes. A gente tem medo de sair na rua e ser preso sem dever nada. A gente sai de casa e não sabe se vai voltar vivo para casa porque nós deveríamos ter confiança, a gente tem que ter medo. Eles mataram um inocente de 17 anos trabalhando com a foice nas costas e na imprensa lixo soltou que era uma espingarda. A garrafa d’água dele tá no mato até hoje onde eles estavam trabalhando. Eu fui uma que vi bala cantando por cima, e eu dentro do mato trabalhando. As balas passaram cantando por cima da onde nós estávamos, nós tivemos que correr. A gente corre não é porque bandido, a gente corre porque tem medo do que eles são capazes de fazer conforme já fizeram com muitos. Eles alegam que a terra é deles e todo mundo sabe que não é. Nós não precisamos de terra para jogar guaxeba lá dentro, não. Nós queremos terra para nós trabalharmos e sustentarmos nossos filhos.

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DESTRUIÇÃO DA PRODUÇÃO, CASAS E MÓVEIS

A pilhagem e a destruição foram marcas da passagem e ocupação das tropas militares. Os camponeses durante a Missão de Solidariedade relataram uma série de denúncias que passam desde interrogatórios contra crianças, destruição de plantações, matanças do gado e das criações, contaminação de fontes de água:

—  O barraco lá já não é muita coisa né, eles passaram queimando tudo, queimaram o carro da minha irmã, queimaram nossas coisas. Prenderam minha mulher com as crianças. Mandaram eu vender drogas, fizeram perguntas aos meus filhos que são “de menor”, coisa que não pode.

O mesmo camponês denuncia que os policiais, no objetivo de intimidar os camponeses e dando demonstrações de superioridade, urinavam na frente de todos.

Outro camponês afirma que os policiais mataram porcos de sua vizinha e comeram junto com mandioca e galinha que eram parte da pequena produção camponesa. “A gente não tá lá roubando ou fazendo baderna como eles dizem, mas eles estão!”, denunciou o camponês indignado.

A contaminação das águas foi feita através do derramamento de querosene e óleo diesel nos poços: “Eles destruíram tudo, até a casinha do poço, e não sei se realmente vai ter água pra gente beber porque eles podem ter colocado qualquer coisa, até veneno”, denunciou um acampado da Área Tiago dos Santos.

Segundo os relatos, até mesmo os móveis que a população tinha em sua casa acabaram por ser destruídos: “Uma viatura passava e falava para colocar as coisas na beira da estrada. A gente se reuniu e colocou as coisas na beira da estrada, móveis de casa, tudo. Tudo que eu tinha dentro de casa, eles acabaram com tudo. Ficou na beira da estrada. Passaram dois caminhões vazios e deixaram”.

NO ALOJAMENTO, CRIANÇAS DOENTES, SURTO DE MALÁRIA E ÁGUA CONTAMINADA

Outra denúncia relatada pelos camponeses e também testemunhada pela equipe de AND durante a Missão de Solidariedade foi o surto de doenças que surgiram após o despejo como envenenamento através de água imprópria, malária e desidratação. Uma amostra da água da Escola colhida por profissionais da saúde do Movimento Classista em Defesa da Saúde do Povo (Moclaspo), que participaram da Missão, apontou que esta era imprópria para o consumo humano, o que provocou dor abdominal, vômitos e diarreia em centenas de pessoas poucas horas após a chegada na escola.  

Uma camponesa relatou que sua sobrinha de apenas 40 dias acabou contraindo pneumonia, tendo que ser internada na capital, Porto Velho. Outro relato aponta que assim que chegaram na escola improvisada de alojamento, todos os presentes ficaram doentes, apresentando um quadro de dor de barriga por conta da água contaminada. “Este mesmo governador que está fazendo isso daqui a poucos dias está na nossa casa pedindo nossos votos”, denunciou uma entrevistada.

— Chegando aqui todo mundo doente, eu também adoeci. A gente foi reclamar no caminhão [da ouvidoria] contar as coisas que estavam acontecendo e eles “desmentiram” a gente. Ano passado, meu filho e meu primo, que são “de menor”, foram sair de lá, os policiais tiraram fotos e agora circulam nas redes sociais e os meninos ficam com vergonha de estudar, porque ficam falando que é ladrão de terra.

CAMPONESES DECIDEM: LUTAR ATÉ O FIM PELA TERRA

Ao relatar as violências cometidas pelos mais de 3 mil policiais durante a Operação Nova Mutum, os camponeses demonstravam altivez e determinação em retornarem às suas terras. Junto às denúncias de violações cometidas pelos militares, os trabalhadores denunciavam o velho Estado, a campanha de criminalização contra a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e afirmavam que seguirão lutando.

— Os policiais estão muito errados, eles jogam na imprensa o quê? Eles botam lá em letras bem grandes: LCP, é tudo vagabundo, é tudo terrorista. O que eles esquecem que falar é a tradução. Que a LCP é a Liga dos Camponeses Pobres. Lá dentro tem milícia? Cadê os milicianos que eles tiraram lá de dentro? Eu não vi! O negócio é o seguinte, para fazer parte de uma organização dessa [refere-se à polícia e aos pistoleiros] ganhando uma bolada é muito fácil, agora eu quero ver o policial ir lá bater o dia todinho na foice para ganhar R$ 100 a diária. Onde é que estão os milicianos? Quem são os bandidos nesta história? Aqui nós somos é camponês! Na LCP não tem esse negócio de “morte à LCP”, não. Nós vamos viver e cada vez mais!

— Eu tenho 35 anos e trabalhei minha vida inteira para os outros, consegui um pedacinho de terra lutando com os companheiros e graças a deus hoje não trabalho empregado, trabalho em diária, mas vivo 100% melhor do que se tivesse trabalhando empregado. Lá nós comemos, bebemos, somos todos unidos, não somos vagabundos, não somos bandidos. Quando a polícia chega ela não dá a oportunidade que temos aqui de falar, expressar as coisas. Não podemos falar nada, se falar podemos ser até presos, quando não é morto. A todo momento somos ameaçados. 

— Somos camponeses com orgulho. Trabalhamos para manter nossa dignidade e com certeza vai ser provado que cada pequeno agricultor, cada casa que está derrubada lá, tinha roça de mandioca, roça de milho. Meus filhos, alguns já saíram do país porque não conseguiram uma vida digna, mas eu disse que vou continuar lutando porque hoje nós contamos a história e amanhã nós seremos uma história. E esse país vai ver e vai ficar sabendo que nós somos guerreiros. Lutamos e não fugimos da luta. 

Leia também: RESISTÊNCIA! Famílias resistem à tentativa de novo massacre no Tiago dos Santos, RO

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