Hoje fui aos Correios. Vazio. A funcionária me informou que ninguém mais escreve cartas. Estava preocupada, resolveu consultar o sindicato. Medo de perder o emprego. Conversamos, falou dos filhos e da luta diária. Cantarolava e sorria muito entre as falas. Disse-me que quando mais jovem queria ser cantora. Eu me despedi desejando-lhe bom trabalho. Ela acenou ainda cantarolando.
Na volta vi uma moça na praça fazendo crochê. Alheia ao mundo. Sentada em um banquinho torto, vestida de verde, solitária e tranquila. Rápida e concentrada, não viu que parei uns instantes e a observei no seu mister. Será que ela sonha enquanto trabalha? Será que gostaria de viver diferente?
No ponto de ônibus encontrei Marta. Estava atrasada, havia perdido o ônibus. A patroa não iria gostar. Havia deixado em casa um filho autista. Pedira para a vizinha dar uma mão, uma espiada nele. Preparara a comida, mas nem tivera tempo de tomar o café da manhã.
Fiquei profundamente sensibilizada com a moça dos Correios, a moça do crochê e Marta. Estão fazendo a resistência e não se dão conta. Uma resistência silenciosa como muitas mulheres sabem fazer há séculos. Noite e dia. Na boca do fogão ou no tanque. No cuidado dos filhos e dos maridos. Ou das mães e pais idosos. Mulheres fortes que aguentam as tarefas do dia-a-dia que a sociedade capitalista lhes impõe. E inventam alegrias para amenizar sua luta, sempre trabalhando. Serão de alguma forma felizes?
Talvez as três mulheres não se preocupem com as mulheres palestinas ou ucranianas. Que enfrentam o desespero da guerra. Da fome. Do desterro. Do futuro incerto. A moça dos Correios, do crochê e Marta vão tecendo a vida com seu trabalho invisível, sua batalha infindável. E nem pensam o quanto a humanidade lhes deve por isto.
Todavia, ventos fortes sopram de norte a sul e as mulheres do planeta se aprontam para outras tarefas. A mulher é um produto social e sua transformação exigirá a transformação da sociedade. Sua fúria revolucionária será despertada. É preciso romper os grilhões.