Turquia invade a Síria: guerra de agressão prossegue como ‘conflito regional’

Turquia invade a Síria: guerra de agressão prossegue como ‘conflito regional’

No dia 7 de outubro, as tropas do velho Estado semicolonial da Turquia cruzaram a fronteira ao Sul do país e invadiram seu vizinho, a Síria, dando cabo à sua promessa de criar uma “zona de segurança” na região. Já foram relatados ataques aéreos a bombas em pelo menos duas cidades sírias próximas à fronteira, Ras al Ain e Tel Abyad, bem como uso de artilharia terrestre contra a população residente local.

A incursão teve início após Trump, à cabeça do imperialismo ianque, anunciar a saída de suas tropas do norte da Síria no dia 6, contabilizando um contingente de dois mil soldados majoritariamente das forças especiais, que estavam ocupando aquele trecho da nação síria desde pelo menos 2014. Segundo o governo sírio e o monopólio de imprensa Reuters, no dia seguinte ao anúncio, as forças invasoras do USA já haviam deixado suas bases e postos militares ao longo da zona de fronteira.

A princípio, a incursão na Síria estava prevista para ser uma operação conjunta entre os Exércitos turco e ianque, quando Trump e o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, anunciaram-na juntos em agosto. No entanto, a saída do USA da região serve como uma garantia de Trump de que não virá a impedir e nem restringir a ação turca sobre a Síria e os curdos, deixando o caminho livre para o expansionismo reacionário das classes dominantes da Turquia.

Leia mais: “Turquia e USA planejam partilha de território na Síria e criação de uma zona militar conjunta”

Previamente, o governo turco não havia definido com precisão a dimensão espacial que sua operação iria alcançar dentro dos limites do território sírio, mas agora conjectura-se que a zona chegará a pelo menos 100 quilômetros adentro da fronteira, e que ficará localizada entre as cidades de Ras al-Ain e Tel Abyad, já alcançadas pelas tropas. Porém, Erdogan, tomado de anseios expansionistas, tem sugerido avançar seu cerco até as cidades de Raqqa e Deir Az Zor, para além do que fora inicialmente planejado.

Projetando aliviar o impacto do anúncio na opinião pública, no dia 7 Trump twittou em sua conta oficial: “Como já afirmei antes, e apenas para reiterar, se a Turquia fizer algo que eu, em minha grande e inigualável sabedoria, considere estar fora dos limites, destruirei e obliterarei totalmente a economia da Turquia (já fiz isso antes!)”.

Apesar de ter sido entendido amplamente como uma ameaça ou um alerta contra futuros exageros na ofensiva turca, a declaração pública serviu como forma de blindar a imagem associada ao Exército ianque, após Trump se negar a colaborar na incursão na Síria junto a Erdogan.

A questão curda na Síria

Como já analisado anteriormente pelo AND, a permanência das tropas ianques colaborou para postergar, temporariamente, a ofensiva da Turquia contra os curdos na Síria. Contudo, a relação entre o USA com os seus lacaios curdos sempre foi momentânea e de pouco comprometimento, e durou enquanto estes serviram como paramilitares mercenários na linha de frente contra as forças que combatiam a ofensiva militar de grupos ianques e russos (Resistência Nacional) e o governo de Bashar al-Assad (serviçal da Rússia), cumprindo as diretrizes do USA na Síria.

O USA financiou e armou os curdos, em especial os grupos denominados Unidades de Proteção Popular (YPG) e Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ), que conformam as Forças Democráticas Sírias (FDS) e recebem pessoas de todo o mundo para se alinhar às suas fileiras, desde pelo menos o ano de 2011, quando a guerra síria eclodiu. Segundo dados do Pentágono, o USA separou, em seu orçamento para 2020, uma quantia de 550 milhões de dólares para a a sua intervenção na Síria, e estima-se que, só em 2017, repassou 2 bilhões de dólares (cerca de R$ 8,13 bilhões) para armar o YPG.

No dia 7, o FDS fez uma declaração acusando a decisão de Trump de ser “uma facada nas costas” e foi respondido logo em seguida por Trump, que twittou que, apesar de “serem aliados”, os curdos “receberam enormes quantias de dinheiro e equipamentos [do USA] para isso” e que haviam sido alertados de que estariam por sua própria conta. Afirmou, por fim, que o grupo étnico agora terá de decifrar a situação com outros agentes regionais, citando “Turquia, Europa, Síria, Irã, Iraque, Rússia”.

O apoio ianque aos paramilitares curdos durante todo esse período, encerrado agora, sempre gerou atrito nas relações da superpotência hegemônica com a Turquia, pois o governo considera que o YPG e os outros grupos paramilitares curdos na Síria estão intrinsecamente conectados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), classificado como uma “organização terrorista” de “grande ameaça” ao país.

Dessa forma, a Turquia tendeu a se inclinar, em diversos momentos, a favor do imperialismo russo como forma de pressionar o USA a abandonar seus planos táticos de apoio aos curdos, margeando a zona de influência do USA, apesar de ser integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), grupo que une diversos países imperialistas e seguem uma linha ditada pelo imperialismo ianque. Um dos momentos de maior estranhamento foi quando, em julho, a Turquia realizou uma grande compra de mísseis russos S-400 e foi duramente repreendida pelos ianques, que responderam bloqueando o país do programa de construção e fornecimento de caças F-35.

A Síria e a disputa interimperialista

Dessa forma, a decisão de retirar as tropas da Síria, dando sinal verde ao avanço das tropas turcas sobre o território controlado pelos curdos, trata-se de uma estratégia do USA de isolar a Turquia da Rússia e dos imperialistas alemães e franceses, além de prosseguir a guerra de agressão e de repartilha da nação síria, mascarando-a como “guerra regional”.

Tal como analisou o Comitê de Redação da revista O Maoista, em edição nº 2 (2017/2018), o objetivo do imperialismo é prosseguir seu plano estratégico mascarando-o como “conflitos regionais”, utilizando-se de seus lacaios e manejando as contradições locais. Seu plano objetivo é: primeiro, a curto prazo, subverter o regime pró-russo na Síria; segundo, a médio prazo, subverter o regime pró-russo do Irã para, terceiro, a longo prazo, arrebatar a posição de superpotência atômica da Rússia e consolidar-se como única superpotência no mundo.

“Muitos querem apresentar Trump como um simples estúpido, mas ele está executando, com seus ‘desplantes’ de sempre, algo que está planejado desde o governo anterior, ou seja, planejado pelo genocida Obama, para mediante o uso da diplomacia e dos meios bélicos buscar mudar a situação militar sobre o terreno no Oriente Médio Ampliado e, especialmente na Síria, conjurando que se seus inimigos unam-se. Os imperialistas ianques manejam o divide et impera (como faziam os romanos) contra seus ‘aliados’ da Otan, objetivando que não se unam contra os próprios ianques, e mais: para que seus ‘aliados’ não se unam com a Rússia. A viagem de Trump pela Europa é uma boa mostra deste propósito estratégico da política de Estado do imperialismo ianque. Não é apenas questão de estilo do genocida Trump”, afirmou o comitê da revista.

Desde que os ianques perderam sua batalha na Síria, têm procurado rearranjar suas táticas no Oriente Médio, onde está localizado o núcleo da disputa de influência das diversas potências imperialistas. O imperialismo ianque tem como objetivo central abocanhar tais países estratégicos da mais suma importância por serem os dois grandes sustentáculos do imperialismo russo na região. Assim, o USA avança no desenvolvimento de sua guerra de agressão, ao passo que travestem sua intervenção na região como um simples conflito regional.

Fonte: U.S. Army/via Reuters

Manifestação realizada por curdos contra a retirada das tropas ianques próximo à fronteira com a Turquia, nos arredores da cidade de Ras al-Ain. Foto: Delil Soulema/AFP

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